Diário Político 128
Pessoalmente nunca me convenceu a ideia de que devemos imitar acriticamente toda e qualquer instituição jurídica só por que ela funciona no país de origem. É que nós temos, também, uma tradição jurídica, que eventualmente reflecte a nossa Weltanschauung nacional e que dispensa (também eventualmente) importações.
Digo isto a propósito do referendo cujo recurso, até á data, tem tido duas consequências: ou a resposta vem exactamente a contrapelo daquilo que os seus promotores pretendiam ou o público manifesta alegremente a sua desconfiança no processo não se dando sequer ao trabalho de comparecer.
Os exemplos abundam e, nem me recordo, sequer, de alguma vez, algum referendo ter tido o número suficiente de participantes para validar a escolha que era proposta.
Todavia, há casos, raros e simples, em que a pergunta a fazer aos cidadãos, de tão simples e tão “fracturante”, que é pode dar um sinal aos que mandam.
E antes de acrescentar seja o que for, sempre declaro que não me repugna o casamento dos homossexuais. Não deixa de ter graça que, num momento em que cada vez menos portugueses recorrem a essa instituição ( e que por cada dois casamentos se registe um divórcio..., como hoje mesmo foi anunciado) haja um grupo de cidadãos que a reivindica tão solenemente. Portanto, se me perguntarem se sou a favor, direi imediatamente que sim, mesmo se me surpreenda o uso da palavra, tão carregada de tradição judaico-cristã, tão vestido branco, flores de laranjeira e restante parafernália...
Pessoalmente, sempre defendi que as pessoas que vivam em comunhão de casa e bens (casa e pucarinho, como se dizia), que tenham, ou pareçam ter, projectos comuns de vida e de futuro, deveriam, só por isso, herdar uma da outra, fosse qual fosse o laço jurídico que as unisse. Aliás, se bem me recordo, no direito romano que penosamente aprendi na faculdade, havia três formas de casamento sendo que a mais simples, barata e popular era algo parecido com o que chamamos público amancebamento. (espero estar a recordar-me mas se errei, façam favor, desanquem-me nesse ponto, pouco ou nada importante, e salvem o resto).
E, se defendo o mais, a herança, claro que defendo o menos, isto é a responsabilidade solidária destas pessoas “ajuntadas” quanto a dívidas contraídas em nome ou em benefício do conjunto que formam.
Estou, pois, à vontade para me pronunciar sobre o meio adequado de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
É verdade que alguns partidos defenderam nos seus programas esta legalização. No caso em apreço, o PS (que há cerca de um ano se recusou a discutir a proposta de lei em sede parlamentar, não o esqueçamos) está agora determinado em aprovar, quanto antes, tal lei. E não quer ouvir falar de referendo.
Não deixa de ser curioso que aqui não se esgrima o argumento estafado da complexidade da pergunta como ocorreu quando se deixou cair um prometido referendo sobre a União Europeia. E não se esgrime porque isto, a perguntinha, é de resposta simples fácil e imediata. Nisto todos têm opinião pelo que se vê. Decerto que um referendo, dadas as peculiares disposições e atitudes dos portugueses, seria pela primeira vez, concorrido, profundamente concorrido. Já os resultados põem mais dúvidas. Um velho fundo católico, uma homofobia reconhecida ou pelo menos temida, poderiam impedir duradouramente este reconhecimento ora proposto.
E não se diga que o facto de o casamento de pessoas do mesmo sexo estar no programa eleitoral é (porque se foi maioritariamente votado) suficiente para afastar a grande e solene pergunta. Não é. Não é sobretudo porque subsistem dúvidas. Primeiro, os eleitores do PS, ao votá-lo, votaram todo o seu longo e palavroso manifesto eleitoral? Segundo, não terão apenas votado o PS na generalidade, deixando para as calendas a aplicação efectiva de todos os seus pontos programáticos, sobretudo este?
Há nestas recusas de referendo algo que me incomoda: não consigo deixar de pensar que o medo da resposta popular faz com que os partidos usem uma gestão sinuosa, senão errática, da oportunidade de submeter certas decisões a referendo. Ou, por palavras mais simples: o povo é uma chatice e não sabe o que quer, como quer, como deve querer...
Assim sendo, convém deixá-lo sossegado e decidir por ele questões que, a priori, poderão não ter as respostas politicamente correctas.
Será assim?
d'Oliveira fecit