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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des Dames 223

d'oliveira, 23.02.10

 

Apostila a Au Bonheur 221  ou

baralhar para voltar a dar

 

No texto em referência referiram-se alguns dos pecados maiores que se costumam assacar à geração de sessenta. Poderia dizer, antes, atitudes cujo uso e abuso conduziu a pecados. É-me todavia indiferente a qualificação por uma simples razão: todas as ideologias, todas as teorias e um sem numero de santidades conduziram a excessos, a deturpações e a desastres. A história das religiões dá-nos disso exemplos frisantes sejam a sharia a torto e a direito ou a excomunhão e o que se lhe seguia. A fogueirinha redentora que aquecia as carnes pouco tenras do réprobo ou do judeu contumaz não diferem nos seus efeitos da chuva de pedras que se abate sobre o ímpio ou a mulher adúltera na Arábia dita (porventura por ironia) feliz. Os filhos de Rousseau são hoje expostos no pelourinho severo (e pouco caridoso) das justiceiras da Educação Nacional e os voltairianos são escarnecidos pela sua intolerância. Mais próximos, o endeusado Sartre é apontado pelo seu exaltado apego à História mesmo se isso se traduzisse (e traduziu) num desapego total do Homem. Camus, seu sereno adversário, a par de louvores e hagiografias a granel (os cinquentenários dão muito disso) continua a ser apontado como um tíbio filósofo para o sétimo ano dos liceus e um peão de brega do conservadorismo liberal (Não lhe perdoam a posição sobre o terrorismo argelino e não só mesmo se, actualmente há da parte de intelectuais do Magrebe uma forte e honrada reivindicação desse grande intelectual pied-noir).

No caso português, circulam, envergonhadamente, acusações ao terrorismo das “Brigadas Revolucionárias” depois de 25 de Abril, comenta-se o facto de a geração do flower power nacional ter transformado a sua critica radical em desafio permanente ao Estado Democrático, em contestação sistemática do Poder e atribui-se-lhe todas as cretinices resultantes do abuso do politicamente correcto.

Vejamos.

Os escassos (mas nem por isso desculpáveis) actos terroristas ocorridos nos anos post-revolucionários tiveram três caras: o ELP, as Brigadas e para abreviar os chamados “otelistas” ou “vintecinco abrilistas”. De toda essa agitação resultaram pouco mais de uma dezena de mortos, um quarteirão de bancos assaltados, várias bombas avulsas com seu cortejo de destruição e miséria gratuitas. Um cento de pessoas esteve preso por períodos diversos e os julgamentos desse punhado de crimes deixaram um rasto de interrogações.

Conviria esclarecer que do pouco que pareceu ficar apurado quer o terrorismo de Direita quer o das Brigadas tiveram mandantes de uma geração anterior à de sessenta e recorreram fundamentalmente a criaturas exaltadas, politicamente impreparadas quando não claramente ignorantes. E ao lumpen como, aliás, também ocorreu com parte dos recrutamentos feitos pelas forças populares 25 de Abril. Ler os seus textos ridículos mas tonitruantes é descer a uma ignorada esfera do Inferno de Dante que ele terá deixado no tinteiro por medíocre. Sobraram mortos, é verdade, mas essa tragédia não torna os executores mais nobres, apenas mais abjectos.

A segunda crítica à geração assenta no facto de ela ter eventualmente proclamado o estado de discussão e agitação permanentes. Isso significaria que ao exaltar a indisciplina sistemática se fortalece o poder das corporações dos grupos ad-hoc dos defensores de privilégios anti-democráticos (o exemplo está na memoria recente de todos).

Finalmente, a crítica conservadora aponta o triunfo do politicamente correcto e, por vezes, junta-lhe a tendência para as “propostas fracturantes” muito do agrado das jotinhas partidárias. Também aqui os tiros passam bastante ao lado não só por que numa sociedade global muita desta espuma dos dias é importada mas sobretudo porque a Direita também cede a boa parte dos encantos desta nova maneira de liofilizar a Política.

As responsabilidades geracionais existem mas a gestão que dos seus efeitos se faz cabe também (e/ou principalmente) a outras gerações mais recentes que subitamente esquecem o velho aforismo ubi commoda ibi incommoda se é que me faço entender. E não deixa de ser significativo que, subitamente, no rescaldo de uma crise sem precedentes, se venha oportunamente (ou oprtunisticamente?) lembrar telhados de vidro alheios. Ou de como algum anti-capitalismo mais ou menos inocente e enterrado pelos anos e pela realidade se vê co-responsabilizado com o ultra-liberalismo dos neo-cons e dos seus discípulos indígenas. Irra

* na gravura o círculo dos violentos do Inferno de Dante em versão jogo para computador e pilhado na internet