Estes dias que passam 210
Sinais de fim de Verão?
Cai uma morrinha ligeira que não molha mas incomoda. Incomoda pouco, convenhamos. O Verão tem sido violento (ah o filme belíssimo de Zurlini!...) e os grandes calores pediam este intervalo. Agora que escrevi “morrinha” deu-me para pensar que, em galego, morrinha é uma espécie de saudade, de nostalgia. Como se esta vaga e húmida névoa quisesse recordar o facto das terras d’além Minho serem sempre verdes e chuvosas. Aliás, um dos melhores romances de Cela (***) uma Galiza onde a chuva não para por mor de um crime não castigado. Não será a verdadeiraexplicação científica da pluviosidade galega mas é, decerto, a mais interessante teoria sobre o assunto.
De todo o modo, o Verão está a começar as despedidas. Antigamente durava até fins de Setembro, primeira semana de Outubro . Até ao começo das aulas, para ser mais preciso. Agora, as aulas começam muito mais cedo e os pais, tendo, uma vez sem exemplo, de adaptar-se aos ritmos dos filhos concentram em Agosto todo o seu Verão. As férias (de Verão se não todas as férias) são Agosto e pouco mais.
Antes que alguém me acuse de saudosismo, devo dizer que sei perfeitamente que as férias de antes eram gozadas por uma minoria. O que não impede que tivessem encanto, provavelmente, no meu caso pelo menos, o encanto da infância e da juventude. É que, agora, o mínimo deslize sobre o passado não escapa ao crivo da critica impiedosa de uns tantos que cheiram, respiram, pressentem, adivinham reaccionarismo em tudo o que se escreve sobre o pré 25 A.
Num país atrasado e conservador como Portugal é fácil este exercício. E a ele se dão com jucunda ferocidade conservadores de direita e sobretudo de esquerda. Uns porque não admitem o seu fraco exercício de liderança, outros porque julgam inaceitável o escrutínio às suas poucas, e pouco interessantes, propostas de “mudar isto”. Há um deficit de esquerda capaz e moderna, de esquerda não fanatizada, de esquerda não ignorante, nessas presunçosas criaturas que choram o jacobinismo republicano, que não perceberam quanto ajudaram a enterrar a hipótese revolucionária e modernizadora que poderia ter existido depois de Abril. Alimentados ideologicamente pelo livrinho vermelho, pela senhora Marta Harnecker e pelos slogans simplistas da 5ª Divisão e dos grupúsculos imberbes nascidos da última chuva abrilista, não perceberam em que país estavam, nem o que, de facto, o “povo” com que enchiam a boquinha inocente onde confundiam a pequena burguesia com o proletariado e a vanguarda com a retaguarda.
Duraram, também eles, um Verão vagamente violento sem a Eleanora Rossi Drago e o Jean Louis Trintignant. Julgaram-se em 1917, como se o tempo tivesse parado no ataque ao Palácio de Inverno e não tivesse havido mais nada depois. Nem a guerra de Espanha, nem a Hungria, nem Praga, nem o “Muro”, nem tudo resto, desde a “revo. cul. na China Pop” até aos cemitérios de Pnom Penh.
Deixemos, todavia, essas etéreas criaturinhas em seu pascigo e voltemos ao Verão. Arde a floresta e, com ela, muita da nossa eventual riqueza. Parece que, neste capítulo dos fogos florestais, existirá mesmo um paradoxo português: em relação à Espanha, à França e à Itália (não sei onde parará a Grécia) a incidência de fogos por cá é incomensuravelmente mais forte.
Confessando-me um “urbanita” viciado e vicioso que não tem qualquer nostalgia do campo, sempre adianto que a floresta arderá mais por abandono das terras, desertificação, florestação à base de pinheiro e (sobretudo) de eucalipto, desinteresse pelas velhas espécies indígenas, incapacidade de gestão rentável das pequenas propriedades perdidas nas serranias, do que pelos incendiários. Um incendiário é sempre útil nestas coisas mas cheira-me que há incendiários a mais nas acusações de fogo posto. Isto para não falar na absurda negligência de uns quantos, no foguetório das milhentas festas que se celebram em Agosto e em mais um par de razões que que também poderão estar na origem de algum incêndio. Fala-se muito (e bem) na falta de limpeza da floresta. Dantes, nos difíceis anos da persistente pobreza, as populações aproveitavam o mato para lenha, para fazer as camas do gado, limpando (e chegando a pagar por isso) a floresta. Agora que já não há população rural (ou quase) que já não se uas lenha vegetal e tão pouco se vai por mato para a cama do gado, é o que se vê: a floresta cresce no meio de um rastilho incontrolável. E arde. Direi mesmo que as medidas de combate a isto irão sempre crescendo em meios, homens e custos justamente porque aumentam ou mantêm-se os vectores sócio económicos acima apontados.
O jornal traz uma notícia interessante: parece que há o projecto de reintroduzir cabras nas zonas transfronteiriças da Guarda e de Bragança e das capitais de província espanholas do outro lado da fronteira. De facto, as cabras comem tudo e cento e cinquenta mil cabras comerão seguramente muito. Por cerca de cinquenta milhões de euros (contemplando a criação directa de mais de quinhentos empregos) parece ser uma ideia com pés para andar. E reanimadora da economia de zonas interiores frágeis e cada vez mais desprotegidas. Se, como parece, os governos espanhol e português já deram o seu aval, estamos todos de parabéns, mesmo os do litoral que abominam o campo. Por uma vez sem exemplo, eis-me a dar os parabéns ao senhor Primeiro Ministro. Sub conditione, claro: que o projecto avance.
E que os amadores de chanfana, de queijo da Serra ou do meramente cabreiro, me acompanhem neste voto de bom vento e melhor casamento.