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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 259

d'oliveira, 29.12.10

 

Ano vai, ano vem

Há datas que dão para isto: balanços do ano, do mês, do século, contas e mais contas, declarações congratulatórias de conspícuos cavalheiros, mormente os políticos que, consoante estão na oposição ou no poleiro, assim nos dizem dos males futuros e passados ou da bondade de medidas que se tomaram.

E o público segue o cortejo. A começar pelos media que precisam de qualquer coisa para encher páginas e noticiários. A propósito: já repararam nos noticiários da RTP 1, da SIC e da TVI? Na sua absurda e descocada extensão? Será que os seus responsáveis entendem dever informar a multidão de coisas que nem ao menino Jesus interessam ou é mesmo assim? Haverá espectador que não se sinta ofendido com a torrencial quantidade de notícias anódinas, desinteressantes, pirosas quando não claramente tontas?

Eu nem sequer ponho em questão os boatos e mexericos sobre o triste jet-set nacional onde cabe tudo, ou melhor, onde cabe, sobretudo, um punhado de criaturas ridículas, carregadas de botox e várias incapacidades funcionais (para já não falar na pobreza intelectual e ética que normalmente e justificadamente se lhes associa). Será que a Finfinhas, filhinha espúria da Tatá, perdeu os pobres três com o Quico Burrié ou o infausto acontecimento sucedeu durante uma festa na quinta do Mitó Vasconcellos com dois, ou mesmo três “l”? E o novo noivo (agora noivo é o namorado com mais de três meses de casa e pucarinho) fará a Xana Sáa (com dois ou três “a”) atingir orgasmos hollywoodescos ou a coisa fica por uns pacatos estúdios do Lumiar? Amanhã se saberá na edição especial da revista do coração mais à mão.

O fim de Dezembro (antigamente apenas o décimo mês de um calendário bem mais adequado à nossa percepção do tempo: o ano começava com a primavera que é sempre algo mais festivo do que os tristes e frios dias que se avizinham) serve para isto e para a contabilidade... Nos próximos três, quatro dias a imprensa maravilhar-nos-á com records, com balanços, com previsões, com fotografias já vistas mas agora em série, de tudo e de nada. Mais de nada do que de tudo, mas os políticos estão em casa com as amantíssimas esposas e filharada carinhosa q.b. a tirar as fotografias da praxe para uso (e abuso) nos meses que se seguem. Vêm como somos tão portugueses como vocês? Vêm como somos simples, amáveis, bonzinhos e ajudamos a patroa a lavar a loiça?

Ai, leitoras gentis e prezados leitores, isto cheira a esturro a dez metros de distância! E o mundo na mesma. Berlusconi pode perder em Itália mas as suas empresas ganham espaço em Espanha, A Costa do Marfim está à beira da guerra civil, ou melhor continua em guerra civil, bem como o Zimbabué onde um gangster preto e doido rebenta com o pouco que resta. Como é que um pais próspero cai no fundo não se percebe. Como é que os dirigentes africanos da vizinhança nada dizem, eis o que não se percebe. Ou se percebe demasiado bem... As Coreias lá andam, verdade seja dita que a do Norte é francamente pior, aquilo tornou-se numa dinastia chulesca que rebenta com a população e está disposta até a rebentar com tudo, incluindo-se ela própria, num Göttdämerung gigantesco que nem Hitler se atreveu a sonhar. A Venezuela soma e segue graças a um ex-golpista que apostou (e vai ganhar) em a deixar mais pobre e mais desamparada. Um dos seus países de referencia, Cuba, mantém-se na mesma vil pobreza e no mesmo desastre que a teimosia dos seus líderes criou com a ajuda desinteressada do amigo americano.

E a  Europa? Segundo um distinto juiz da nossa praça, a Irlanda não cede ao desvario feminista  do aborto a la carte, mesmo se as mulheres morrem e os filhos também. S.ª Ex.ª regozija-se em recente artigo por uma decisão judicial europeia não pôr em causa a aberrante lei irlandesa. A Irlanda não sofre só de economia mal parada... E depois há quem se queixe das críticas aos nossos magistrados! Outro pais europeu prepara uma bela censura à imprensa e/ou aos cidadãos que se atrevam a pôr em causa a maviosa paz social que lá se goza e a boa opinião que os íncolas têm de si mesmos e das suas instituições. No Kossovo, os autoproclamados libertadores do povo e da nação negoceiam em vísceras várias dos patifes dos prisioneiros sérvios. E A OTAN a ver... Em vários otros países europeus, estimula-se a democracia na Turquia, apoiando o regime islamista, mesmo se, com este no poder, sejam cada vez mais prováveis os atropelos à democracia e aos desnecessários direitos civis e laicos. Não vale a pena falar dos países árabes, uma ficção mal-humorada de tudo o que é repelente e religioso. A China lá vai com uma mão dando e com a outra reprimindo. Mas é um país responsável e vai comprar dívida soberana dos pobres europeus. Assim, bem que se pode prescindir dos uigures, dos tibetanos e dos prémios Nobel da paz. E por aí fora.

Os que corajosamente até aqui chegaram dirão que acabei – também eu – por fazer um balanço. Talvez. E que nada mudou desde o ano passado. Também. Ou melhor: algo mudou e este ano vamos amargá-las. Mesmo se, como também leio nos jornais, se verifique que a lusa e fera gente tenha gasto em compras natalícias mais 10% do que no ano passado!

Tout va bien dans le meilleur des mondes!