Estes dias que passam 227
Não, caro JCP. Não e não.
Caro Amigo e remador desta “barca dos sete lemes”, tripulada por gente livre que dá a cara e não teme estar em desacordo.
Discordo, permita-me a repetição, do seu texto sobre as eleições. E discordo tanto que, em vez de lhe apor um comentário, entendi escrever um post inteiro com as minhas razões.
Vejamos então.
Diz o meu Caro Amigo que a vitória de Cavaco (cavalheiro de que ambos não gostamos...) foi uma vitória de Pirro. Nem tanto, JCP. Nem tanto. Pirro afirmou, depois de uma vitória que lhe custou um inteiro exército, que o seu fim estaria próximo, querendo com isso dizer que as perdas no terreno hipotecavam dramaticamente o futuro do seu reino. E, claro, acertou.
Cavaco já não travará mais nenhuma batalha presidencial. A idade, por um lado e a Constituição, por outro, não lhe permitem senão estes próximos cinco anos.
Poder-se-ia dizer que, além de Presidente, é uma figura de importância vital para o PPD. Já não é. E a idade (outra vez!...) junta com os cinco anos que começam, afasta-o, mais e mais, de o voltar a ser. A hora, JCP, pertence a esta geração que trouxe, por misteriosa razão, um Passos Coelho à liderança.
Mas, talvez, V. se quisesse referir ao facto de “Cavaco ter perdido meio milhão de votos” e de a precipitadamente anunciada taxa de abstenção ter sido gigantesca.
Vamos por partes. A abstenção imprudentemente anunciada foi muito menor porquanto o Tribunal Constitucional já abateu ao exagero tolo e irresponsável dos não sei quantos milhões de eleitores cerca de quinhentos mil. Aliás, boas contas, fáceis de fazer, remetem mesmo, este novo número para patamares ainda menores. É provável, se não absolutamente certo, que anda por aí ainda outro meio milhão de eleitores fantasmas. Se for assim, e tudo indica que é assim, a percentagem de Cavaco sobe meteoricamente, o papão dos eleitores faltosos diminui drasticamente. Mesmo se, como é hábito, as segundas eleições serem menos excitantes que as primeiras e mobilizarem (pelo menos pelo lado do vencedor) menos gente.
Cavaco ganhou, pois, por uma forte percentagem. A primeira pessoa a lamentá-lo sou eu que, aqui, e onde me foi possível, dei a cara por Manuel Alegre.
A segunda questão que V. suscita é a da “falta de legitimidade”. Diz o caro Amigo que com 60% dos votos, Cavaco teria outra e melhor legitimidade. Convenhamos que o argumento, aliás conhecido, usado e glosado ad nauseam, é pobre e anti-democrático. Na democracia ganha-se por um único voto! Ponto final, parágrafo! Quem ganha tem toda a legitimidade. Mas nem sequer é este o caso. A anterior diferença (devido ao balão dos eleitores fantasmas) já era suficientemente expressiva e forte para arrasar o argumento que V. (e outros, aliás) defenderam.
Cavaco não foi condenado a “remeter-se à condição de espectador” bem pelo contrario. E ele, anunciou-o sem esconder a mão. Fingir que não se vê isto, desculpe, é apenas um argumento para uso interno partidário, uma espécie de pacho quente para pôr em cima do inchaço da derrota.
Sócrates que se acautele porquanto, Deus não o queira!, à primeira hesitação “vai de vela”. Resta-lhe navegar à vista da costa. E esperar pelo milagre das rosas: juros mais baixos, aumento das exportações, resignação dos portugueses perante os sacrifícios de que ainda não tivemos sequer uma pálida ideia, boa vontade do eixo franco-alemão (melhor: germânico-francês!) e por aí fora.
Em segundo lugar, V afirma que “Sócrates não sai penalizado das eleições porque sabia que nem no P.S. a sua opção por Alegre reunia consenso”. Essa agora! Então se não reunia consenso, porque tomou esse imprudente comboio? E se a sua opção não mobilizava (como não mobilizou...) o partido como é que a reteve? Houve ou não uma desautorização por parte de uma expressiva parte dos militantes (e de dirigentes, claro)?
Mas há mais. V. diz que Alegre tentou a “quadratura do círculo”, expressão estafada que não diz nada politicamente. Alegre, que se saiba, apresentou-se à eleição. Era seu direito e, como se sabe, a eleição para a Presidência da República é individual e não partidária. Que o BE o tenha querido apoiar não significa nem pode nunca significar que isso impeça o P.S.. Fartas vezes tem o BE apoiado (no Parlamento) o P.S. contra a Direita e nem por isso, V. (ou qualquer outro simpatizante de Sócrates) disse ou pretendeu que isso suscitava a quadratura seja do que for. Nem, nessa ocasião, isso fez impressão aos delicados socialistas (ou que por tal passam e são agraciados, v.g. Correia de Campos ou Vital Moreira, deputados europeus eleitos nas listas socialistas...) que agora vieram, em ofendido e virginal coro, chorar essa espúria aliança.
Se, acaso, o P.S. depender dos votos do BE e/ou do PCP numa qualquer futura e dramática moção de censura apresentada pela Direita, virá V. (ou os pudicos socialistas que não “engoliram” a candidatura de Alegre...) bradar contra essa quadratura negregada e ortorrômbica?
Adiante:
As eleições presidenciais, mais do que uma derrota de Alegre (que o foram, obviamente.) traduzem uma derrota do P.S. frente à Direita. E isto porque o PCP se limitou a fixar os seus votos e Coelho ou Defensor de Moura não contam ou contam pouco. Já Nobre, candidato inventado por quem se sabe, apoiado por quem se sabe, ao reunir muitos (se não todos) dos socialistas extraviados, foi uma pedra no caminho de Alegre. Mas mesmo que o não tivessem atirado para a arena, mesmo que Defensor não tivesse, sabe-se lá por que razão, tentado um voo para o qual não tinha asas, sequer penas, mesmo assim, Alegre perderia. E com ele, os que o apoiaram. Chamem-se Louçã, Sócrates ou muito simplesmente Marcelo Correia Ribeiro, este seu criado que já por aqui declarou ser um derrotado mas que está vivo, pronto a mais uma, que não se envergonha (como Alegre...) de perder e que perdeu ao longo da sua vida muitas e muitas eleições. E que eventualmente, por má cabeça, piores fígados e coração à esquerda, perderá outras mais.
Um abraço