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Incursões

Instância de Retemperação.

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diário Político 158

mcr, 08.02.11

 

o que dizem os cartazes

 

Eu nunca consegui perceber inteiramente o PCP. Ou, então, percebo-o bem demais. Ou, ainda, é a sua linguagem simplista, redutora, a sua “langue de bois”, a cassete, que me arrepela o bom senso, a pouca gramática que aprendi e o gosto pelo português claro e escorreito.

Durante a passada eleição presidencial, apareceu um cartaz que rezava assim: “Confiança nos trabalhadores; confiança no povo; confiança nos portugueses”. Isto, assim mesmo, com uma fotografia (se bem recordo) do candidato Francisco Lopes.

Ora atentemos.

Em primeiro lugar não me parece que deva ser o candidato a ter confiança nas pessoas mas estas nele. Claro que a mensagem era tão ambígua que não é seguro que fosse Lopes a proclamar essa confiança. Mas se não era, então o texto peca por mal escrito.

Mas há mais: Será que os trabalhadores não são do povo? E que ambos não estarão entre  os portugueses? Ou sendo tudo redutível á nacionalidade, para quê meter o povo ao barulho? É que povo é toda a gente que habita um certo território (o “povo português”...). Já é mais fácil pensar que nem todo o povo é constituído por “trabalhadores”, palavra fetiche do PCP que parece envergonhar-se da antiga, “proletários”, mais evidentemente revolucionária, pelo menos em teoria, já que na prática bem se sabe que não houve regime fascista ou reaccionário que não visse uma boa fatia do proletariado nas suas hostes. Claro que sempre se poderá retorquir que o PC fala apenas nos proletários com “consciência de classe” um dos seus mais duradouros mas injustificados mitos.

É que trabalhadores é quase tudo. Até o presidente do BCP (ou outro, ou outro...) trabalha. E reclama-se desse estatuto, dos descontos que faz para a Segurança Social para acautelar a sua reforma. Os estudantes “trabalham”, ou isso é afirmado,  dado que hoje a Educação deixou de ser uma aprendizagem para ser qualquer outra coisa esquisita que entretém rapaziada, ministra, funcionários do ME, uma multidão de professores e mesmo os ideólogos do “eduquês” (e são tantos...) que devem achar que as suas extraordinárias elucubrações são trabalho meritório e revolucionário.

Eu, adepto de um português mais fácil, preferiria dizer confiança dos (e não “nos”). Isso seria um pedido ou mesmo, por que não?, uma afirmação forte. O candidato na sua humildade (revolucionária) vinha pedir aos eleitores a dita confiança ou, desafiando os adversários, vinha garantir que, ao contrario dos outros, gozava dela.

Mas deixemos estas águas passadas e vejamos o novo mote: “Mais produção, melhores salários”, sentença que corre o país em cartazes (outdoors, que é mais fino).

Em primeiro lugar, seria bom interrogar que produção se pretende aumentar, dadas as nossas limitações fabris e industriais. É que, como se sabe, ao longo destes difíceis trinta últimos anos, muita da produção tradicional foi à vida. E foi-o porque se passou dum ciclo antiquado e atrasado, de mão de obra intensiva para outro em que é o capital que tem direito ao adjectivo. Os salários miseráveis de outros tempos foram-se mas obviamente o número de trabalhadores dessas industrias tradicionais diminuiu. Isto quando não foram mesmo as indústrias que emigraram em peso para países de mão de obra mais barata e menores direitos políticos e sociais.

Mas suponha-se que a “produção” está definida, é moderna, necessária e tem escoamento garantido interna e externamente. Melhores salários? Claro que sim, se...

E este se é um se dos diabos. Um se difícil sobretudo se (este sem ser a negrito) houver como há uma taxa de desemprego que ultrapassa os 10%.

São essas centenas de milhares de trabalhadores sem salário que têm de ser socorridas em primeiro lugar. Um salário, mesmo o mínimo, por favor. Um salário pela sobrevivência, pela dignidade, pelo amor próprio, pela justiça social. E, ai, pela paz social.

Falar em “melhores salários” pressupõe apenas que se pretende proteger, beneficiar quem já tem emprego.

Desde há muito que se verifica, sobretudo a certo nível sindical, esta ideia. O sindicato protege quem está empregado, quem cotiza para ele e não os outros, os deixados para trás, os desprotegidos, como se essa gente sem eira nem beira nem ramo de figueira, fosse pestífera, incapaz, sem direitos.

Este cartaz, na sua fria crueza, no seu erro palmar e indecente, é insuportável.

Ou, então, e mais uma vez, anda por aí muita gente que precisa de aprender a falar português. E um português que seja compreensível pelos portugueses todos, pelo povo, pelos trabalhadores e pelo raio que parta quem não consegue sequer criar uma mensagem solidária, leal, e...verdadeiramente revolucionária... Mas isso é outro falar...

 

*na gravura: slogan do tempo da guerra civil na União Soviética: "presente vermelho para um ricaço "branco". Brancos eram, como se sabe, os contra-revolucionários, apoiados aliás pelas potências ocidentais em dinheiro, armas e soldados.

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