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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 265

d'oliveira, 14.02.11

 

Nem por acaso.....

 

Não gosto de estragar a festa mas, na verdade, é o que me está destinado. A minha amiga e camarada nesta barca, “o meu olhar” talvez por estar atacada por uma incómoda gripe, resolveu iniciar uma coluna só de coisas boas que nos sucedem. Forte risco, perigosa aventura. As boas notícias, como já tive oportunidade de lhe dizer, reduzem-se, infelizmente, à falta de más notícias.

“O meu olhar” acha que anda por aí uma pandemia maliciosa (no seu verdadeiro e antigo sentido) de exploração dos males e obliteração do bem. Não tem razão. Desde que o Deus dos hebreus, fez o mundo e descansou ao sétimo dia, o mal tem espreitado desde as profundezas infernais e nunca se eximiu a dar um ar da sua graça. Mesmo quando nem era mal, como ela, “o meu olhar”, filha de Eva, decerto saberá. Razões absurdas fizeram com que desde o início dos tempos a Mulher tivesse sido sobrecarregada com todos os pecados do mundo, mesmo o de ser mãe dos homens...

Eu, perdoe-me “o meu olhar” nunca li um livro que não tivesse o seu argumento centrado no mal. Há um mal e, depois de muitas canseiras e trabalhos, pode ocorrer que o Bem vença. Mas nem sempre.

O mesmo ocorre com as boas notícias. Ler no jornal, logo pela manhã, entre o sumo de laranja e as torradas,  que um pobrezinho encontrou uma carteira com mil euros e a foi devolver ao aflito cidadão que a perdeu não é notícia. Ou só o é porque só por milagre, ou quase, acontece.

E vejam só: no exacto momento em que, aí abaixo, “o meu olhar” se enternece com o uso virtuoso de bicicletas na Murtosa (no Inverno, “o meu olhar”? Ao frio, ao vento e à chuva?) logo os jornais numa medonha conspiração, noticiam que depois da senhora que esteve morta e esquecida um ror de anos no seu andar de Sintra, mais dois velhos (um em Cantanhede e outro em Matosinhos) morreram abandonados e esquecidos. Disse velhos, e repito. A palavra idoso é muito politicamente correcta e serve para disfarçar o indisfarçável. Velhos, portanto. Velhos como umas largas dezenas de concidadãos nossos, espalhados pelo torrãozinho de açúcar, sós e isolados, sem uma visita de familiares, os amigos já desaparecidos, as dificuldades crescentes da crise e de uma modernidade que eles não entendem e desprezo dos poderes públicos e assimilados.

Um país que trata assim os seus velhos (e três numa semana é já uma multidão)é um país que está abaixo dos padrões mínimos e, seguramente, dos mínimos dos mínimos europeus. bom seria que olhássemos para África (em que, enchendo a boca, andamos quinhentos anos) para ver que mesmo aí com tantas tragédias e misérias os velhos têm melhor tratamento e muita, incomensuravelmente muita, maior consideração. Có ao que se vê os velhos servem para morrer e deixar alguma pobre herança aos que em vida os abandonam e desprezam. Podia dizer-se que este não é um pa´ís para velhos. Nem para gente decente se a há.

Eu, que sou criatura de maus fígados já tinha por aqui engatilhado um post sobre o assunto mas, como de costume, deixei-o meio pronto, num escaninho deste computador, a abeberar todo o fim de semana. Ressuscito-o agora, bastante modificado, esperando que hoje não apareça mais outro cadáver olvidado pelos homens e por Deus dentro de um pardieiro miserável.

Mas vejamos um pouco mais longe. Eu (e seguramente quem faz as notícias, diariamente) não me divirto nem me conforto com o que está mal. Bem pelo contrário. Tento usar esta tribuna justamente para ver se o que está mal é corrigido. O que está bem, bem está e não precisa do meu fraco amparo. Ou como em comentário escrevi: “Pas de nouvelles? Bonnes nouvelles!” (não temos novas de alguém? Então é provável que tudo lhe esteja a correr de feição) A menos que esse alguém  de quem não temos novidades esteja como no poema jazendo morto e arrefecer “no plaino abandonado que a morna brisa aquece...”

Voltaire, num dos seus mais lúcidos textos (Candide ou l’optimisme) toca neste ponto. A ingenuidade – em princípio uma boa característica – corre sérios riscos no confronto com a dura realidade.

E se é verdade que as más notícias deprimem as pessoas e não só as mais dadas à depressão, não menos verdade é que só as más notícias nos armam contra a adversidade.

Eu, que adoro bicicletas (e tenho até duas: uma velha pasteleira e uma recente com um pequeno motor eléctrico auxiliar que exige que se pedale mas alivia muito o esforço nas subidas),  fico muito feliz com a iniciativa do senhor edil da Murtosa. Digamos que nem é exactamente uma novidade absoluta. Na vizinha Aveiro há, se não erro, as “biclas” e toda a região tem excepcionais condições para este excelente meio de transporte. Claro que a chuva e o mau tempo pedem alguma prudência e algum desvio ao seu uso não vá o remédio pregar alguma partida aos voluntariosos pedaladores. Mas teria gostado de ler que, na região, como por exemplo, aqui para o Norte, nazona do desemprego têxtil, um empresário (os Aquinos) abriu uma nova fábrica que vai dar emprego directo e imediato a pelo menos cento e cinquenta pessoas. É pouco? É. Mas é muito para as vítimas do desemprego de longa duração que atinge a região. Pode constituir a salvação (moderada) de cento e cinquenta famílias. É ecológico? Provavelmente nem tanto mas entre isso e a miséria, antes isso.

Eu quando oiço uma boa notícia basto com o nó do dedo na madeira. À cautela, esperando que a deusa omnipresente da inveja não repare e venha do Olimpo até cá para estragar. No que crea en brujas pêro que las hay, las hay.

De todo o modo, força, força, companheira “o meu olhar”. Persista que eu cá estou para aplaudir e para prevenir.

E boas melhoras.

Sempre seu

Amigo e admirador

mcr

 

* na gravura: Wladimir Kandinsky, pintor que é muito da simpatia de "o meu olhar" e minha, claro

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