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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 222

d'oliveira, 15.02.11

 

Absolutamente patético

 

Ver o que se passa no fissurado Bloco de Esquerda mais do que uma lição sobre as aberrações do passado é sobretudo uma viagem dolorosa às raízes da derrota global da esquerda nestes mal assombrados tempos que correm.

Hoje, pela voz de um experiente militante, homem vindo da escola de quadros (funcionários) do PC, entrado em dissensão e recolhido ao caravanserail dos doutores Louçã e Fazenda, lá se pronunciou a frase que faltava. A frase que ilustrou todos os tenores da ala maioritária do partido comunista soviético mesmo se essa ala variasse constantemente consoante o vento e a vontade do Secretário Geral. Pronunciaram-na Zdanov ou Vichinsky, murmurou-a, cavernoso, Beria, gritou-a aos quatro ventos Krustchov antes, claro, de ser silenciado por Brejnev. Como de costume a frase (já lá iremos) foi usada até á exaustão pelos partidos do Bloco de Leste e obviamente pelos ocidentais.

De facto, hoje, na televisão, ouvi, pasmado ou nem tanto, que as actuais divergências no Bloco são obra de um grupo que sistematicamente se tem mostrado contrario à Direcção. Um “grupo anti-partido” para usar a terminologia habitual e estratificada da langue de bois soviética.

O grupo anti-partido no último caso era constituído por Molotov e Malenkov dois proeminentes membros da cúpula do Partido e do Estado vindos dos tempos de Stalin. Não era o primeiro mas foi o que ficou mais famoso.

Desde a morte de Lenin que tais grupos foram sendo “forjados” no seio do Comité Central do PCUS. Forjados em todos os sentidos que a palavra comporta. Bastava, a certa altura, verificar que um ou dois, ou dez militantes, estavam em ruptura (real ou imaginada) com as directivas do partido, a linha geral e toda a restante parafernália para os juntar por mais diversos que fossem e apresentá-los á porta do matadouro para abate. Seria fastidioso para os leitores pôr aqui a lista mesmo se só nos limitássemos aos membros das direcções leninistas. Bastará afirmar que mais de 80% destes foram executados como traidores e anti-partido numa dantesca perseguição que não se limitava a liquidar os alegados divergentes mas também a fazê-los confessar em julgamentos públicos e infamantes a sua trajectória desleal e traidora.

Por isso quando se fala de grupos a conspirar dentro de um partido, mesmo que o dito partido seja esse volúvel aglomerado de ambições e ilusões chamado Bloco, a coisa cheira-me a esturro, a montagem, a desfaçatez e a delírio.

Aliás, e se, de facto, houvesse  um grupo oposto à Direcção do Bloco? Acaso um partido, mesmo este, feito por ex-revisionistas, ex-maoístas, ex-trotskistas e outras subespécies da chamada “doença infantil”, não pode ter diferentes sensibilidades, diferentes perspectivas e pelo menos discussão?

Neste género de agremiações, a unanimidade não é um ponto de chega mas sim de partida. Pior, a unanimidade é condição sine qua non para o funcionamento da máquina. Aqui, está-se sempre de acordo, mesmo se, para tal, for necessário expurgar a organização de tempos em tempos. A “linha justa” constrói-se assim. É preciso que, volta e meia, apareçam uns dissidentes, ou alguém que possa ser tido por tal,  para numa enorme missa purificadora serem competentemente expulsos do paraíso futuro e da cruzada anti-capitalista. E de passada reforçar a unidade partidária e o poder da direcção.

Hoje, na televisão, assistimos ao primórdio da manobra. Sereno e de voz pausada, um membro influente da bancada parlamentar do Bloco deduziu a acusação. Há um grupo. Repare-se que não foi Fazenda, Louçã, Pureza, desgastados pela polémica e pelo escândalo da cacafonia instalada pela diferença de posições sucessivas quanto à moção de censura mas sim um outro elemento vindo de outra cultura organizativa e de outra sensibilidade. Valha a verdade que, para este género de acusações, nada vale um ex-militante do autêntico partido dos processos políticos a sério. Dá garantias a quem ouve. Aquela gente não brincava em serviço. Faziam o que prometiam, sobretudo quando prometiam o castigo dos desvios.

Perguntar-se-á por que diabo de razão me ocupo com isto. Não sou do Bloco, nunca fui adepto da URSS, votei muitas vezes (quase sempre) ps olhando envergonhado para o lado, enfim, sou um esquerdista mole, sem rédea nem camaradas, ou como uma vez me disse um inspector da pide que tentava extorquir-me debalde (manda a verdade que o diga) uma confissão: Pelo que vejo o senhor doutor é um “revolucionário por conta própria”. Nem mais, respondi-lhe encantado e aliviado. E lá fui penar para um quartinho com vistas de rio e de auto-estrada em Caxias sur mer.

Nestas aventuras que me levaram algumas vezes a inóspitos albergues do Estado fui conhecendo muitos cavalheiros do género destes que ora ocupam a duvidosa ribalta política. E, por os conhecer, fugi sempre deles como se foge da peçonha e das quartãs.

Mas, mesmo de fora, não se escapa. “Eles” são como o vírus da gripe. Mudam todos os anos mesmo se a gripe parece sempre a mesma. Ou, por outras palavras, o Príncipe Salina tinha razão. Só que no caso dele temos para gozo nosso o magnífico “O Leopardo”. E neste, tão português  e tão mais próximo, temos isto: uma história de faca e alguidar escrita por um analfabeto  para um público cada vez mais ausente.

É o nosso fado.

Arre!

 

* a ilustração: O nunca suficientemente chorado Vichinsky (ao centro) no processo contra Radek e Piatakov

 

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