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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário Político 166

mcr, 02.05.11

 

 

Exercício de imaginação?

 

Imaginemos o seguinte texto, absolutamente plausível, se é que não está já a ser redigido e/ou difundido:

Um comando de choque ao serviço do capitalismo selvagem, do imperialismo yankee e dos mais sórdidos interesses monopolistas assassinou friamente Osama bin Laden, guerrilheiro muçulmano, ao serviço da Ressurreição Árabe e da luta de libertação nacional do Afeganistão.

Os mercenários do capitalismo, confortados pelo seu imenso poder de fogo e pela superioridade tecnológica posta ao seu serviço graças aos milhões de dólares que o imperialismo retira aos pobres para reforçar a sua defesa, impuseram-se ao reduzido grupo de combatentes que defendia o seu carismático líder. Para evitar os embaraços decorrentes de um julgamento público em que a defesa poderia pôr a nu a mesquinha teia de interesses e cumplicidades que rodeava o confronto, os comandos americanos tinham ordens expressas para matar o guerrilheiro, para o calar para sempre.

E terminando: nem o cadáver foi devolvido à família para poder ter na morte a tranquilidade que lhe regatearam em vida. Supõe-se que o corpo foi atirado ao mar para evitar as evidentes manifestações de simpatia e respeito que a luta de David contra Golias suscitava entre as massas exploradas e oprimidas do terceiro mundo.

 

Admiram-se? Não acreditam? Pois basta recuar um punhado de anos para ler prosas ainda mais espantosas do que esta. A glorificação dos terroristas, recheada de brocardos piedosos (diz-se violento do rio que tudo arrasa à sua passagem mas ninguém fala das margens que o oprimem –sicut Brecht) e a manifestação de acusações ao sistema monstruoso centrado na plutocracia ocidental foram moeda corrente.

O terror foi uma arma de muitos movimentos revolucionários e por isso exaltado. Quando, por sua vez, a “reacção” o usava, eis que se erguiam vozes autorizadas a denunciá-lo. Todas as polícias do mundo o usaram em maior ou menor grau, com mais ou menos sofisticação, desde as razzias da Okrana, da Gestapo ou da Tcheka – sob as suas múltiplas formas – até aos safanões dados a tempo pela eficaz PIDE.

Muitos (ou pelo menos os suficientes) movimentos revolucionários entenderam dever defender-se à custa de repressão cega e ilimitada arguindo da falta de tempo e da impossibilidade prática de identificar calmamente os “inimigos do povo”.

A morte de Bin Laden era esperada há muito. A América não costuma esquecer-se dos seus inimigos e o assassínio colectivo das Torres Gémeas a que devem somar-se as centenas de mortes dos passageiros dos aviões usados como bombas pesavam dramaticamente no imaginário americano. A escalada da Al Qaeda no Afeganistão, no Médio Oriente e até em território europeu (o 11 M de Madrid) mantiveram acesa a colaboração de serviços de inteligência de meio mundo pelo que a questão era apenas uma: quando é que os americanos encontravam o terrorista?

Não deixa de ser irónico saber-se que Bin Laden se hospedava numa mansão enorme, bem protegida a escassas dezenas de quilómetros de Islamabad, capital do Paquistão. Os guerrilheiros, os homens de acção perdidos pelas montanhas, no djebel magrbino, nas ruelas esconsas de meia dúzia de cidades do Médio Oriente esses não tinham tal protecção. Mulheres e crianças engordados com detonadores e explosivo faziam-se matar em miseráveis soukhs árabes e Bin Laden atrás de muros altos de cinco metros, numa “mansão” que decerto veremos dentro em pouco, a idealizar a sua particular guerra santa...

Laden é morto! Felizmente! Com a sua morte, talvez a ideia heróica do terror cego se dilua um pouco. Haverá protestos, claro. Explosões de raiva, não se duvide. Mas a ideia da intangibilidade dos criminosos, estejam eles no interior da floresta ou num palácio, fica mais enfraquecida.

A actual “revolução” árabe que dia a dia vai colhendo apoios e vendo multiplicarem-se as vítimas inocentes devido à repressão dos regimes no poder (Síria, Líbia, Yémen, Bahrein...) está livre desta funesta companhia que era a Al Qaeda, usada como argumento por sírios e líbios. A sua visibilidade pode vir a ser outra e quer os opressores locais quer os inimigos externos (a quem a existência da Al Qaeda servia também de álibi, e penso em Israel, mas não só) perdem um argumento que mesmo sendo falso era suficientemente atraente, pese a sua ambiguidade, para as simpatias e alguma solidariedade de alguns intelectuais ocidentais que, à míngua de aventura e de risco pessoal nas suas insossas vidas (e temos por cá muitos!...) se imaginam robespierres de salão ou estalines de secretaria (não se esquecem nesta rubrica os hitlerzinhos bigodudos e os mussolinis de pata no ar mas esses são unanimente – e bem! – considerados meros gangsters). Vamos ver, dentro em breve, algumas criaturas destas a carpir como crocodilos a falta de fair play dos americanos. Deixem-nos falar sozinhos.

O dia de hoje é de festa! E de justiça! E de mais possibilidades de liberdade!

 

Em tempo: a Direita americana, o Tea Party, as minorias ultra-religiosas, os adeptos da teoria da supremacia branca e outras abominações devem estar de monco caído. Foi Obama, o negro, e não Bush o atleta que se escapou da guerra, quem conseguiu esta vitória.

 

d’Oliveira fecit 2.Maio.2011

   

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