estes dias que passam 235
Os iluminados do petit livre vert
Algum leitor estará lembrado da famosa campanha chinesa contra os pardais? Não? Então eu conto.
Durante o Grande Salto para a Frente (1958-1960), a jovem República Popular da China adoptou um programa ambicioso de colectivização e industrialização que nas condições materiais da altura não poderia nunca ter sucesso. Além das enormes dificuldades materiais, que obrigatoriamente ocorreriam, não havia quaisquer garantias de alcançar sequer os mais baixos objectivos que a esforçada impaciência maximalista chinesa indicava. O próprio slogan, “três anos de dificuldades e esforços levarão a mil anos de felicidade” era claramente utópico e sobradamente anti-marxista.
No meio das convulsões desses anos medonhos houve uma sub-campanha directamente enunciada por Mao contra “as quatro pragas”. Destas quatro pragas (moscas, mosquitos, ratos e... pardais!) foi dada uma particular ênfase aos pardais. Mostraram-se multidões ululantes de cidadãos aos berros, agitando paus, panos ou batendo palmas para espantar os pardais e os fazer tombar de cansaço.
A consequência foi como se esperava devastadora: aniquilaram-se os passarinhos (não só pardais, de resto, mas outros de pequeno porte e confindíveis com aqueles) e, dada a sua falta, aumentou exponencialmente a bicharada que eles comiam. E com isso perderam-se muito mais alimentos do que a magra côngrua paga à pardalada. Mais tarde, já com relações extremamente tensas, ainda foi a URRS quem forneceu à China radical cerca de duzentos mil pardais para a repovoar.
Além desta consequência previsível, que só a cegueira ideológica não deixa(va) ver, houve quinze a vinte milhões de mortos de fome que não sendo obviamente provocados pela mortandade dos pardais também dela foi consequência mesmo que em pequena parte.
Agora, no torrãozinho de açúcar, um senhor Secretario de Estado entendeu dever autorizar a caça aos melros. Segundo S.ª Ex.ª “foi esse o parecer dos serviços”(!) tanto mais que os melros comem cerejas uvas e morangos. E diz mais, a secretariante criatura, “seria penalizador para os caçadores os melros ficarem de fora”. Assim sendo, permite-se a cada um dos cem mil caçadores registados no jardim à beira mar plantado, abater quarenta melros por dia. Mesmo sabendo que não são assim tantos os dias de caça, poder-se-ia dizer, sem receio de desmentido, que um dia em cheio produziria quatro milhões de baixas na população de melros. Ou dois dias bons. Ou quatro razoáveis. Ou dez, doze, quinze...
Os caçadores recusam a incumbência, os ecologistas mexem-se mas a asneira tem outra esfarrapada desculpa. É que todos os anos, e nas zonas de cultura de cereja, morango ou uvas são passadas licenças de abate dos passarocos mais gulosos.
Não há, infelizmente, licença para abate de Secretários de Estado mesmo se estes legislam cegamente com base no parecer dos serviços (e era mister ver se os “serviços” deram um parecer tão aberrantemente cretino). Não há sequer licença para abater os autores de asneiras, secretariantes, subsecretariantes ou meramente impantes. É pena!
(ps: corre na internet uma petição contra esta estupidez).