Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 169

mcr, 15.06.11

carta a Garcia 1 E a “república velha” ainda mexe...

 

A semana pródiga em prodígios (dos quais o menor não será a de uma concentração pouco higiénica em pleno Rossio, a propósito de umas indignações importadas da estranja de que se falará se houver tempo e disposição) não terminou sem que por duas vezes se referissem os milagres da “República” afonsista e racha-sindicalistas.

 

De um lado passou o centenário da primeira eleição política republicana. Nesse momento inesquecível, houve uma senhora (uma) que se atreveu a ir votar. Às mulheres não tinha sido concedido tal direito, maugrado os protestos das primeiras sufragistas e republicanas portuguesas. Todavia, a médica Carolina Beatriz Ângelo conseguiu votar alegando que era viúva e chefe de família. Se não estou em erro, e quase certamente não estou, tal voto veio a ser, posterior e acintosamente, anulado. Será já com Salazar e com o Estado Novo que o direito de voto das mulheres é reconhecido mesmo se com fortes condicionalismos. De todo o modo, condicionado ou não, é a Salazar que se deve tal direito. Se ele o quis ou se apenas seguiu outros exemplos, interessa pouco, porquanto noutras questões não seguiu exemplo nenhum e até foi claramente contra.

 

Conviria pois, às sufragistas requentadas, saber bem isto e, quando se referirem estas coisas, terem já não digo a hombridade mas o mero cuidado de contarem tudo.

 

E já que se fala de “República” e de voto também não ficaria mal lembrar esta aborrecida verdade: durante os últimos anos da Monarquia o corpo eleitoral andava pelos oitocentos e tal mil votos. Em 1913 tal número baixou para menos de metade. E baixou porque os republicanos sabiam pertinentemente que perderiam as eleições se mantivessem o mesmo número de votantes do anterior regime.

 

Custa-me ter de referir estes factos, tanto mais que nenhum afecto me liga à monarquia seja ela qual for. Mas a História é impiedosa e os primeiros anos da República (a “República Velha” de tristíssima memória) foram anos dramáticos. Do ponto de vista sindical, foi uma infâmia: as perseguições aos trabalhadores, as prisões maciças, as deportações – as mortes!, - as ameaças, os despedimentos foram moeda corrente. Afonso Costa, que parece andar agora a ser elogiado, ficou conhecido pelo “racha-sindicalistas”. Nem vale a pena falar na “formiga branca”, nas milícias armadas do Partido Republicano, nas intentonas, na negociata, no impressionante número de presos políticos (que atingiu, se é que não ultrapassou, os 5% do número de cidadãos eleitores!...) que só decresceria depois do fim da guerra mundial para a qual foram atirados, impudente e imprudentemente, milhares de desgraçados cidadãos portugueses que não tinham os meios suficientes para pagar a não ida para as trincheiras. Convém lembrar que para a Flandres só se foi porque o regime queria “legitimar-se” junto das potências aliadas. Em contrapartida, a célebre “defesa das colónias” que sempre foi a desculpa oficial da entrada na guerra, foi altamente prejudicada no terreno. Com mais (e melhores) efectivos talvez se tivessem poupado alguns vexames como sejam as correrias alemãs de von Lettow por todo o interior norte de Moçambique ou as derrotas do sul de Angola. Mas a África era um palco secundário da guerra e os acossados republicanos portugueses queriam brilhar no teatro principal das operações. Submeteram-se, porém, à vergonha de nem sequer poderem ter uma frente própria e de necessitar de navios ingleses para transportar as tropas. Ao mesmo tempo tiveram de solicitar armas, munições e fardamentos aos ingleses para combater. E só entraram em combate depois de nova e verdadeira preparação militar dada em França por instrutores britânicos. E, na altura da vitória, não se conseguiu sequer uma reparação à altura do pesado tributo em vidas e em sequelas de ferimentos, para não falar nos gaseados, sofridos pelo Corpo Expedicionário Português. Em contrapartida, deve-se a muitos dos ex-combatentes na Flandres o forte apoio militar ao 28 de Maio.

 

Era bom e útil – e salutar – que nunca se esquecesse estas simples verdades na altura de fazer balanços do século passado. E mesmo se a Direita, ou certa Direita, anda por aí a fazer uma estúpida e refalsada apologia do Estado Novo não deve a Esquerda começar a fingir que os anos 10-26 foram bons.

Não foram. 

(este texto é o primeiro de uma série - pequena - de apontamentos que não se referindo à actualidade política imediata, não deixam contudo de ser suscitados por ela. A ver vamos se se consegue levar a carta a Garcia)

d'Oliveira fecit 15.06.11

 

 

 

 

 

 

 

9 comentários

Comentar post