Au Bonheur des Dames 287
Prova de vida
Um leitor e amigo que me apanha vezes sem conta na esplanada, á hora da segunda bica da manhã, intimou-me a escrever sobre o actual Governo. “Andaste p’r’aí a mandar vir contra o Sócrates e agora calas-te?”
E nesta dúzia de palavras, ecoava um toque acusatório. O meu interlocutor acha que estou de acordo com os novos senhores do poder.
Lamento muito, pá, mas não. Nem de acordo nem em desacordo. Estes primeiros dias são para os fulanos aterrarem na espessa realidade que os vai tentar comer vivos. Até agora, limitaram-se a dizer ao que vinham e a ouvir o silêncio estrondoso da oposição. De toda a oposição! Desde o histerismo repetitivo de Louçã, “para onde foi o dinheiro senhor Primeiro Ministro?”, como se fosse o pobre Passos a poder responder pelo outro aventureiro de má memória, até à mansidão do derrotado PS que ainda anda a tentar colar os cacos em que ficou depois de se ter entregue a um tolinho trovejante e claramente de Direita mesmo se travestido de “esquerda post-moderna” e trapalhona.
Todavia, registo com satisfação a ideia de “exigência” na Educação, o fim dos “adjuntos nas direcções distritais de segurança Social” (um punhado de boys sem competência nem funções específicas e geralmente sem passado que lhes permitisse estar onde estavam) e o facto de me parecer haver uma cuidadosa (e encenada?) atitude de descrispação no discurso governamental.
E registo, sem surpresa, com imensa mágoa, a falta de qualquer proposta interessante nas franjas de comentadores ditos de Esquerda. Andam aturdidos, não sabem a que santo se devem votar, não apresentam alternativas claras e convincentes às politicas prosseguidas na Europa, como se o mundo lhes tivesse caído em cima. E caiu mesmo. A menos que continuem a usar os Chavez, o adiado cadáver de Cuba, o mortífero guia da Coreia do Norte ou a ditadura tecno-sectária que se apelida, vá lá saber-se porquê, Partido comunista chinês.
Ah, esquecia-me dos indignados de Madrid e Barcelona, da meia dúzia de imitadores indigenas ou do degradante espectáculo grego em que uma Direita ressabiada e nunca desfascistizada (nem julgada por crimes contra o povo) se une a uma Esquerda que também nunca soube analisar as causas da derrota na guerra civil (de onde também não saíram de mãos limpas de sangue inocente).
Mas da Esquerda (desta esquerda fatigada e renunciante e sem imaginação) falaremos mais tarde que, por enquanto, a sua não presença e a sua desastrada nov-língua não permitem sequer que a levemos muito a sério.
Tenho quanto a este Governo uma expectativa baixa. O que só me vai dar alegrias, se acaso, uma que outra vez, fizerem coisa que se veja. No entanto, e fora dos “troikismos” a que estão obrigados, e que foram, queiram os meus amigos ou não, sufragados por uma fortíssima maioria de cidadãos eleitores portugueses, tudo o que vier á rede como sinal de descompressão, de responsabilização cidadã, de exigência e de rigor será bem-vindo tanto mais que esse deveria ter sido o programa da Esquerda. Não me sufoca (mesmo se me dói, e de que maneira!) a ideia de nos irem (mais uma vez...) ao bolso no subsídio de Natal. Acho apenas que a coisa deveria ter diferentes escalões mas admito que isso seria dificilmente exequível (será?). Verifiquei que, no toca aos pensionistas, apenas cerca de 20 a 25% serão penalizados pelo novo tributo. O meu IRS aumentou este ano quase 20% sem que os meus proventos, aliás magros, tenham aumentado sequer 5% (por junto recebi a paga de uma tradução mas tive mais despesas obrigatórias que agora não são deductíveis!). Não gosto mas basta-me olhar em volta e ver gente desempregada para, irritado mas conformado, achar que devo pagar mais essa parcela de solidariedade. Reclamo, apenas, que o dinheiro seja bem gasto, e isso está por se provar.
Faço parte do numeroso grupo de portugueses que andaram a dizer que as coisas não iam bem (os meus leitores recordar-se-ão que não é de ontem que o digo, mas desde 2006: é só ir aos textos antigos, aí ao lado). Combati, com as armas que tinha, o triunfalismo, o despesismo e a irresponsabilidade dominantes. Continuo a pensar que quem é pobre não tem vícios. Eu também gostaria de ir de férias para sítios exóticos (ao menos rever Moçambique!....), de mudar de carro de cinco em cinco anos, de, de, de.... Mas, primeiro, penso que tenho de pagar as minhas poucas dívidas, de manter as despesas dentro dos limites do meu rendimento disponível, de prever o futuro (mesmo que quanto a aforro estejamos conversados). Só os livros me perdem.
E tenho sobretudo a convicção de que vivo melhor do que 90% dos meus compatriotas, mesmo sem me endividar nem recorrer ao crédito para carro, casa, férias, electrodomésticos ou o que quer que seja. Eu, aos bancos, e à sua terna e insinuante publicidade, digo não. E não. E não dou para o peditório dos desgraçadinhos que não resistem à publicidade.
Andamos há demasiado tempo a exercer de súbditos, de tutelados pelo Estado. Criámos, com a nossa aquiescência (mesmo silenciosa), com a nossa sofreguidão, com a nossa inveja dos europeus ricos, um monstro gigantesco que nos governa desde antes do berço até depois da morte. Esse monstro é um fim em si próprio e gasta o melhor das suas energias em se perpetuar, sustentar e travar a iniciativa e a liberdade cidadãs.
Só uma alucinada percepção da realidade pode fazer-nos crer que isso é o Estado Social, a Europa ou o futuro resplandecente do Povo trabalhador e soberano. Não é. É antes uma herança mesquinha e prepotente do velho regime, das loucuras maximalistas, da resignação perante o Estado Novo que morreu de velhice, carcomido e cadaveroso com dois tiros contra uma parede. E é fruto do fogo de palha do PREC, da tontice rasoirante que assolou a sociedade portuguesa e deitou fora, com a água do banho, a criança que pensava estar a lavar.
Interpretámos mal, e em calão, a frase magnífica do velho hino “du passé faisons table rase”,que cito no original porque, por cá, nunca a leram bem. E menos ainda a perceberam.
É por isso que não me precipito a julgar sumariamente as criaturas governantes.
Percebeste, ó mal humorado compadre? Deixa-os poisar...
(e já agora algo que nada tem a ver com isto. Escrevi por aí que o caso DSK não me parecia tão, tão, claro como foi apresentado. Agora é o próprio Procurador do Estado de Nova Iorque que propõe a liberdade sem caução e se faz eco das dúvidas quanto á credibilidade da “vítima” uma negra africana, coitadinha, violada por soldados que afinal não a violaram, mãe de um filho que é doutra pessoa mas que ela apresentou para se escapar aos impostos, indefesa mulher que depois do ataque miserável de um homem nu ainda teve tempo de arrumar o quarto ao lado e o do crime antes de, numa arrebatada corrida se ir queixar...
E, entretanto, alguém viu sair do FMI uma criatura que incomodava e da corrida à Presidência da França um candidato ganhador em todas as frentes. Os caminhos de Deus – ou do diabo – são insondáveis!....)