Au Bonheur des Dames 288
Em demanda de um Joaquim
Joaquim, quem quer que seja!, uma senhora que eu não conheço, pede-me num comentário a um pobre texto meu, que o avise que lhe deixou um desafio cujo conteúdo desconheço. De todo o modo, Joaquim, seja V. quem for, um desafio feminino tem sempre o seu encanto. O que será o que não será?
A mim, com esta idade, já não há mulher que me desafie. Nem a rainha má da Branca de Neve me faz a caridade duvidosa de uma maçã envenenada.
Note, desconhecido Joaquim, que a maçã de que falo não é a refalsadíssima fruta da sabedoria com que Eva, a capitosa, teria baralhado o pobre Adão. Só o finado Saramago é que baralhou esta história antiga e difícil do Génesis e se pasmou com uma, para ele desconhecida outra mulher, celebrada por serpentes, símbolos da terra e dos antigos poderes femininos que antecederam, ó saudade!, o cavernícola panteão masculino, presidido por deuses que nada percebiam da Criação, das dores do parto, da subtileza feminil. Lembremos, apenas para escarmento da macharia, a triste história de Saturno a devorar os filhos, tão brutal e estupidamente que nem uma pedra escapou ao seu apetite. Ele é que não escapou àpedra e deixou o lugar para Zeus o que se transformava em cisne ou em chuva.
Mas deixemos estes difíceis temas mitológicos e continuemos a explorar essoutro assunto, o recado de uma Teresa Ribeiro (será parente minha?, se for ninguém lhe chama Tété ou Teresinha, podem estar certos, cá a Teresa é uma certeza!) que por meu intermédio (oh escárnio!, agora que já estou mais para lá do que para cá, vem uma mulher que não tenho o prazer de conhecer e encarrega-me de ir em busca de um Joaquim, que ela pensa que eu conheço, para lhe dar um recado!).
Eis-me no papel de “entremetteur” malgré moi! Será para, como diz a definição do Petit Larousse, uma intriga galante?
Ai que sorte, Joaquim, quem quer se oculte sob esse nome antigo e semítico!
Um desafio! Uma desconhecida e intrigante Teresa avisa-o que algures por aí, em algo que ela qualifica (ou nomeia?) “delito de opinião” há um repto! Para si!, Joaquim, cidadão que eu deveria conhecer mas que, por mais que force as pobres “pequenas células cinzentas”, sou incapaz de identificar.
Eis o azar dos nomes populares (e Joaquim, com Manuel, é – ou era – o mais comum dos nomes portugueses): são uma multidão, e como em todas as multidões vê-se a floresta mas não se distingue a árvore!
Ao passo que Marcelo, tirante o Caetano de aborrecida memoria, os heróis de telenovela brasileira, apenas há um punhado, quase todos ilustres e reconhecíveis, desde o Proust ao Mastroianni, desde oherói mítico da Eneida (tu, Marcellus eris!) até ao Cerdan, pugilista famoso que perdeu de amores a magnífica Piaf!
Fraca consolação, dirá, V., Joaquim desconhecido mas desafiado, impante com o misterioso repto lançado por uma igualmente misteriosa Teresa que, por força, sabe que existo, mesmo sob a trindade pobre de três letras minúsculas, mcr, todas pertencentes ao meu nome de baptismo (escrevi baptismo porque não vou na treta do acordo luso brasileiro da ortografia sem história nem mistério...), fraca consolação!
À falta de luva, guante, contra mim atirada, aproveitei o recado e, à falta de melhor, durante um fim de tarde feio e cinzento, trago esta a “carta a Garcia”, digo a Joaquim, um desconhecido requestado por outra desconhecida, comigo no meio a fazer de “go between”, destino tristonho para quem já foi, em seu tempo, desafiado e, obviamente, derrotado que contra mulheres, Joaquim, a vitória é sempre incerta, se é que vitória sequer se pode falar. Por minha parte, já o escrevi: com mulheres, só “gloriosos naufrágios”, uma pequena sub-série do meu “au bonheur des dames”, como, eventualmente , alguma leitora mais atenta me fará a mercê de recordar.
(na companhia da gata Kiki de Montparnasse que dorme o sono antigo dos gatos, deitada praticamente em cima das minhas mãos, abençoada seja!, entre as 19 e as 20 horas de um domingo sem história).
*na gravura: ilustração francesa de "O gato das botas de sete léguas", deliciosa história "infantil" bem mais interessante do que as merdices harrypotterianas com que pais acéfalos destroem a imaginação das criancinhas que pariram