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Incursões

Instância de Retemperação.

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Incompatibilidades

José Carlos Pereira, 22.07.11

Nos últimos dias a questão das incompatibilidades relacionadas com o exercício de cargos públicos voltou a estar na ordem do dia. Veio a novel associação cívica Transparência e Integridade denunciar o elevado número de deputados que, na legislatura anterior, estavam ligadas a empresas públicas ou a empresas privadas de obras públicas, assim como a grande quantidade de advogados ligados a sociedades que mantêm relações com o Estado. Também o bastonário da Ordem dos Advogados tinha defendido anteriormente que os deputados eleitos para a Assembleia da República deveriam suspender a sua actividade profissional, como forma de evitar sobreposição de interesses.

Esta matéria da transparência e das incompatibilidades merecia, de facto, ser vista com todo o cuidado e rigor, de uma vez por todas. A verdade é que, entre a muita legislação criada para o efeito, não faltam alçapões. Uns maiores e outros mais pequenos, em função do respectivo patamar de exercício do poder. Exige-se que os partidos políticos olhem para esta questão de forma global e transversal, antes de legislarem sobre o transvase de pessoas e interesses entre o público e o privado.

A título de exemplo, um amigo viu-se obrigado, há poucas semanas, a declinar um convite para chefe de gabinete de um secretário de Estado do actual Governo pelo facto de ser sócio de uma pequena empresa que presta serviços a algumas autarquias. Não quis fazer uma “alienação à medida” para ficar a salvo dessa incompatibilidade. Fez bem. Conheço, no entanto, o caso de um chefe de gabinete de outro secretário de Estado que estava em condições semelhantes, mas que deve ter recorrido à venda da sua participação empresarial a “amigos convenientes”, para poder assumir o lugar. É conforme a vontade do freguês...

A lei vai estabelecendo limites, como é sabido, mas deixa algumas situações completamente no vazio. Recorrendo ainda a casos com que me deparei na minha experiência autárquica, continua a ser possível que deputados municipais sejam fornecedores do município e concorram com as suas empresas a obras públicas promovidas pela autarquia. Ou seja, participam em decisões, aprovam orçamentos e contas e fiscalizam a actividade do executivo autárquico que decide adjudicações às suas próprias empresas. Denunciei casos destes e reclamei contra essas atitudes, mas vejo hoje que de nada valeu. Não há crime, pelo que tudo compensa.

Há ainda um longo caminho a percorrer, mas espero, sinceramente, que os ventos da troika possam conduzir à adopção de regras mais apertadas no domínio das incompatibilidades.