Au Bonheur des Dames 290
Antes de me pirar para a praia
Enfim, para a praia é um exagero. Eu, agora, que vou envelhecendo intranquilamente, faço um uso mais do que moderado da praia. Duas horas e meia pela manhã e está feito. Se houvesse ondas, iria também à tarde mas a falta das ondas desgraça-me!
Aquilo de “entrar docemente” na água mole e fria da ria galega pode soar a Dylan Thomas (ora tomem lá ó leitores que irão amanhã receber os prometidos livros, já lá vamos que eu explico tudo, agarrem-me esta que também dá prémio...) mas é horrível. A água fria vai subindo lentamente, muito lentamente, a cada passo que a maldita ria tem pé até casa do tio Guedes. E é um suplício quando atinge o paralelo 38! Volta e meia, ouve-se um berro, um uivo, uma imprecação. Nem é preciso olhar. É um pobre cavalheiro, entrado em anos e em carnes que tenta banhar a carcaça. O dia quente, o sol a prumo, a calorina estival e, de repente, o contacto da água fria e das vergonhas escondidas!
É que nem sequer dá para, numa corrida, se dar um mergulho. Há que penar uns metros de água fria (sobretudo para quem vem do calor) até poder fazer lanço e tentar não partir o pescoço com uma mergulhadela.
Bom, voltemos ao título: eu, há uma ou duas semanas, falei numas criaturas (Delfeil de Ton e Stanislau Ponte Preta) que me deram várias alegrias ao longo dos anos. Alegrias literárias, claro, mas alegrias quand-même. E desafiava os raros leitores que ainda me aturam a saber quem era tal gente. E oferecia brindes! Três leitores, aliás uma leitora e dois cavalheiros alfabetizados (coisa já rara na pátria) deram-se ao trabalho de investigar e responder. Seguiram hoje, em correio verde os brindes prometidos.
Demorei, pensarão alguns. Claro que demorei!
Para já é preciso fazer render o peixe, fazer as pessoas esperar nem que seja por umas prosas publicadas por um discreto mcr.
Depois, tudo demora neste abençoado torrãozinho de açúcar. Eu não sou Deus, o tal que fez o mundo em seis dias e descansou ao sétimo. À uma não fiz o mundo. Depois, não sei se o quereria fazer. E mesmo que quisesse poderia dar para o torto que eu não sou lá muito capaz dessas coisas (também é verdade que nunca tentei).
Depois nunca conseguiria fazer a coisa em tão pouco tempo. Ainda sou do tempo das licenciaturas de cinco anos que, as mais das vezes, eram de seis ou mais ainda. (agora é que, com o progresso e as universidades privadas, a coisa se faz num esfregar de olhos, com exames ao domingo – cala-te boca injuriadora! – e num technical ingliche de fazer corar John “chauffeur russo”, perdão Bull -e esta ó leitores literatos? Quem a apanha? -) Reivindico um patriótico atraso. Isto não é a Alemanha da Merkel, deus nos livre! Aquela gente, os teutónicos, não sabe viver. Nem comer! E embebedam-se só aos sábados (se calhar andaram a fazer o mundo).
Finalmente, antes tarde do que nunca, que é a desculpa pífia que se ouve constantemente. Marca-se uma reunião para as nove e a malta começa a aparecer meia hora depois. E pedem licença para ir tomar um café para acordar. E depois, quando a reunião começa, está-se outra hora a partir pedra e a fazer o que as pessoas não fizeram em casa.
Portanto, vou para Areas de coração sossegado. Os livros foram entregues ao cuidado de um senhor rubicundo e jovial no correio mais próximo que me jurou que o correio verde é rápido e eficaz. “Mesmo para ponta Delgada?”, perguntei a medo. “Até para aí”, retorquiu. “A menos que haja algum vulcão novo. Aquilo não é a Bananolândia do Jardim”, rematou.
Saí tranquilo e fui a Viana do Castelo buscar os últimos cento e tal exemplares de um livro que cometi há uma boa década. Vá lá, sempre se venderam cerca de 80% dos exemplares! Ainda por cima sem sequer entregarem o livro a um distribuidor!!! Mão em mão, boca a boca, pedido aqui, pedido ali, e o livrinho lá foi navegando à bolina.
Terá alegrado algum leitor depressivo? Terá alguma leitora insone conciliado o sono depois de duas páginas à luz difícil duma vela (eu adorava ter leitoras românticas com velas antigas e chá de tília e torradas. E um gato velho e fidalgo a dormir-lhe aos pés)?
Alguém me disse que fora o título (“a pedra no sapato, a pata na poça”) que o seduzira. “E o conteúdo?”, arrisquei, melancólico e incógnito. “Fixe, boa onda, meu...” foi a resposta um tanto ou quanto incongruente dado o ar normalíssimo do meu inquirido. “fixe era o Soares, porra”, apeteceu-me dizer-lhe mas preferi desandar em boa ordem antes de ouvir algo que mais me desgostasse.
De regresso de Viana, deparei-me com uma lista de coisas a levar para férias. A CG enlouqueceu mas lá a convenci que boa parte das coisas se arranjam no local. E notem que já andamos nisto há mais de dez anos. Será que as batatas espanholas são piores do que as nacionais? Ou os spaghetti?
As mulheres surpreendem-me sempre. Mas há dias em que a coisa me ultrapassa absolutamente. Mistério ainda maior do que mar sem ondas!
PS: esqueci-me desta: se eu fosse Deus, punha mar em Paris e era lá que passava a estação calmosa. A CG a molhar o pé mimoso e eu bavardando, bavardando e a encher-me de moules mariniére, de belos queijos, de patés e uns tintos temporões.
*na gravura Paris plages iniciativa inteligente da mairie de Paris.