(1) CICLO DE NEGÓCIO, crise e crise do euro
1. Falemos em empresa para designar o conjunto de actividades sociais que criam bens e serviços e, por essa forma, criam valor.
No ciclo de vida de uma empresa tem de haver, à partida, dinheiro (D). É com ele que os proprietários da empresa podem comprar máquinas e equipamento, matérias-primas e energia. É com esse dinheiro que as empresas contratam inicialmente os trabalhadores que, utilizando os equipamentos, vão criar mercadorias, isto é, os tais bens e serviços que vão ser adquiridos e utilizados por outros membros da sociedade (outras empresas e famílias, nacionais ou estrangeiras). Com o dinheiro compram-se mercadorias (M) que vão ser utilizadas num processo produtivo (...P...), seja ele qual for, para produzir outro tipo de mercadorias (M’). Vendidas estas, as empresas voltam a obter dinheiro, que lhes permite reiniciar um novo ciclo produtivo.
Sinteticamente
D – M ...P... M’ – D’
em que M’ são os bens e serviços produzidos, diferentes das máquinas, matérias-primas e força de trabalho inicialmente adquiridos (M). Diferentes nas suas características e no seu valor (D’ é maior que D), sendo a diferença o lucro.
2. Falemos agora da sociedade, da sociedade transformada pela Revolução Industrial, na qual continuamos a viver (dramaticamente redescoberta por alguns na presente crise) embora, obviamente, com um conjunto de especificidades (tecnológicas, informativas, éticas, ambientais; com outros espaços sociais de realização e outros tempos de realização). Historicamente o dinheiro (mais genericamente a moeda) é posterior à produção de bens e serviços, mesmo posterior a aquelas serem produzidas para outrem, serem mercadorias: (M – D).
É a produção que permite criar valor novo, rendimento. É este que permite aumentar a quantidade de bens e serviços durante um dado período, acumulando-se sob a forma de riqueza (individual e colectiva): ...P... é o ponto de partida da dinâmica social.
Por outras palavras, a dinâmica das empresas (e poderíamos dizer outro tanto das famílias) e da sociedade são diferentes, podendo funcionar em harmonia (complementaridade) ou conflito (oposição das respectivas dinâmicas).
3. As empresas precisam de dinheiro hoje para obterem maior quantidade de dinheiro amanhã. Se hoje obtiverem mais dinheiro amanhã também terão ainda mais. É individual e socialmente (aqui há harmonia) vantajoso antecipar ciclos de negócios. Para tal há que aumentar a importância do capital alheio (emprestado) em relação ao capital próprio (sendo também vantajoso aumentar este, sobretudo se não puser em causa a propriedade da empresa).
Estas funções foram preenchidas através de duas instituições.
Em primeiro lugar pelos bancos, eles próprios anteriores à Revolução Industrial, há muito especializados em conceder crédito e obter uma remuneração adicional por essa actividade. A sua função específica é transferir dinheiro de quem o tem disponível para quem necessita dele. A sua importância aumenta quando se vão apercebendo que não precisam de ter no cofre todo o dinheiro que foi neles depositado e passa a haver um sistema de compensação nos pagamentos entre os bancos.
Em segundo lugar pelas bolsas de valores, que surgiram mais tarde, inicialmente destinadas a compra e venda de acções (forma das empresas aumentarem o capital próprio) e obrigações (forma de obterem capital alheio). Durante muitos e muitos anos esta era a actividade principal das bolsas de valores: permitirem às empresas aumentar a actividade produtiva antecipando dinheiro. Quem emprestava comprava obrigações, e pretendia receber periodicamente um juro; quem participava com o seu dinheiro no capital da empresa comprava acções e pretendia obter uma parte dos seus lucros, receber dividendos.
É certo que sempre foi possível “jogar na bolsa”: comprar acções hoje para vender amanhã, fazer o mesmo com as obrigações. Se tudo lhes correr bem obtêm um rendimento adicional. Essas aplicações financeiras são, para ele, capital. Mas essas sucessivas compras e vendas nada têm a ver com o processo produtivo, porque o financiamento das empresas já foi anteriormente feito: do ponto de vista social esse “capital” não cria nova riqueza, é fictício. Utilizando a terminologia anterior referida, aqui há conflito entre o individual e o social.
As bolsas de valores permitem capital fictício, mas a sua importância foi, até os anos 80 do século passado, reduzida. Também os bancos permitem o crédito ao consumo, embora socialmente a sua função principal seja a o crédito à produção.
4. E tudo funciona bem enquanto os negócios vão bem, o que não acontece quando se aproxima uma crise, quando esta se manifesta.
Veremos oportunamente como é que tudo acontece e como os acontecimentos evoluíram desde meados do século XIX até aos dias de hoje.
Será matéria da próxima conversa.