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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 172

mcr, 24.08.11

O Verão, sempre ele

 

Pois é, queridas paroquianas, o Verão chama para o mar, para o dolce far niente, que é uma boa perífrase da mais cruel realidade da preguiça, para as notícias de contrabando, enfim, para tudo quanto cabe na noção de silly season.

 

Claro que a “estação calmosa” é também o momento oportuno para o Governo, todos os governos, indígenas e estrangeiros, nos ferrar com um par de bandarilhas. Enquanto a maralha está na praia a ver passar as/os atletas do bronze, os cavalheiros lá de cima arregaçam as mangas e sangram-nos mais uns tostões.

 

Não é de hoje, nem de ontem e, desta vez, estávamos avisados. Não que o aviso minore a dor ou sirva de desculpa mas estávamos avisados. Aliás, este Governo não tem feito outra coisa senão avisar a malta que o cacau faz falta.

 

Portanto, desse lado, nem novas nem mandados: cá, ou no resto do mundo, as coisas não vão de feição (ou melhor vão razoáveis para os chineses e outros BRIC mas basta deixá-los pousar: quando começarem a pagar salários decentes e toda a gente quiser o. até agora para eles, impensável cá estaremos – se vivermos – na primeira fila a assistir.)

 

Não pensem que estou a apelar à REVOLUÇÃO ão, ão porque não estou. Eu, mais modestamente, lembro verdades antigas e evidentes quais sejam a de que ninguém consegue viver acima dos seus meios indefinidamente. Mas isso, sendo muito um apelo a uma outra maneira de viver, cai seguramente em saco roto. Não importa, eu venho dos anos sessenta – mas sem faca nos dentes nem Stalin, Mao ou Lenin como viático – e mesmo a alguns passos da cova, continuo convencido que o capitalismo selvagem é amamentado pelo consumismo sem freio, pela falta de (est)ética pela incapacidade de conceber a sociedade de cidadãos (e não de súbditos) bem como pelos ópios intelectuais quer os que pariram o século XX quer os anteriores  que já Voltaire acusava. O socialismo burocrático com os seus epigonais profetas que imitam (quando não superam) os das igrejas estabelecidas não apresentou propostas libertadoras. O facilitismo actual é filho dessa tropa fandanga que atormenta os espíritos e perturba a liberdade dos que ainda querem pensar o mundo.

 

Portanto não vou sequer rever o Papa em Madrid porque ele não disse sequer mais meia linha do que estava dito. Nem a festa multitudinária esconde a falta de projecto para os anos que se anunciam.

 

Também não me apetece explorar os gatunos de Londres e arredores: aquilo não é só (nem sequer principalmente) produto da pobreza, do racismo, da exclusão. Aquilo é o espelho em que se podem mirar todos quantos paternalisticamente se têm debruçado sobre estas sociedades feitas de nada e de coisa nenhuma. Aqueles bandos não têm moral porque até ontem os deixaram não a ter. De repente, a polícia e o estado descobrem que é preciso mão dura quando durante anos, assobiavam para o lado por que aquilo se continha dentro de limites, digamos, razoáveis.

 

Também não me apetece falar do frio, calmo e sanguinário norueguês que veio apenas provar que a extrema direita dorme no mais pacífico dos ovos mas que, a todo o momento, como os vulcões, acorda e causa estragos. E já agora, que se está com a mão na massa, talvez seja interessante, começar a falar a sério nessa extraordinária invenção ou moda que é o multiculturalismo.

 

Multiculturalismo, a secas, é apenas ignorância. Importação acéfala e acrítica de restos de culturas não compreendidas de que aliás os seus portadores fogem. Na ânsia de se fazerem perdoar pelo euro-centrismo, pelo colonialismo e pela exploração de outros mundos e povos, alguns basbaques europeus olham comovidos e em estado de gozoso deleite para a “máscara” de um par de costumes que urge proibir. A saber, a desigualdade das mulheres, e todos os seus efeitos, da burka à ablação do clítoris, a ideia da religião ser totalizante e totalitária, com o seu cortejo de sharias e lapidações, os vudus e todas as crendices que suprem a pobre e utilitária religião de cada dia nos dai hoje.

 

E sobretudo conviria indagar se o nosso “multiculturalismo”, tão politica como imbecilmente correcto, é aceite nos outros sítios do vasto mundo. Ou apenas se deve usar no mundo ocidental? Isto, senhoras e cavalheiros, é racismo tonto e incultura geral. Demorámos demasiados anos, demasiadas gerações a criar um mundo tolerante mas respeitoso da lei, da liberdade, da igualdade e da democracia. Aceitar o outro não é aceitar tudo o que ele traz sobretudo se isso implica abrir excepções aquilo que livremente entendemos dever caracterizar as nossas sociedades. A não ser assim, só estamos a criar os breiviks de outros e reaccionários descontentamentos.

 

E daqui passamos às boas novas da frente líbia. Pelos vistos, é desta que Kadafi se vai. Ou melhor, esperemos que não vá. Que seja julgado pela sua gente, pelos que ele governou despoticamente durante quarenta dramáticos anos. Seia fácil deixá-lo partir para a delirante Venezuela de Chavez ou para a desastrosa Nicarágua que deixa morrer gente à fome mas persiste em estender a mão a tiranos e ao auxílio do mundo dito rico. Os manda-chuvas destas duas singulares e desgraçadas nações já se ofereceram para acolher o homem que matou centenas de pessoas em Lockerbie.

 

E não deixemos de fora a síria, onde semanalmente se vão acrescentando umas dezenas de vítimas mortais ao rol já impressionante de assassinados por Assad.

 

O mundo árabe fervilha, pouco me importa se no meio há ou não islamistas –morrem e combatem como os outros – por alguma liberdade e outro tanto de democracia. Eppure si muove! Ainda bem. Ainda bem mesmo se isso ao modificar os dados da produção e venda do petróleo nos vier mexer na alma, quero dizer, no bolso. Já era tempo!

 

Com tanta parlapatice, esqueci-me do magno problema dos árbitros e do Sporting. Arranjem um apitador que finalmente permita que o raio do clube marque –seja de que maneira for! -  uns golos. Ou aumentem as balizas dos adversários para o dobro! E diminuam o número de jogadores da equipa contraria em duas ou mesmo três unidades. A ver se os “verdes” ganham, que diabo!

 

*a gravura de mau gosto representa o modo pouco civilizado de estar no mundo de d'Oliveira que não se importa de coisificar a mulher apenas para ilustrar os seus baixos instintos e o seu conservadorismo filisteu

d'Oliveira fecit 24-08.11