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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 174

mcr, 09.01.12

Retrógrado é ele!

 

 

 

Ouvi com alguma estupefacção o doutor António Reis, ex-grão Mestre  do Grande Oriente Lusitano  (GOL) falar sobre a Maçonaria e sobre a eventual inconstitucionalidade da obrigatoriedade legal dos membros das obediências maçónicas declararem a sua qualidade no caso de serem chamados a actividades politicas relevantes  (deputados, membros o governo) ou outras de especial sensibilidade (magistrados por exemplo).

 

Não basta, como alega o estimável ex-político (e não consta que ao tempo se conhecesse a sua pertença à Maçonaria), arguir com a alta integridade dos membros maçons. E não basta, porquanto, como ele certamente (dado ser historiador e professor universitário) sabe, isso nem sempre ocorreu nem a Maçonaria está historicamente absolvida do pecado da sofreguidão pelo poder (e o mesmo ocorre com outras organizações “não profanas”, incluindo-se aí algumas de carácter religioso dentro da esfera da Igreja Católica. Relembre-se a contínua suspeição sobre a “Obra”, o Opus Dei).

 

Também não parece grande argumento a teoria de que a Maçonaria foi sempre perseguida em Portugal (desde os tempos de D Maria, via Intendente Pina Manique) pois não é bem assim. Houver perseguições mas houve muito mais momentos de vida pacífica. O doutor António Reis relembra a obra da Maçonaria ao serviço do povo português  citando a propósito as revoluções Liberal e Republicana. Convirá o eminente universitário que a maioria do povo “liberal” bem como a dos seus eventuais sucessores republicanos não era maçónica. Que havia muitos chefes, provavelmente os mais influentes, de obediência maçónica é um facto. Que na maioria da “Reacção” houvesse um profundo temor e não menor ódio aos “pedreiros livres” não espantará ninguém que conheça minimamente a história pátria. E não me parece especialmente aguda a ideia da Maçonaria ser uma lutadora nata pela liberdade quando, como se sabe, a “resistência” nacional aos franceses teve na Maçonaria uma grande ausente (mesmo se em alguns momentos algum maçon tresmalhado se tivesse unido à populaça que ataca sem descanso os franceses).

 

E na referência à Maçonaria aquando da revolução republicana, havia que pensar que a Carbonária estava bem longe, ideológica, estratégica e politicamente, do GOL. Mesmo se, como parece, Machado Santos “o herói da rotunda”, fizesse o pleno das duas “obediências”. E não seria o único.

 

Quanto à resistência ao Estado Novo, António Reis deveria lembrar-se que não foi a Maçonaria (entretanto proibida e silenciada pelo Poder) o principal, o mais heróico foco de contestação do regime. E fiquemo-nos por aí não vá termos de lembrar que Carmona era maçon bem como Bissaia Barreto, para não falar de muitos outros cavalheiros em odor de santidade salazarista.

 

António Reis prosseguiu a sua exposição em defesa da sua dama tentando fazer passar a ideia de que a Maçonaria é um escol e que nela apenas entram os melhores. Digamos, pudicamente, que há nisso mais exagero que verdade. Não que não seja esse o objectivo mas as elites actuais ( e mesmo outras mais longínquas no tempo) não parecem especialmente atraídas pelo rito, pela iniciação pelo carácter secreto ou para-secreto de uma organização que hoje em dia não tem mais razões para se esconder do que uma associação columbófila.

 

Pessoalmente, uma que outra vez, fui alvo de delicadas e discretíssimas sondagens, feias por amigos que estimo e respeito, mas com alguma dificuldade lá fui murmurando que aquilo era areia demasiada para a minha camioneta, que detestava rituais fossem eles quais fossem, que adorava ser “profano” (e ateu) e que a cenografia e as fatiotas em uso nos momentos solenes me faziam (com tristeza e vergonha o confesso) rir quando não me enfastiavam pelo ridículo. Usei vagamente uma farda da Mocidade Portuguesa, não tive o privilégio de pertencer à Cruzada Eucarística (que tinha uma faixa tão bonita!...) e a capa e batina foi usada durante um irreflectido primeiro ano de faculdade. Não pus grelo nem fitas, fugi do “livro de curso” um pouco pelo carácter de clube privado que a coisa tinha.

 

Quando a Revolução veio, não me travesti de proletário, como já antes não usara camisas da Nazaré ou camisolões da Póvoa para me dar ares de progressista.

 

Tenho uma barbicha que herdei dos tempos de teatro estudantil e que usei sempre e me serviu para entrar no Tribunal sem me chatearem. Todavia, mesmo aí, só a mantive porque barbudo e tudo fui uma vez interpelado por um senhor agente da PSP que solicitamente me perguntou "o menino onde é que vai?” Ia defender um cadastrado menor e nem a toga convencia o diabo do homem!

 

 Reis, perdão o doutor António Reis, avançou com um argumento, aliás dois, para defender a não obrigação dos políticos registarem como “interesse” a pertença à Maçonaria. À uma entende que uma lei nesse sentido seria inconstitucional, coisa que mesmo vinda de um “profano” da área jurídica me parece atrevida. Depois alegou que o conhecimento da qualidade de maçon poderia ocasionar para o próprio variados e temíveis ataques de gente retrógrada. Isto num país onde nem já a orientação sexual constitui escândalo parece-me, o senhor Doutor desculpará, um argumento cediço, retrógrado e que evidencia uma perturbante desconfiança quanto ao país onde o estimável historiador exerceu de Deputado, Secretário de Estado e onde durante os muitos anos em que foi Grão Mestre do GOL conhecido e reconhecido publicamente ao que parece ninguém na rua o insultou, perseguiu, sequer fixou com especial impertinência. Francamente... 

 

Pessoalmente, entendo que a declaração teria algum interesse e favoreceria a Democracia. Por um lado se, de facto, os alegados noventa Deputados da AR são todos maçons (40% !!!), isso significa que qualquer pessoa entende um tanto ou quanto incongruente que uma pequena organização que seguramente não representa, directa ou indirectamente, sequer 0,1% dos portugueses tenha no Parlamento uma tão avultada presença. Mesmo sendo “uma elite” coisa que, aliás, necessita de prova clara e irrefutável.

 

Por outro, queira ou não o doutor Reis, mesmo sem meter gente retrógrada ao barulho subsiste sempre a desconfiança de que os maçons se entre-ajudam.  Isso ocorreu no passado, é, alem do mais, natural, e os últimos desenvolvimentos do caso intra-muros não vão em sentido contrário. Tanto que até já corre (mais um!) processo de inquérito na dependência do PGR.

 

Os documentos vindos á luz do dia, provenientes de uma loja Mozart 49, coitado do Wolfgang Amadeus que mesmo maçon foi enterrado clandestinamente..., são suficientemente desagradáveis para pedir a um ex- Grão Mestre de uma “obediência” rival, maior circunspecção e mais jogo de cintura. A ideia de uma sociedade secreta é, por definição, detestável, numa Democracia aberta.

 

Nada, nem ninguém, que eu saiba, quer meter os “pedreiros livres” no calabouço, nas galés, ou sequer no quarto escuro. Porque razão algum ou alguns deles tem em tão alto grau um exacerbado sentimento de pudor quanto á sua condição de folclórico representante de uma assembleia de notáveis que se presumem o escol. Se é escol então aqueles 90 cavalheiros da AR são, na sua esmagadora maioria, um erro de casting. 

 

d'Oliveira fecit 9.I.2012

 

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