Estes dias que passam 268
O ridículo não mata!
Não mata e muito menos esfola.
Ora vejamos. Uma senhora ex-deputada e actual responsável de um hospital (seguramente por ser muito competente no ramo, claro, que a sua nomeação não decorre da cor política que isso, o favorecimento de amigalhaços, não tem direito de cidade neste torrãozinho de açúcar....) entendeu dever nomear o marido para um lugar de auditor da mesmíssima instituição que ela abnegadamente gere.
Suponhamos que o amorável cônjuge é competente; que é da carreira; que é a pessoa mais adequada para o cargo. Tudo boas e sólidas razões para ocupar o lugar. Ou para se candidatar. Todavia, à mulher de César, não se exige apenas que seja séria. É preciso parecê-lo. O mesmo, se aplica à mulher, mesmo abnegada, diligente e competente, de um auditor.
É que as coisas sendo o que são, podem sempre parecer que são mais do que deveriam ser. E a senhora drª (se é que o é) Ana Manso deveria saber que a sua indicação seria sempre escrutinada pelo público. Sobretudo se tem uma carreira política e se esta se fundou na inteligência e não apenas no compadrio. Nomear o esposo amantíssimo mais do que um erro é uma burrice. Das de bradar aos céus, se é que os céus ainda não estão definitivamente surdos.
Depois do escândalo, eis que a diligente, competente e inteligente senhora vem emendar a mão.
Demitiu-se?
Pôs o lugar à disposição?
Apelou à consciência dos seus conterrâneos arguindo a sua boa fé, a sua fortíssima razão, o bem fundado da decisão?
Nada disso, ó minha multidão incomparável de babados leitores! Nada disso!
Demitiu o marido!
Uma criatura, como esta que traça apressada estas linhas, fica estupefacta! Isto parece o jogo do chinquilho. Do chinquilho com X que é ainda mais difícil! O problema é que o diabo do dicionário não aceita esta versão optimizada do referido jogo.
Deixemos este penoso exercício e passemos a essa jóia do anterior governo (o tal que foi maravilhoso e competente a tal ponto que para o chefiar não se arranjou nada menos do que um portento guerreiro gravemente chamado Sócrates (sem cicuta que estamos em Portugal e não nessa admirável Grécia clássica, mãe da nossa (in)cultura)): a empresa Parque Escolar. Tal empresa saudada com fanfarra e cavalhadas prometia mudar as escolas públicas. Salvá-las do aviltamento lúgubre em que estavam. Do estado de ruína eminente em que algumas se viam.
O bom senso aconselharia que em primeiro lugar se acorresse às situações mais graves e que, concomitantemente, tivessem mais utentes. Não consta que tivesse sido essa a prioridade mas aceita-se que outros critérios fossem invocados.
Só quem tem falta de memoria é que esquece o foguetório com que as obras foram sendo acompanhadas. A salvação do mundo, de Portugal ou apenas das criancinhas em idade escolar, foi trombeteada. Suas Excelências os Ministros, os Secretários de Estado, os Sub-secretários, os bonzos do eduquês, e a restante trupe de iluminados encheram a boca (e encheram-nos o saco) com este milagre das rosas.
Agora, insuspeitas averiguações exteriores vêm informar o público que com menos de metade das escolas necessitadas se esvaziaram os cofres. Que os dinheiros (mais de três mil milhões!, porra!) foram aplicados à matroca. Que em certos (senão em todos) os casos houve uma derrapagem de mais de 400%. Ou seja gastou-se, obra por obra, mais de quatro vezes do que estava previsto. Isto mesmo foi avançado pelo Ministro da Educação. A empresa pela voz dos seus dedicados dirigentes veio dizer que não era bem assim. Que a derrapagem era menor. Ponha-se 300%. Ou 350%. Um cidadão fica abismado. Estarrecido. Indignado. Pensa seriamente em comprar um pistolão, um trabuco, uma faca de sangrar porcos. Ou, no mínimo, uma vara de marmeleiro...
Entretanto diversas instituições chamadas a intervir e a auditar trazem ao conhecimento popular todo um rosário de factos e de números aberrantes que pedem, que uivam, por justiça. Cadeia com esta gentinha.
Num salto acrobático, os cavalheiros da Parque Escolar começaram por se sentir difamados. Agora, demitiram-se em bloco. Parece que alguém lhes explicou que a convocação ministerial para uma reunião tinha por efeito demiti-los sem apelo nem agravo. Os espertalhaços resolveram fintar o Ministro. E sair pela direita baixa, de mansinho. Todavia, as coisas correram mal. Agora já corre que a as autoridades judiciais se meteram ao barulho. É que, temos de convir, gastar mais do que havia com menos de metade das escolas previstas parece milagre. De Belzebu, claro, ou, pelo menos da santinha da Ladeira que está pouco habituada à construção civil. Sucedem-se, nas escolas, nos meios de comunicação nos sindicatos (até na FENPROF) os depoimentos sobre a absoluta arbitrariedade com que o processo correu. Entretanto alguns deputados do PS entenderam puxar as orelhas ao inseguro Secretario Geral da agremiação por não defender consistentemente a obra do anterior executivo. Por uma vez, Seguro, andou prudente. Ele lá sabia o que por aí vinha. E o que ainda está para vir. Das obras feitas já se conhecem pormenores. Uns caricatos, outros incríveis, todos alegadamente ruinosos.
A procissão ainda vai no adro mas de todos os lados começam a ouvir-se vozes. Desde a gente do Liceu Camões, que está a cair, até à das renovadas e flamantes escolas que apontam desperdícios inusitados, incoerências gritantes e erros clamorosos. E gastos incomportáveis com as novas e extraordinárias beneficiações que se executaram. A escola A queixa-se de não ter dinheiro para o ar condicionado. A B acha desnecessário os estores eléctricos. E por aí fora...
156 escolas a precisar de obras viram-nas suspendidas. Outras tantas que eventualmente, mas mais tarde, precisariam de intervenção já sabem o que as espera. Mas o bom nome destes cavalheiros da Parque Escolar, de quem os nomeou, de quem não exerceu uma tutela prudente, deve ser salvaguardado. Ou pelo menos é isso que parece ser afirmado por alguns saudosos do novo sebastianismo, perdão socratismo.
Num pais que deixou de estar á beira do abismo para nele mergulhar profundamente, este desperdício de dinheiros públicos cheira a esturro, a incompetência criminosa, a incapacidade total e a estupidez demencial. Há gente que brinca com o dinheiro que não há, que não havia e que dificilmente virá nos tempos mais próximos. Há obras faraónicas feitas e, pelos vistos a ter de se refazer. A terem de ser emendadas. Com mais dinheiro (que não há!).
Eu também ia referir o homenzinho da Madeira que agora anda a apregoar à saída das missas as suas alegadas razões contra Lisboa e contra os Açores. Ia, mas não vou. Jardim está definitivamente fora de prazo. O facto dele não saber isso não o desculpa mas começa a ser desagradável falar da criatura sem tapar o nariz.
E ia referir um obscuro recebimento de portagens duplas numa obscura ponte que sendo nossa é governada por uma meia dúzia de benfeitores públicos. Parece que as leis, sempre elas, protegem uma qualquer sociedade salvadora da pátria que se enche o bolso enquanto as nossas algibeiras já emagreceram até ao osso. Que isso tenha acontecido e que tudo, à superfície pareça sereno, não é milagre. Antes do tsunami, diz-se, a calma parece ainda maior e a serenidade absoluta. Depois, num repelão medonho, o mundo desaba em cima dos do costume. E rebenta com tudo.
“Quem quiser ouvir que oiça” e quem quiser entender que entenda.
*a gravura: “A grande onda”, Hokusai, pintor japonês – sec. XVIII-XIX – um dos grandes mestres do “Ukyio-e” ou “retratos do mundo flutuante”.

