estes dias que passam 290
Que seja para bem dos heróis do mar e do nobre povo!
Anteontem, na A8, uma dessas autoestradas que registam um deficit assustador de veículos e de utentes, logo à entrada do troço gratuito da zona das Caldas, fui mandado parar por um amável agente da GNR que me encaminhou para um grupo de colegas e de outros condutores que ali estavam por razões idênticas às minhas: excesso de velocidade e pagamento da respectiva coima.
Um radar, desses amadores e ambulantes, provava à evidência uma velocidade que o pudor e a modéstia (ambos proverbiais em mim) me impedem de referir. Em termos monetários a coisa cifrou-se em mais de um cento de euros que paguei, não vou dizer gozosamente, sem pestanejar e educadamente.
Conversando com os outros involuntários contribuintes para o erário público, e depois de prestada uma informação por um dos agentes da GNR, fiquei a saber que já ali tinham entregue o seu óbolo (forçado pelo que não dá direito a nenhuma celestial bem-aventurança) cerca de um quarteirão de cidadãos. “Isto hoje está bom!”, comentou-me um praça da GNR. "O dia está bonito e os automobilistas carregam-lhe forte e feio. E como este troço é de borla, tem muita procura.”
Fiquei esclarecido. E depois de pagar o cacauzinho da ordem, vim durante o restante percurso até Lisboa, pensando em como o Governo do dr. Coelho (tirado da chapéu de quem sabem) ainda não percebeu a arma formidável que tem nas mãos.
Explico: o engenheiro Guterres, primeiro, e o quase engenheiro Sócrates depois (sem falar do anémico governo intercalar da dupla Barroso (o fujão) e Santana (o trapalhão) inçaram a pátria imortal de auto-estradas. (Hoje mesmo abriu uma outra: a que liga o Barreiro à Caparica, dois centros populacionais e industriais de altíssimo valor!)
Espíritos mal formados, bolchevistas ou, pelo menos, pedreiros-livres (vá lá, livre-pensadores...), dão ao demo tanto betão, tanto mal gasto tostão, tanta tesão automobilística. Estão enganados e bom seria que o interessante governo que nos caiu na rifa pensasse nas hipóteses que estas auto-estradas oferecem.
Suponhamos que em todas elas, excepção feita à A1, ou mesmo nessa, se estabeleciam uns troços gratuitos. É provável que, na mira de fugir ao cafarnaúm das estradas nacionais, muitos condutores se precipitassem para essa borla. Se é assim, e o agente da GNR parecia disso convencido, de certeza que muitos mais condutores cairiam na tentação de pisar forte o pedal.
Bastaria, para o efeito, estabelecer as entradas para essa abébia um par de quilómetros antes desses troços gratuitos. A malta entusiasmada e apressada para fugir do inferno das estradas congestionadas dava-lhe na quilometragem e depois era só colher oa relapsos no funil depois das portagens (no caso desportagens).
Quero crer que em poucos meses e usando de malícia e prudência suficientes se colheriam milhares de incautos. Claro que não se poderia usar o radar todos os dias. Ponhamos duas vezes por semana, sempre em dias diferentes, claro, e em paragens diferentes. Pelo menos arranjava-se mais dinheirto do que a miséria das portagens habituais. E dava-se treino à GNR que bem precisa.
E os clientes, perdão, os cidadãos delinquentes e imprudentes? Pois esses na vertigem da pressa, na voragem da velocidade, que remédio têm senão pagar? E mais: pagar com a sensação amarga que pecaram, que foram arrogantes, que se julgaram acima da lei.
Aliás, sempre pensei que é um contra-senso haver carros cada vez mais potentes, mais seguros, mais velozes e auto-estradas de excelente piso se a velocidade permitida é a miséria de 120 quilómetros!
Estas auto-estradas de país rico, estes automóveis quase sempre alemães (ó palavra maldita!), a pressa da vida moderna, o stress das estradas gratuitas, tudo, mas mesmo tudo, está ali à mão a pedir transgressão.
Tornemos a transgressão automobilística numa fonte de rendimentos para o Tesouro depauperado. Façamos de conta que isto é como o tabaco. O cigarrinho aumenta todos os anos e os os fumadores aguentam.
Já agora, eu até proporia de que se descriminalizasse de todo o tráfico de estupfacientes e se carregasse forte e feio a heroína, o craque e a erva, vendida já com selo governamental e de garantia do produto. Em tempo de doença há que recorrer a todas as mezinhas.
De qualquer modo, a gente morre. Que mal faz morrer num despiste aparatoso ou por overdose? Ao menos que se taxe antes o uso da velocidade e a passa transgressora, a injecção assassina, o charro pecador!
Com outra vantagem adicional. Morrendo mais e mais cedo, evita-se o pagamento de pensões, de subsídios de desemprtego (e diminui-se o desemprego!), a economia paralela.
Sei que muitos leitores poderão ficar chocados. Louvo-me, porém, num exemplo de grande autoridade: Jonathan Swift, o criador das “Viajens de Gulliver”, doutor em teologia e deão da catedral de S Patrício de Dublin.
Pertence a este pilar da Igreja e da “luta colérica pela liberdade” o famosíssimo panfleto “Uma modesta proposta para prevenir que na Irlanda as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais e para o país e para as tornar benéficas para a República” escrito em 1729. Nele se propõe a criação dos filhos dos pobres para fins alimentares. Quem quiser saber como, pode ir a w.w.w. gazetadenovo com/index onde se pode ler na totalidade este admirável texto satírico.
na gravura Jonathan Swift