estes dias que passam 282
Nada de novo na frente ocidental
Descansem os leitores: este título não é meu. Pedi-o emprestado a Erich Maria Remarque, notabilíssimo escritor alemão e honrado opositor do nazismo. ERM escreveu-o em fins da primeira grande guerra e o livro tornou-se um dos grandes manifestos do pacifismo contemporâneo.
Todavia a frente a que modestamente me refiro é esta, a nossa, a da Laura e do Pedro e restante gentinha que deve pensar que a democracia é dizer duas patetices no facebook.
Pateta e patético e estou a ser generoso.
O cavalheiro que supostamente faz de Primeiro Ministro ainda não percebeu que a democracia não andar por aí a fingir-se povo e "pipolar". O povo, benza-o Deus, não quer uma criatura igual a ele mas alguém que mande com bom senso, que invente com alegria, que diga o que tem a dizer com dignidade. Alguém com bom gosto, virtude que manifestamente falta ao senhor Passos Coelho. E a mais um par de políticos começando pelo senhor Seguro e continuando pelos restantes chefes partidários que são farinha do mesmo saco. Talvez menos patéticos mas igualmente desprovidos de visão, de sentido de Estado, de desejo de servir e de compreensão pelo que todos nós, paisanos, passamos.
Quando, por distracção e infelicidade, caio no canal do parlamento, penso em Eça de Queiroz e na sua farpa sobre o tema. Hoje a coisa é menos sarrafeira mas infinitamente mais ordinária. Envergonha-me ver as tristes figuras daquela gente a quem num momento de desvario culposo entregámos a nossa representação. "Aparent rari nantes in gurgite vasto…"
O ano que começa, começou, aliás, não augura nada de bom. À uma, a senhora Merkel para quem paradoxalmente uma boa maioria dos portugueses se vira, ora numa acusação, ora numa queixa mas sempre com um pedido, ainda está longe e ir a votos. Longe, mas sem cuidados. Ao que vou vendo e lendo, está segura de uma vitória confortável e nem o facto do Partido Liberal poder ir para as catacumbas parece incomodá-la.
Anda por aí uma rapaziada que, tomando os seus desejos por realidades, aventa a hipótese de um governo de grande coligação na Alemanha coisa em que nem os social-democratas mais optimistas parecem acreditar. Portanto, quanto a uma mudança significativa e salvadora da Alemanha nem novas nem mandados.
Depois, tirando o arruído do costume, as coisas por cá estão na mesma, isto é pior. Mesmo com o envio do Orçamento para o Constitucional. Por junto, o Presidente tirou o tapete à Oposição que jurava fazer o mesmo enquanto absurdamente cominava Cavaco a fazê-lo ele próprio. Foi vê-los, ontem, a palavrear sobre o gesto presidencial. Embaçados, apáticos, queixo caído. De interesse só as reacções do partido de Coelho & similares. Era vê-los a rabiar sem poderem atacar de frente o Presidente, tentando uma pega de cernelha para a qual lhes faltava coragem.
E o povo, "o bom povo português" no meio disto tudo? Pois o povo, ou o povo que a televisão e os jornais mostravam, divertia-se a ver o fogo de artifício (perdão: em Ponta Delgada a tv mostrou um baile de gala ou, pelo menos, aquilo que, naquelas risonhas paragens, passa por o ser: senhoras de vestido comprido -ou muito curto!- e cavalheiros a rigor. Parecia que tínhamos regressado aos anos 50 do século passado, os tais anos que o dr Soares agora descreve como risonhos face à nossa pífia realidade) e a dizer o de sempre, votos de muita felicidade, saúde, alegria, um dia não são dias, enfim a lenga-lenga do costume a originalidade possível de quem não é dado a originalidades.
E a política alternativa? Bom, essa está de férias de Natal ou então entrou antecipadamente no período quaresmal. Depois de não terem dito nada durante um inteiro dia de congresso, eis que começam as baixas mesmo entre os fundadores da iniciativa. Como se previa, e no prazo que se esperava. Pouco a pouco vai-se vendo quem fica e quem fica é obviamente o grupo político e os escassos "compagnons de route" que arregimentou.
E lá fora? Pois lá fora, nas Franças e Araganças, aconteceu o que tinha de acontecer. Expatriaram-se alguns ricos que acharam que pagar 75% de impostos sobre os rendimentos acima do milhão de euros era um confisco. O que me espanta, para além, do pouco alcance da medida (quinhentos a mil milhões de euros) é a indignação que varreu umas quantas criaturas que apontaram a dedo Gerard Depardieu. E, sobretudo, ninguém ter previsto que uma medida daquelas não passaria no Conselho Constitucional. O senhor Hollande perdeu uma bela ocasião e o chumbo da sua medida fracturante não melhorou o seu escasso índice de popularidade. Ah "les lendemains qui dechantent…"
Em Itália,o patusco Berlusconi deita abaixo o governo Monti (por quem tantas lusitanas figuras suspiram) e vê censurado o seu gesto. Vá lá que, menos mal, está noivo de uma rapariga "boa de ver e melhor de apalpar" cinquenta anos mais nova mas apaixonadíssima por ele, está bem de ver! E à espera, eventualmente de um divórcio tão interessante como o da ex Berlusconi que doravante irá receber 100.000 euros dia.
Entretanto, com a direita dividida e eleições à porta, a esquerda italiana corre o risco de ganhar. Esperemos que seja mais imaginativa do que a nossa, porque, por cá as receitas ou não existem (e não) ou prometem-nos uma albanização traduzida em calão. O que, como futuro, não parece risonho a menos que ainda por aí subsistam alguns fieis do suicidado regime soviético para os quais o universo fechado e concentracionário continha uma promessa que, durante setenta anos, se traduziu num quase igual número de presos de consciência. Claro que ainda temos ao nosso alcance as gloriosas vias chinesa, cubana ou norte coreana. É o que se chama escolha democrática.
E, a propósito de democracia, relembremos com a devida vénia "a mais populosa democracia do mundo. Ou seja a União Indiana, onde apesar das castas e do seu mais que iníquo regime, das querelas inter-religiosas, há também, o que é um must, o hábito de violar mulheres indefesas (uma a cada dois minutos) de preferência em grupo. Chamar a isto democracia sabe a escárnio de mau gosto.
Esta não é uma crónica para princípios de ano mas que querem? É sobre o ar do tempo. E é o que o ar do tempo permite (ou impõe).
*na gravura: máscara kanaga (etnia Dogon, Mali)