estes dias que passam 284
o fascismo ordinário 2
(preta, pobre e prolífica)
Ua senhora cabo-verdiana, negra, mãe de dez filhos, cabeleireira, desempregada e casada com um muçulmano guineense igualmente preto e casado com mais outras duas mulheres, viu um grupo de polícias invadir-lhe a casa e levar para destino desconhecido, por ordem do Tribunal e com a o assentimento da Segurança Social, sete ou oito das crianças.
Desde sexta-feira que, insistentemente se cita um acordo entre a mãe condenada à perda dos seus e a Segurança Social (com o beneplácito do Tribunal) no sentido de voluntariamente se prestar à laqueação das trompas.
Também insistentemente, sem que a SS (nunca uma sigla foi tão bem aplicada!) ou o Tribunal apresentem defesa consistente, se aponta que uma das razões para a retirada das crianças foi o facto da senhora Liliana Melo não cumprir o tal acordo.
Tribunal e SS dizem que não. Que as crianças foram retiradas à mãe (e pai) para serem protegidas. Estranha protecção é esta que implica que ninguém, exceptuando a SS e o Tribunal, saiba onde param os meninos.
Independentemente das eventuais boas razões do Tribunal e da SS, convém acentuar que o simples facto de haver uma qualquer referência à ablação das trompas (sem causa médica imperiosa) é uma abominação se não for um crime contra os mais elementares direitos humanos de uma mulher pobre, preta, desempregada e cabo-verdiana.
Mas, mais e pior, é a procissão de personalidades jurídicas desde uma senhora juíza a alguém do Conselho superior de Magistratura, que, mesmo sem haver transito em julgado, que aparecem na televisão a defender esta medida.
Conviria lembrar a todos, e sobretudo aos meritíssimos magistrados, que além do dever absoluto de reserva, há nisto tudo, por mal explicado, um relento a eugenismo ou seja à teoria segundo a qual era possível melhorar as características raciais de um determinado povo, promovendo a esterilização de todos quantos apresentassem deficiências físicas ou mentais. A coisa teve o seu glorioso pico na Alemanha nazi onde se esterilizavam à pazada (quando não eram sumariamente liquidados) todos quantos pareciam poder potenciar alguma "degenerescência" na população ariana."
Quantos fazem o favor de me ler sabem que tenho aqui defendido com veemência os agentes da justiça. Sou jurista de profissão e sei o valor e a solidão de quem julga. Mas por isso mesmo. porque sempre me opuz a condenações populistas de tribunais e magistrados, vejo-me obrigado a dizer "alto e pára o baile!"
Mas isto, a aceitação da laqueação, mesmo que não tenha sido causa principal, sequer secundária, da sentença de retirada das crianças à família, é um desastre, uma tragédia para o bom nome da justiça e um imenso desprestígio para a sociedade portuguesa. O simples facto de ser referida na documentação do Tribunal e num relatório da SS é, de per si, algo que nos faz regressar à barbárie. Nem nos tempos angustiosos do dr Salazar e do nefasto Estado Novo!