Ainda a questão do "Acórdão dos maus-tratos" : laissez faire, laissez passer...

Tenho, ainda aqui em Lisboa, os meus rituais a cumprir: diversas obrigações na Igreja onde tenho a honra de servir ( Santo António à Sé).
Nesta Sexta-Feira Santa, por antiquíssima tradição, a Igreja não celebra a Eucaristia. A comunhão é distribuída aos fiéis apenas dentro da celebração da Paixão do Senhor, pois que este dia é de penitência em toda a Igreja, com jejum e abstinência. Há lugar a leituras que terei de fazer à tarde.
Entretanto, lembro-me da "paixão" quotidianamente sofrida também por aqueles que não se podem defender da violência dos mais fortes: as crianças.
Não estou agora interessado em discutir o problema sob o ponto de vista do Direito Penal, essas coisas dos dolos e das negligências, e dessa problemática da sucessão de leis no tempo, as leis antigas e as leis que agora estão em vigor. Não. Apenas me interessa respigar do Acórdão do STJ, respeitante ao processo 06P468, datado de 05 Abril de 2006, e que tem enchido as páginas dos jornais, e cujo texto integral pode ser consultado na página do Ministério da Justiça - Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça - Bases Jurídico-Documentais ( http://www.dgsi.pt/ ) que ficou provado, desde logo na 1ª Instância que "A partir de 1992 até 12 de Janeiro de 2000 a arguida por várias vezes fechou o BB à chave, na despensa, com a luz apagada, quando este estava mais activo, chegando o menor a ficar fechado cerca de uma hora. No mesmo período, por duas vezes, de manhã, em dias coincidentes com o fim-de-semana amarrou os pés e as mãos do BB à cama para evitar que acordasse os restantes utentes do lar e para não perturbar o descanso matinal da arguida. Também durante o referido período a arguida dava bofetadas no BB.- O BB é menor de idade e sofre de psicose infantil muito grave, sendo uma criança com comportamentos disfuncionais, hiperactiva e por vezes agressiva que descompensa com facilidade."
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" Os comportamentos que foram dados como provados contra a arguida podem configurar castigos eventualmente excessivos, passíveis de integrar as ofensas corporais, mas de forma nenhuma maus tratos.”
Eu, em pequenino, se me tivessem amarrado a uma cama, ou me tivessem fechado numa despensa, com pouco espaço e necessariamente com pouco ar, certamente que hoje seria uma pessoa destroçada. Que ainda andaria no psiquiatra, a tentar expulsar os demónios interiores...
Mas talvez que o defeito resida em mim: provavelmente sou demasiado sensível. Talvez eu esteja enganado e estes actos, afinal, não sejam mesmo maus-tratos a uma criança, seja ela deficiente ou não.
Afinal, parece que vivemos num País de brandos costumes…