Au Bonheur des Dames 339
Mulavilavi khanthokoreriwa
Costuma dizer-se que a História é escrita pelos vencedores. Claro que isto é vista curta, cinismo q.b. e desculpa coxa. Tarde ou cedo, mais tarde do que cedo, de facto, a História lá vai saindo da ganga em que, por boas ou más razões (sobretudo) alguém a envolveu.
Claro que este regresso a uma tímida verdade não ocorre sempre, nem ocorre da mesma maneira e muito menos em tempo útil. Todavia, parece poder dizer-se que, por exemplo, hoje, a Idade Média descrita por um José Mattoso é bem mais fiel do que aqueloutra que Herculano (um historiador probo, um cidadão honrado, um escritor meticuloso) nos deu vai para século e meio. Descoberta de novas fontes, uso de novos métodos, cruzamento de muito mais informação permitem isso. Sabemos tudo desse tempo longínquo? Claro que não e é provável que nunca saibamos tudo ou tudo quanto gostaríamos de saber. Mas sabemos mais, muito mais.
Deixemos porém, este discurso e passemos ao que se convencionou chamar o Presente.
Vivemos tempos entusiasmantes, angustiosos, perturbados mas desafiantes. Temos ao nosso dispor informação bruta como nunca. Mecanismos de pesquisa que ainda nem sequer medimos em toda a sua possibilidade. Num minuto, a Internet põe-nos em contacto com milhões de arquivos. A televisão via satélite pode dar-nos (mesmo se coada pela objectiva interessada do repórter) a ver em tempo real acontecimentos que ocorrem no fim do mundo.
Todavia, a História precisa de que a narrem, a interpretem, a testemunhem.
E aí, como se viu, ontem, as coisas atropelam-se. Sobretudo se a testemunha ( e por testemunha deveria entender-se criatura fidedigna...) o é em causa própria! Sem sequer, como nos tribunais sérios, se arriscar a pena forte se cometer perjúrio!
(Ou)viu-se, ontem, no órgão oficioso e oficial do sr Relvas (que, como se sabe se distingue sempre por procurar a verdade e o melhor e mais virtuoso entendimento das coisas) uma oração pro domo mea que não fora estar-se na Páscoa (tempo de introspecção e de perdão) mais pareceria um carnaval desbocado e a destempo.
Suponhamos que alguém chamava à “his master voice televisiva, o senhor Sarkozy. E que este, de repente desatasse a proclamar que fora afastado do poder em França não por eleições regulares e normais mas por uma conspiração em que entrariam, é um supor, o fantasma de Miterrand, a senhora Le Pen, um cavalheiro chamado François (Francisco!, nome subitamente em moda, que também cabia ao defunto presidente acima citado) Hollande, o Capitão Marvel, um embuçado mensageiro da KKK que se apresentava sob o nome de Obama jr e mais meia dúzia de contrincantes. Alguém acreditaria? Alguém se atreveria?
A França, apesar de vários defeitos, os franceses apesar de se considerarem o umbigo do mundo e os pais e mães da democracia, da liberdade e de mais outras piedosas ilusões, ririam perdidamente perante o descoco e provavelmente remeteriam o alucinado autor de uma declaração deste género para um hospício sob guarda forte. Por muito menos foi o divino marques para Charenton.
E cá? Pois cá, as opiniões dividem-se. Há quem declare o número circense de ontem uma chachada de mau gosto e há, pasme-se quem tome por boa a esfarrapada teses de um Cavaco travestido de “deus ex- machina” e propenso a defenestrar governantes. E se é verdade que algures (no tempo e no espaço) soltou uma eenigmática fórmula (a moeda má expulsa a moeda boa, verdade, aliás que não lhe pertencia mas que efectivamente usou, sendo apenas um vago cidadão como qualquer um de nós) isso não implica que a criatura seja um desfazedor de reis (Warwick me perdoe, já que acima se falou de Idade Média) sequer de primeiros ministros.
Vivemos tempos difíceis, o que era ontem verdade parece ser hoje mentira, pelo menos na Europa do euro que soçobra e da união que naufraga. Todos o dias nos cai em cima uma má notícia, um boato verrinoso, um insulto (e não me refiro às aparições de Relvas, à arrogância de Coelho ou à inécia de Seguro, para já não falar nos actores menores que se acotovelam no Parlamento e na rua), uma tragédia, um grito e uma desconfiança crescente. Nos homens e nas instituições. Mas ver este regresso do futuro em tom de inocente pergrinação à terra da verdade é de facto, o cúmulo.
Apetece lembrar Antero de Quental que qualificava um ex-companheiro de Coimbra desta maneira: um esgoto moral!
Merecemos isto?