O regresso de Sócrates
A entrevista que José Sócrates concedeu ontem à RTP tornou-se, nestes dias, uma obsessão de jornalistas, comentadores, bloggers e cronistas das redes sociais. O país dos comentadores, que proliferam nos vários canais a falar de política, de economia e de futebol, encrespou-se pelo facto de o ex-primeiro-ministro voltar a intervir no espaço público e anunciar que será um comentador regular na RTP a partir do próximo mês.
O que há de estranho nisso? A meu ver, nada. Sócrates tem todo o direito a gerir as suas intervenções como bem entende e o canal de televisão que o contratou é que terá de avaliar se a sua presença é uma mais-valia editorial, com reflexos positivos nas audiências. Pelo que se viu ontem, Sócrates é aguardado com expectativa.
Nenhum político em Portugal desperta tantos ódios e paixões como Sócrates. Nisso talvez só tenha comparação, por razões bem diferentes, com a reacção que Mário Soares suscitava nos anos de 1975-76, a seguir ao Verão quente e à descolonização. Tamanhos ódios e paixões fazem emergir sentimentos opostos, como é natural, mas muito atentos ao que Sócrates tem para dizer.
A entrevista de ontem não teve, para mim, nada de surpreendente. Sócrates foi igual a si próprio e quem esperava que o “animal feroz” viesse “amansado” de Paris desenganou-se. O José Sócrates de ontem foi o mesmo de 2011, apenas com mais liberdade para dizer o que lhe ia na alma, sobretudo em relação a Cavaco Silva. Nisso, respondeu na mesma moeda face ao ataque de que tinha sido alvo pelo Presidente, recuperando a esquecida diatribe das escutas congeminada no Palácio de Belém, para o acusar de tudo ter feito no sentido de promover a mudança de executivo.
De resto, esteve bem ao não se imiscuir na vida interna do PS, repetiu até à exaustão que tentou por todos os meios evitar o pedido de ajuda externa, tal como Espanha tem feito, aliás, procurou explicar como atravessou a crise de 2008 do imobiliário e dos mercados financeiros e, logo a seguir, a crise das dívidas soberanas, fazendo ver que o investimento público foi alimentado pela Europa para enfrentar a primeira crise. Evidenciou que o custo com as PPP’s rodoviárias até diminuiu com os seus governos.
Reconheceu que teve divergências com Teixeira dos Santos na fase final da governação e que foi um erro constituir um governo minoritário. Penso que devia ter explicado melhor por que razão não foi possível constituir então uma solução maioritária, que poderia ter evitado a crise política de 2011.
Como reconheceu a generalidade dos comentadores, goste-se ou não dele, Sócrates é um político com uma envergadura e um discurso que não se comparam aos de Passos Coelho e António José Seguro. O seu regresso ao espaço público vai ser útil. O “embuçado” não continuará silencioso e está no palco público para responder à letra aos seus críticos e para apontar o dedo à actual governação. Sai a ganhar o debate político.