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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 304

d'oliveira, 21.10.13

 

 

 

 

Desalento

 

Um cavalheiro chamado Manuel Valls, pretensamente socialista e membro importante do actual governo francês também ele identificado com o socialismo (ou algo no mesmo género mas mais insubstancial) entendeu expulsar uma estudante liceal de 14 anos. Ao que parece a criatura expulsa para o Kossovo era emigrante ilegal na terra da liberdade, igualdade e fraternidade. E era, pormenor relevante, de etnia cigana.

O senhor Valls que nestas coisas de ciganagem & similares é tão radical quanto qualquer fascista ordinário, mormente a senhora Le Penn. Ou melhor: é mais. Com a sua política de expulsões pretende dizer a quem o ouve que os socialistas são ainda mais fiáveis do que os da FN em matéria de pureza racial.

Só que..., só que quando a Le Penn arregaça a manga para fazer uma conveniente saudação romana, todo o bicho careta lhe cai em cima. Valls, o progressista não fala em raças inferiores mas apenas em gente que não se integra, em irrecuperáveis para a sua, dele, noção de cidadania.

Valls, pelo nome Manuel e pelo patronímico é irrecusavelmente de origem emigrante, filho de catalães ou valencianos. Tornou-se francês aos vinte anos, e como de costume leva o seu patriotismo com o entusiasmo de um catecúmeno  Eventualmente, os seus ancestros poderiam ter entrado em França no fim da guerra civil, ou mais tarde como emigrantes económicos. Eventualmente não teriam “papéis”, o que faria deles ilegais. A França da época que não era socialista nem coisa que se parecesse, lá os acolheu com maior ou menor dose de vexame e desconfiança.

Valls teve a vantagem de ser filho de um desconhecido  artista plástico e de, por isso, ter entrado França adentro sem problemas de maior. Naquele tempo, a França olhava menos à nacionalidade dos que a procuravam e mais às eventuais qualidades  que eram supostos ter.  

Valls cresceu nesse ambiente de relativa bonomia e, por mérito próprio ou mera intriga política (sobretudo esta, veja-se o seu percurso errático desde a esquerda rocardiana até hoje) lá foi fazendo o seu petit bout de chemin nas ruínas do antigo e honrado Partido Socialista. E chegou a ministro, sob esse anémico soba que dá por François Hollande (de quem quis ser rival...) e que lá vai fazendo as convenientes e necessárias mesuras à vizinha alemã esperando assim poder continuar a fingir que, com a Alemanha, a França é uma das locomotivas da Europa.

A história da expulsão da adolescente de suposta origem kossovar (mas nem sequer falante de albanês) é tão repelente quão infamante. A garota participava numa excursão do seu liceu quando a professora encarregada do seu grupo recebeu telefonicamente ordem para mandar parar o autocarro e aguardar pela chegada de uma brigada policial que, à vista de todos os colegas e amigos, foi detida como uma malfeitora e conduzida manu militari à fronteira. Com ela três irmãos de tenra idade, a mãe e o pai (o único membro da família nascido na antiga Jugoslávia). Tudo para o Kosovo e em força.

Para o Kosovo que, num momento espantoso, a França e os seus amigalhaços da NATO “libertaram” do opressor sérvio. Para o Kosovo, que desconhece, de onde o pai saiu há trinta e oito anos(!!!), longe de amigos, do namorado e da escola.

Como é que um fascistóide tipo Valls, variante Manuel pode falar em não integração quando a estudante frequentava o ensino secundário, integrada numa classe adequada à sua idade, pelos vistos com aproveitamento?

Como é que um parlapatão xenófobo pode falar em incapacidade de se integrar quanto a uma família que manda a filha para a escola, usa o francês como língua de todos os dias, trabalha, fez campanha por Hollande  nas presidenciais, ou seja, interessou-se suficientemente pela vida política a pontos de andar na rua a distribuir panfletos?

Sou, todos os meus leitores sabem, um francófilo dos quatro costados. Leio e falo francês correntemente, adoro Paris para onde me escapo sempre que posso, um bom quinto da minha biblioteca (e são quase 21.000 peças) consta de livros e revistas francesas. Leio  “le monde”, diariamente desde 1960 (Jesus que velho estou) assino várias publicações na mesma língua, interesso-me desde que me conheço pela França e pela “cultura” francesa. Imaginem a vergonha deste francófilo...

Toda a gente fala da crise. Da falta de dinheiro, da escassez de perspectivas, da mediocridade das elites. Claro que têm razão. Todavia, pior do que a economia, vai a nossa comum cultura, a nossa ideia de sociedade aberta, os velhos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e sobretudo essa antiga convicção de que a França era, numa Europa menos liberal, um porto de abrigo para gente de todo o mundo. Contam-se por milhares, dezenas ou centenas de milhares, os franceses de origem estrangeira que, uma vez chegados à sua nova pátria, a tornaram maior, mais próspera, mais inteligente e mais culta. Vi o governo francês, não este mas outros anteriores, condecorar estrangeiros (por todos Dizzie Gillespie que foi decerto o mais divertido) pelo que faziam em prol da ciência, das artes ou simplesmente da humanidade em geografias longínquas. Ao torna-los, simbolicamente, cidadãos franceses, a França explicava ao mundo que era uma terra onde as diferenças de raça, cor, religião não tinham qualquer importância e não impediam o reconhecimento de outrem.

Agora, expulsa quatro crianças (duas das quais já terão nascido em solo francês...) e respectivos progenitores. Em nome da irrecuperabilidade, da “não adaptação”, destes. E da “situação ilegal” em que se encontravam. Como se fosse possível andar anos e anos na escola pública, num país tão controlado, sem ninguém dar por isso. A França que, em nome de valores civilizacionais, vai guerrear no Mali, tem tropas na República Centro-Africana, quer intervir militarmente na Síria, entende tirar a paz a meia dúzia de ciganos, não por estes roubarem, mendigarem, mas apenas e sobretudo porque são ciganos, portadores (o que no caso em apreço nem parece ser verdade) de outros valores civilizacionais que, pelos vistos, podem destruir a harmoniosa sociedade onde vicejam os Le Pen, onde há integristas para todos os gostos, onde residem tranquilamente os suspeitos das mafias de leste, tudo isto em nome do “socialismo” governamental.

Porque é disso que se trata: de uma súcia de gente, sem princípios, sem vergonha e sem sentimentos.

Se pudesse o tal Valls agarrava na ciganagem e, zás!, como Hitler, punha toda aquela gente atrás de arame farpado. Isto num primeiro tempo, porque depois, sempre teria a possibilidade de mandar os pretos para África ou para o fundo Mediterrâneo, os “bicots” para a Argélia e o resto dos árabes pobres para o deserto. Com mais uns anos poderia começar a escolher os portugueses, os italianos, os chineses e asiáticos em geral, até chegar se para isso tiver tempo aos espanhois, andaluzes, estremenhos e outros excepção feita dos catalães, raça nobre entre as nobres, que de resto teve neste capítulo momentos gloriosos e xenófobos de que Valls, mesmo que não se lembre, pode tirar exemplo e proveito. Anda há poucos anos um líder da Esquerra Republicana falava dos emigrantes internos como de escumalha boa para trabalho servil. E depois, ala que se faz tarde, reenviados para os tugúrios de onde teriam vindo.

A última e pasmosa notícia é aterradora e infamante: o senhor Hollande, trilhado pela rua e por bo parte da opinião pública de esquerda, entendeu fingir de Salomão. A garota Leonarda pode regressar para avcabar os seus estudos. O resto da família, incluindo os dois irmãozinhos nascidos em França que fique num país que não conhece. E a miúda (viveria com quem?) dá-lhe uma lição: sem a família não aceita o favor presidencial!

Vê-se bem que é irrecuperável e mal agradecida!

 

  

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