A palavra de José Sócrates
José Sócrates apresentou ontem o seu livro com a tese de mestrado que defendeu em França sobre o uso da tortura em regimes democráticos, na presença de Mário Soares, Lula da Silva e algumas centenas de personalidades.
Nos dias que antecederam a apresentação do livro, Sócrates desdobrou-se em entrevistas a pretexto do tema da sua tese e também para corresponder às solicitações de vários órgãos de comunicação social, cientes de que dar a palavra ao ex-primeiro-ministro é garantia de boas audiências. Os que gostam e os que detestam Sócrates não perdem uma pitada do que ele diz. Diria que, nessa faceta, não há quem se lhe compare na vida política nacional.
A conversa que José Sócrates manteve com Clara Ferreira Alves, publicada na revista do “Expresso”, foi aquela que acabou por chamar mais a atenção, não pela substância do que Sócrates aí diz mas sim devido ao tom de linguagem usado em relação a um ou outro político ou situação com que se defrontou durante o seu período de governação. Eu não usaria aquela linguagem, é certo, mas faça-se a justiça de reconhecer que José Sócrates não se esconde, mostra-se tal como é e não gosta de usar punhos de renda. Além do mais, percebe-se que a entrevista não seguiu o formato tradicional de pergunta e resposta e o tom distendido dessa conversa terá promovido o uso de linguagem mais desbragada.
Sócrates está numa fase boa da vida, como o próprio reconhece, não está a planear o regresso à política activa, pois nesse caso obedeceria a outros calculismos, mas faz questão de vincar que não perdoa as insinuações e deslealdades pessoais e políticas de que foi vítima, sobretudo no período final da sua governação. Diz o que tem a dizer, não procura adoçar as palavras e mostra-se pronto para todos os combates, fazendo jus ao feitio irascível que se lhe colou à pele. Aliás, as suas palavras amargas não terão sido moldadas apenas pelas circunstâncias políticas, pois percebe-se que ficou muito marcado pela morte prematura de familiares directos.
Por mim, prefiro enaltecer a humildade de que dá provas ao submeter a escrutínio público a sua tese de mestrado, num domínio susceptível de polémica e divergência. Ver um antigo primeiro-ministro entrar em temas que são normalmente reservados a investigadores, académicos e intelectuais não é coisa que ocorra com frequência.
Recomendo, por isso, a audição da entrevista de José Sócrates à TSF, muito focada no tema do livro que ontem lançou. O ex-primeiro-ministro explica aí como chegou ao tema da tortura nos regimes democráticos, aborda a política internacional e faz a defesa determinada da vida e da dignidade humana como valores absolutos. São essas opiniões que vale a pena analisar e discutir.