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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 310

d'oliveira, 22.11.13



bizarrias de um militar ultrapassado pelo mundo


Ando por aqui metido numa camisa de onze varas. Escrevi alguns textos que estão prontos há que tempos mas a minha incurável preguiça, alguma falta de tempo devido a problemas de saúde familiares, e a realidade mutável que vivemos tem feito com que os vá deixando para trás para tentar escrever e pensar coisas mais urgentes.

 

Ainda por cima, já é azar, tive a infeliz ideia de mudar de fornecedor de internet e nem imaginam o que isso faz a um quase analfabeto nestas coisas: manhãs inteiras a tentar chegar à fala com criaturas mais volúveis que uma cocotte e mais fugidias que uma enguia.

 

Portanto, atraso de novo um texto pronto e requentado sobre a súbita colaboração hagiográfica de Cunhal e  o meteoro Kennedy pego nesse tema menos interessante (que a personagem também não vai longe) dumas declarações do senhor coronel Vasco Lourenço.

 

Desde o 25 de Abril que uma dúvida me persegue: VL é inteligente? Pensa o que diz?, Medita duas vezes antes de, entre dois pás, arremeter contra algo ou alguém?

 

Deixando de lado, todavia, o 25 A e a tão proclamada fé democrática dos oficiais do quadro permanente (cuja tradição, entre nós, sempre foi “golpista”, putchista e pretoriana) fazendo por acreditar que nas motivações do golpe militar apenas entraram considerações de elevado teor patriótico e não meras e mesquinhas guerras de vencimentos com os milicianos (os “não oriundos”) que “metendo o Chico” iniciaram uma carreira de oficiais indo para as colónias guerrear  (coisa que nem sempre os cavalheiros do quadro faziam, sobretudo logo que se viam em majores, deixando à soldadesca e aos milicianos o trabalho de correr a mata à caça dos “terroristas”), omitindo a cega-rega dos primeiros anos post 25A e a tentação de gerir a caserna, digo o país, segundo uma cartilha de “democracia tutelada” pelos quartéis, vou escrever como se valesse a pena considerar o senhor coronel um indefectível democrata.

 

Será? É o que iremos ver.

 

Hoje, ao acaso de um zapping televisivo, V L apareceu a ameaçar este desastrado e desastroso Governo que temos (e que não elegi de modo algum) e o senhor Presidente da República (idem, idem, Deus me livre!...) de um par de pontapés no dito cujo, no caso dos sequazes de Passos Coelho não se demitirem. Já!, presumi.

 

Ora, vindo de quem vem, esta coisa de pontapés cheira a acção violenta. E contra uma gentinha, medonha é certo, mas eleita pelo voto popular. Isto, trocado em miúdos, pode chamar-se putsch, golpe de Estado mas de certeza que não entra, por mais que se entorte o dicionário (livro que VL eventualmente não frequentará), na noção de vida em democracia.

 

Ninguém mais do que eu (que acabo de ver a minha pensão amputada em mais de cinquenta e seis por cento por via de cortes, acertos, sobretaxas, contribuições de solidariedade forçadas, irs continente  e outras alcavalas) detesta que lhe vão ao bolso e que, passados os setenta anos lhe venham dizer que o que trabalhou e descontou durante dezenas de anos é uma falácia, algo desdenhável e sem utilidade. Ninguém, mais do que eu sente um arrepio de vergonha quando ouve os pais e mães da pátria a falar desta desgraçada terra e desta sofrida gente. 

 

Porém, olhei à volta, lembrei-me da Europa, ou das Europas, a rica a pobre e a assim-assim, dos desvarios incontroláveis dos últimos quinze, vinte anos, da responsabilidade de governos (alguns mesmo em que terei votado) e protestando, rosnando, resmungando, entendi que a vontade expressa nas urnas era, mesmo não sendo igual à minha, isso mesmo: a vontade popular.

No sistema eleitoralmente miserável  que temos (e que nenhum dos actuais partidos com representação parlamentar parece querer mexer) sinto-me aprisionado e refém. Voto num magote de criaturas (mais de trinta no caso do meu distrito) as mais das vezes desconhecidas umas, e pouco recomendáveis outras, e  que uma vez no poleiro continuam alegremente a tentar alcançar um lugar confortável no pântano. Não tenho a mais leve esperança no futuro governo do PS seja ele de maioria absoluta (pouco espectável por enquanto) ou meramente aproximada. Cada vez que ouço Seguro arrepio-me (é, na mais benévola intenção, uma espécie de Coelho com mais tiques). Dos restantes cavalheiros da sua trupe, oiço, possesso, como os “economistas” do PS (ou assim chamados)  dizer descaradamente as coisas mais delirantes que qualquer pessoa com acesso a noticiários europeus pode ouvir. Estamos entregues à bicharada.

 

Todavia, mesmo se os civis, os “paisanos” são isto, a militaragem é sempre pior. E nessa, os piores são os que falam grosso como o camarada Vasco, perdão o coronel Vasco.  Nunca lhe ouvi uma ideia, um alvitre, uma recomendação onde, à falta de galões, brilhasse o bom senso. Fala mal, fala grosso e o português que emite é de mais que duvidosa qualidade estilística e gramatical.

 

Esta ideia, infamante, peregrina de “correr" metaforicamente alguém "a pontapé", pressupõe obviamente violência. Na boca de um militar, pressupõe tiroteio. Na pior hipótese, a de alguém querer resistir às armas, relembra sem qualquer espécie de dúvida uma pequena, média ou grande escaramuça com seus mortos, seus feridos, suas destruições e o competente regresso à selvajaria ou à ditadura. Temos, nós portugueses, mesmo os que ignoram a história dos últimos duzentos anos, uma longa teoria de golpes armados, de “revoluções”, de pronunciamentos, de violência e de desastre nacional. No pior dos casos, relembro a ferocíssima guerra civil que ensanguentou este desgraçado pais entre 1834 e 1850. Isto para não relembrar a explosão popular que se seguiu às invasões francesas ou a guerrilha larvar entre 1911 e 1921 ano maldito que culminou no massacre de algumas das mais altas figuras da revolução republicana, depois de durante anos e cinquenta e um governos em cerca de dezasseis anos.

 

Ouvir as descabeladas declarações do senhor Lourenço, mesmo se lhe descontarmos a frágil argúcia, a falta habitual de bom senso, o disparate e a imprudência, é um péssimo  momento.

 

Já tínhamos ouvido propósitos semelhantes a uma outra glória do 25 A. Aqui foram denunciados e criticados. Isto num qualquer pais europeu, causaria uma verdadeira comoção e um escândalo, mereceria um repúdio público e urgente de toda a gente. Por cá é o que se vê: o silêncio ou significa que ninguém liga patavina a VL ou  que o medo guarda a vinha. 

 

Quem estas escreve, viveu boa parte da sua vida sob outro regime. Logo que chegou à idade da razão, revoltou-se, militou contra o regime, frequentou por diversas vezes os cárceres, levou os “safanões dados a tempo” na forma de “estátua” e “sono”  durante algumas das detenções que sofreu. Nunca desistiu, nunca se deixou amedrontar, mas jamais aceitou caucionar qualquer forma de violência (mesmo se num dos onze processos levantados pela PIDE, figurasse como “bombista”. Convirá esclarecer que nesse documento a acusação provinha de uma delatora de pseudónimo Catarina e referia a presença do arguido numa terra a que nunca foi e numa reunião a que não esteve presente nem recorda ter sido para tal convocado).  

Tenho, pois, bem mais que o senhor coronel, passado suficiente para, desta vez, mas só metaforicamente, lhe puxar a orelhinha e piedosamente lhe recomendar (se isso não lhe causar uma irremediavel dor de cabeça) que pense uns segundos antes de bolçar ameaças que, das duas uma: ou são para levar a sério e a coisa terá de ter consequeências políticas mas não só, ou constituem uma mera reinação e, nesse caso,  conviria que o mandassem antes jogar ao pião que é algo de muito sensato para quem regressa à estouvada meninice e necessita de fazer exercício

 


 

Claro que, de todas as maneiras, o mal está feiro no que toca à imagem que o pais tem lá fora e os militares têm cá dentro.