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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 121

d'oliveira, 20.08.08
Os jogos,
as previsões
e a “frustração” nacional



Alguém anda a enganar alguém. Com efeito, parece que os “objectivos” a que o Comité Olímpico Português (COP) se votara estão a sair pela esquerda baixa. Muito baixa, diria eu. Os jornais, e até o “Público” glosa o tema até á exaustão, desdobram-se em reportagens e entrevistas como se de um novo terramoto de Lisboa se tratasse.
Vejamos por partes.
Pode um COP prometer cinco medalhas e com essa proposta comprometer o governo e o país?
Em teoria responder-se-ia afirmativamente. Tinham quatro anos, um punhado de atletas, bastantes expectativas e confiança num trabalho continuado.
Mas, teriam, de facto, possibilidades de honrar o a palavra dada? Para se responder conviria saber um par de coisas: se, efectivamente, para além das bolsas (que, convenhamos, não eram assim excepcionais) e da boa vontade havia o resto. E o resto é tecnologia, meios, alta competição, treinadores à altura, enfim: ambiente.
Existiu isso? Parece evidente que não. Ou por outras palavras, parece que mais uma vez se esqueceu o essencial. As vitórias constroem-se com talento, com força física e anímica, com paciência, com teimosia e com tecnologia. E com muita e forte competição. É por essas e por outras que um nadador, nosso e olímpico, já desistiu da bolsa e anunciou a sua partida para uma universidade americana. Lá terá tudo o que cá falta e não será pelo dinheiro que vai. Vai porque tem com quem competir, porque tem treinador à altura, ambiente (raio de palavra) e tudo o que a tecnologia pode oferecer.
Daí que, graças a este exemplo, que se poderia repetir em quase todas as modalidades, o COP deveria ter tido tento na língua e não prometer o que não pode prometer: medalhas a torto e a direito.
Aliás, mesmo quando os meios parecem ser suficientes (caso da vizinha Espanha) há uma segunda incógnita. Como é que é competir nos jogos, aguentar a pressão, a ansiedade, o clima e tudo o resto? Como é que se aguenta, o patriótico entusiasmo indígena, a patriótica solicitação de pódio, feita por um governo tão patarata quanto nacionalista, por uma imprensa tão exigente quanto irresponsável que hoje pedem a lua e amanhã mandam o derrotado para a vala comum dos indignos?
O senhor presidente do COP anunciou que se não recandidata. Fez bem e mostrou que tem vergonha na cara (a ver vamos se de facto faz o que anunciou) Convenhamos que de qualquer modo já lá andava há demasiado tempo. Desde 1980 se os jornais estão certos. Se fosse funcionário público já estaria inapelavelmente na reforma, pois já passou os setenta anos. Por muito entusiasmo, muita dedicação, muito conhecimento, estes quase trinta anos na estrutura olímpica portuguesa são demasiados. O mundo mudou, o desporto ainda mais, se é que ainda estamos a falar de desporto quando falamos de olimpíadas.
Outro exemplo, o senhor Michael Phelps, nadador de Baltimore treina oito horas diárias, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano: algum nadador português pode sequer fazer metade? Ter metade dos meios ao dispor desta máquina nadadora? Competir semanalmente com metade dos competidores de Phelps?
O COP, já que nós somos meros cidadãos ignorantes, deveria saber isto. Deveria... O senhor Laurentino Dias, secretariante ou subsecretariante criatura dos desportos deveria saber isto, como aliás quem o nomeou deveria saber que créditos, que conhecimentos, que cultura desportiva abonam o senhor Dias para gerir a pasta do Desporto.
Tivesse Naide conseguido o apuramento, tivesse Obikwelu mostrado uma vez mais o que já mostrou, tivessem fulano e cicrano feito não sei bem o quê e aí estariam Dias, o senhor do COP e mais um quarteirão de “sportsmen” mais empavesados do que a nau almirante da brisa marinha nacional. Mas os fados, o destino, as Erínias, a má sorte, a pressa, a incapacidade de sermos modestos mas exigentes, atravessaram-se no nosso caminho glorioso. Isso tudo e os outros atletas mais preparados física e psicologicamente.
Os jogos ocorrem no Verão, são espuma de Verão e daqui a uns meses já ninguém se lembra deles. O que nos sucedeu não foi uma catástrofe, como não foi uma catástrofe não termos ganho o futebol.
A catástrofe verdadeira é bem outra: é não termos uma cultura de exigência, de esforço, de sacrifício, de objectivos a curto, médio e longo prazos, definidos com nitidez e realismo. E modéstia.
Mas também não temos uma educação à altura, uma consciência cidadã vigorosa, uma imprensa sadiamente exigente e responsável.
Felizmente temos uma actriz de Hollywood embeiçada pelo Cristiano Ronaldo, ou vice versa, o mistério do local de férias do senhor primeiro ministro e o habitual boçal das ilhas a proclamar que se o desafiam cria um novo partido. Força, homem de Deus, crie o partido, embarque na aventura, atreva-se, proclame a independencia... Mais alto, mais longe e mais forte do que você não há.