Estes dias que passam
Voltando ao jornal e a July convém dizer que ambos são vítimas de várias coisas e entre elas esta: para se salvarem de um naufrágio foram pedir batatinhas a um cavalheiro de nome Rotschild, esse mesmo, o banqueiro. Melhor, um dos banqueiros. Percebe-se mal como é que um jornal tão ancorado à esquerda, ou presumindo disso, foi logo ter com um grande capitalista, descendente de uma das mais fortes linhagens banqueiras de França e do mundo. Equilibrismos!
Eu nunca fui fã do “Libé”. Lia-o, sempre que me apanhava em França mas, de facto, pelo meio da tarde regressava a um amor muito antigo chamado “Le Monde”. Esse sim, acompanha-me desde os primeiros anos de faculdade. Durante muitos anos li-o no formato semanal, numas folhinhas muito fininhas, quase papel bíblia. Aquela edição semanal fornecia-me notícias e explicação do mundo para toda a semana. A latere ia lendo uma revista chamada “Partisans” de que ainda conservo muitos números, toda à esquerda, que era editada por François Maspero, inesquecível livreiro da “La Joie de Lire” paraíso de todo o esquerdista que se prezasse. Olhem, para não ir mais longe, foi na “Joie...” que comprei aí há trinta e muitos anos um livrinho panfleto duma “frente revolucionária do Darfur”. Já naqueles tempos as coisas não iam bem por aqueles lados. A “Joie de lire” morreu vítima do seu sucesso: tinha livros de todo o mundo, ou de toda a esquerda mundial o que fazia que fosse o pólo onde convergia toda a malta de esquerda que passava por Paris. Convergiam também todos os gatunos de livros que deviam considerar saudável e revolucionário roubar livros ao Maspero, tanto mais que, se fossem apanhados (como várias vezes vi) o pior que lhes poderia suceder era receberem um sermão do livreiro. Claro que a livraria faliu.
E já que estou com a mão na massa, esses anos de ouro e espuma foram também anos de leitura de uma excelente revisrta literária chamada "Europe" que felizmente e apo contrário da anterior ainda (r)existe.
Voltemos, porém, ao “Libé”. Ao contrario do que se possa pensar nunca foi fácil identificar o jornal com uma linha política fosse ela qual fosse. Claro que ancorava à esquerda. Claro que pareceu ser “extra-parlamentar” e tê-lo-á sido durante os dois primeiros anos. Depois nem isso. Também é verdade que tinha bons jornalistas e secções interessantes. Tinha também a manifesta tendência de ser muito “tendance”: não resistia à moda que aparecesse fosse ela do mais efémero ou do mais aberrante. Não admira que, fatigados de tanta inovação, os leitores partam. Exactamente ao contrario do “Monde” jornal a que muitos censuraram o comedimento, um certo tradicionalismo, uma complacente presença no centro esquerda. Só que, por isso mesmo, e pela alta qualidade dos seus jornalistas e comentadores, há que dizê-lo, o “Monde” foi sempre um jornal de referência, um farol inequívoco para a difícil e errática navegação à bolina da política nacional e internacional. E, curiosamente, continua a existir nele uma sociedade de jornalistas que detém a maioria das acções do jornal. Exactamente o contrario do revolucionário “libé” onde os jornalistas desde há muito não tinham uma palavra a dizer sobre o destino do jornal, entregue nas mãos fortes de July que obviamente não era assim tão forte.
Claro que destas aventuras do jornalismo internacional não se devem tirar grandes lições. Seres vivos, os jornais, nascem, crescem e morrem. De velhice ou subitamente de doença. O que choca neste plácido e natural panorama é o suicídio ou a má cabeça. Como no caso do “libé”.
Estava já esta croniqueta pronta e leio no Público o lamento de Eduardo Prado Coelho sobre esta desaparição. Curiosamente, ele. que nunca terá sido inebriado pelos ventos do oriente é vermelho, sente a falta do "libé"...