A estrada da Serra![]()
O cheiro dos estofos de napa do carro familiar garantia enjoo, mesmo em pequenos percursos e quando nas férias rumávamos a Lisboa, pela então incontornável
estrada da serra, já se sabia que as “paragens técnicas” seriam inevitáveis.
Pelo menos eu, na minha infantil candura, encarava-as com a naturalidade de quem - nessa época de propagação da ideologia do “pobrezinhos mas honrados” e “orgulhosamente sós” - não podia imaginar que a distância que nos separava da almejada
capital a viria a fazer em apenas duas horas (ou um pouco mais, dependendo da maior ou menor observância dos limites de velocidade…), sobrevoando
a serra em bem lançados viadutos, para mais com ar condicionado e, sobretudo, com estofos inodoros.
Ainda assim, a beleza da paisagem a partir de
São Braz de Alportel (a percepção da Pousada marcava, para nós, o verdadeiro início da viagem) não nos deixava indiferentes.
E aproveitávamos sempre para parar no Barranco do Velho e retemperar os ânimos enchendo os sentidos de paisagem e do ar lavado daqueles montes e vales.
No regresso, quando ali chegávamos à tardinha, não havia enjoo que resistisse às sopas caseiras do restaurante à beira da estrada, em especial a de feijão encarnado, hortaliça e toucinho.
Há muito – não foi preciso esperar pela conclusão da A2 – que a
estrada da serra deixou de ser percurso incontornável, para gáudio dos viajantes apressados, como este
turista acidental.
Mas, quando o troço que agora a atravessa ainda não estava construído, e as intermináveis bichas tornavam o percurso ante ou post auto-estrada um desespero mesmo para pessoas normalmente pacientes, ocorreu-me - no que me restava da infantil candura - que a quase esquecida
estrada da serra poderia ser uma boa alternativa.
Desenganei-me. A estrada – ou melhor, o que restava dela – resumia-se a uma lomba central de alcatrão, de tal forma esburacado que o percurso se tornava uma autêntico desafio à perícia do condutor, aos nervos dos passageiros e à suspensão do veículo.
Quando tentei perceber como era possível terem deixado a estrada chegar a tal ponto, falaram-me da inoportunidade de um investimento em melhoramentos, quando era já certo que a auto-estrada estava para chegar, era uma questão de mais ano menos ano.
Continuei a não perceber. Não teriam as populações serranas, para mais numa época em que os discursos oficiais já há muito manifestavam preocupações com a
desertificação do interior, direito a um
mínimo de efectiva consideração?
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A A2 lá acabou por ser concluída sem que, até lá, o arranjo da
estrada da serra se tivesse, sequer, iniciado. Encontra-se hoje, finalmente, em bastante bom estado de conservação e, se nunca chegou a ser uma alternativa a condutores desesperados
é, estou em crer, um caminho para suavizar o
isolamento e a pobreza das populações, até por via do “boom” de programas turísticos “alternativos” (por regra da iniciativa de gente que sabe ganhar a vida sem desrespeito pela natureza e tradições).
Ou era, que o
FOGO, por via da
incúria e desleixo, aparentemente crónicos neste país,
destrói este ano o que no ano passado, já
horribilis, foi poupado. Talvez por isso não esteja activo o link que se fazia em tempos para a página do site do
Ministério da Agricultura relativo às
árvores de interesse público, de que faziam (fazem?) parte
muitas das que se avistavam da
estrada da serra.
Oxalá me engane e o link tenha sido apenas
deslocalizado.