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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Surpreendente manifesto

ex Kamikaze, 27.09.04
Tendo sabido vagamente que Boaventura Sousa Santos palestraria amanhã no CEJ, resolvi ir ao site desta ora mediática instituição, a fim de saber mais pormenores, designadamente qual o tema que iria ser abordado.

Logo ao abrir a página relativa ao XXIII Curso Normal (curso que iniciou as actividades formativas em 15 de Setembro), nada menos que cinco grandes fotografias em que o ainda director do CEJ, desembargador Mário Mendes, pontifica, em grande estilo, por entre uma cascata de auditores, tudo acompanhado, a par e passo, pelos seguintes dizeres:

(foto) “No CEJ trabalha-se…
(foto) ... em equipa.
(2 fotos) Com cumplicidade e liderança.
(foto) A Justiça seguirá o seu curso.”

Pese embora ser surpreendente o manifesto - pelo impacto das imagens, pela novidade e timing da iniciativa e, finalmente, pela mensagem ínsita, saúda-se este vislumbre de criatividade num site há muito em estado de catalepsia e espera-se que a mesma seja um reflexo, ainda que serôdio, de uma nova forma de pensar a escola de formação de magistrados.

Mas de novidades, para já, foi tudo: ainda lá consta o nome de um director-adjunto, de dois directores distritais e de vários docentes que já cessaram funções no CEJ e da conferência de Boaventura Sousa Santos nem sombra… aliás, no que respeita às actividades formativas dos cursos normais, a última informação é de Abril de 2004 e o Plano de Actividades é o do ano lectivo-judicial anterior...
Ainda bem que nos informam que, ainda assim, a Justiça seguirá o seu curso.

FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)

Incursões, 26.09.04
por marinquieto



Capítulo I



Deixei o jornal a marcar a mesa e dirigi-me ao balcão para pedir ao único empregado que servia em toda a esplanada um café. Eram quatro da tarde, tinha acabado de tomar a primeira refeição do dia, pois os hábitos que a vida profissional me impõe durante o ano não se mudam de um momento para o outro e, afinal, só ali estava havia dois dias. Continuava a ler durante a noite, agora não para os outros, mas como se fosse - em voz alta.

O diário, o primeiro café e o primeiro cigarro são, de há muito, companhias inseparáveis com quem reinicio todos os dias o percurso das horas. Só então convoco os sentidos. Um vício masculino - criticava a minha mãe. Apenas um hábito solitário - costumava responder-lhe.

Depois de ter acendido o cigarro, e enquanto o café não chegava, observei o mar, ali mesmo, estendido ao sol entre dois paredões. E os banhistas a quem oferecia um suave sorriso de espuma na irregular fronteira com a terra. É aqui que a terra acaba e o mar começa, ou é aqui que o mar acaba e a terra principia?

A esplanada estava cheia. Uma pessoa em cada mesa, como na minha. Todos bem mais jovens do que eu, com o olhar atraído ora pela água e a sua infinitude ora pelo visor do telemóvel.

Li o jornal e o único movimento dos meus companheiros continuava a ser premir os teclados no repetitivo envio de sms, certamente para alguém que estaria imaginariamente para lá da linha do horizonte mas só às vezes respondia.

Tirei uma folha do bloco de notas, que é uma das poucas coisas úteis que me faz peso na carteira, e escrevi: porque é que não se juntam dois a dois?

Um novo ciclo na vida do PS

Incursões, 26.09.04
Um novo ciclo na vida do PS pode surgir, não tanto pelas ideias (muito retóricas e generalistas) que José Sócrates imprimiu ao debate, mas pela dinâmica criada com a nova forma de eleger o Secretário-Geral deste Partido.

Três desafios, em nosso entender, se vão colocar ao novo Secretário-Geral do PS: o primeiro é, desde logo, saber se, em lugar do mérito e da coerência, continuará a ser critério de escolha partidária o perverso vício de pagar eventual arregimentamento de votos com contrapartidas no aparelho de Estado (lugares nas listas para deputados, nas cotas das mulheres para “namoradinhas”, nas candidaturas às autarquias, etc. etc.), mantendo uma espécie de vampirismo clientelar na mesa do orçamento do Estado; o segundo, é saber se José Sócrates é capaz de estimular as condições que permitem o aparecimento de lideranças de mérito a nível regional e local, que saibam ouvir, debater problemas e assumir na política uma ética da responsabilidade. Hoje, a nova ideologia da manipulação promovida pela política-espectáculo é falar em “modernidade”, “convicções” e “valores”. Mas, estes conceitos nada significam se não tiverem consequências e não forem avaliados por uma ética da responsabilidade, a que permite saber quais são os efeitos práticos para uma boa governação (a que promove a coerência, aumenta a felicidade e diminui o sofrimento) desses mesmos conceitos. O partido está cheio de verborreicos que despejam palavras encantatórias, mas não explicam como as traduzem na prática. O terceiro desafio prende-se com o tão apregoado conceito de “esquerda moderna”. Nunca percebi essa classificação. Ser-se de esquerda, hoje, como no passado, é tomar o “homem como fim último e nunca tratá-lo como um meio seja para o que for”, é ser solidário, generoso, coerente, aberto ao confronto de ideias. Por isso, o projecto de esquerda é combater o oportunismo, defender a solidariedade social, promover a democracia participativa, reconhecer o exercício da cidadania como um capital social mobilizador do empenhamento em causas, sentir que a pobreza, a miséria e o sofrimento privam o homem da sua dignidade, constituindo uma doença social que é preciso combater. Por isso, a máxima de uma boa governação de esquerda é premiar o mérito da competência solidária e responsável, desenvolver estratégias que possam minimizar o sofrimento humano e, em caso de este ser inevitável, distribui-lo o mais equitativamente possível, por forma a que os que mais sofrem e são mais pobres não sejam os mais penalizados. Este conceito de esquerda é tão moderno como é tão antigo. Tiveram-no os que se sentaram no lado esquerdo do hemiciclo da primeira Assembleia Constituinte da Primeira República francesa (por isso as suas ideias receberam o nome de esquerda – o lugar onde estavam) e se opuseram aos que defendiam os privilégios das linhagens, das hierarquias e das mordomias.

Será que o novo Secretário-Geral do PS vai colar-se nesse “lugar” e responder a estes desafios ou continuará na senda do pensamento convenientemente correcto e que promove o ilusionismo da política espectáculo?!...

Conhecendo nós o que tem sido a prática de alguns dos seus mais fervorosos apoiantes, ficamos na expectativa. Oxalá que o consiga!

O triunfo do pragmatismo

ex Kamikaze, 26.09.04

(...) O pragmatismo (...) é gelatinoso (...)
(Compadre Esteves, 19/7/04, comentário ao post Anjinho?)

(...) é natural que Sócrates sobressaia aos olhos dos militantes do PS e que estes, pragmaticamente, decidam já esta noite, à primeira volta, o nome do seu secretário-geral.
J.A.L. (O que eles dizem, Expresso, 25/9/04)

(...) Sócrates, por questões geracionais e por pragmatismo, tem os pés assentes nesta época e procura soluções para os problemas actuais (...)
J.A.S. (Política à Portuguesa, Expresso, 25/9/04)

Uma história de amor

Incursões, 25.09.04
JN on line, de hoje. Amante do ciclismo e amante do amor, não resisti a trazer aqui o texto de Rui Farinha sobre Santiago Pérez, neste momento em 2º lugar na Volta a Espanha em Bicicleta, ainda a tempo de bater o líder Roberto Heras.



"Memória de Vanessa nas pernas de Santi Pérez



Chovia muito naquela noite de Novembro. A estrada estava perigosa. Numa curva, Vanessa perde o controlo do carro que, por sua vez, capota. A jovem morreu aí, de imediato, na estrada entre Grado (Astúrias) e Sarón (Cantabria).
Estávamos em 2002. Já a dormir, um ciclista espanhol chamado Santiago Pérez recebe um telefonema que lhe mudaria a vida para sempre. "Santi, a tua namorada faleceu, há pouco, num acidente de viação". A suas pernas cederam, o coração abrandou perigosamente e a sua cabeça desligou-se do mundo.
Durante dois anos, o ciclista - a quem muitos chamavam de "novo Miguel Induráin"- caiu numa negra depressão. Embora a imprensa espanhola o incentivasse a ganhar motivação, nada havia a fazer por ele: infelizmente, o seu corpo tinha também ficado naquela estrada, ao lado da mulher que amava. Nessa altura, fazia a mesma pergunta a todos os psiquiatras que o acolhiam no consultório. "Porquê ela, meu Deus? Eu é que devia ter morrido", dizia, revoltado. A tragédia não lhe saia da cabeça até porque, no dia do acidente, ela tinha ido visitá-lo a Grado, a sua terra natal. Antes do trágico acontecimento, todos se entusiasmavam com aquele rapaz que subia montanhas quase sem respirar.
Em 2001, integrado na equipa portuguesa Barbot-Torrié, venceu a etapa da Torre da Volta a Portugal, à frente de Joaquim Gomes.
Três anos depois, Pérez chegou à conclusão de que estava a cometer um erro. A sua atitude, abatida e indiferente, não honrava a memória de Vanessa. E, a partir daí, tornou-se obsessivo: queria correr, correr, correr em honra dela. Em cima da bicicleta, com olhos hipnotizados e alheios à dores próprias de uma duríssima etapa de montanha, ganhou, no último sábado, a 14.ª tirada da Vuelta. Na meta, em Granada, beijou a medalha de Vanessa e chorou. "Esteja ela onde estiver, deverá estar feliz". No dia a seguir, desprezou o feito da véspera e voltou a vencer, desta vez, um crono-escalada na Serra Nevada. Embora o abraçassem, a namorada, sempre ela, percorria o seu olhar triste.
Apesar de ser o segundo classificado na Vuelta e possuir ainda legítimas esperanças de ganhar a prova, Pérez não quer falar muito do futuro. Nem sequer da hipótese de lutar pelo triunfo no Tour de 2005. Apenas fala de uma coisa: comprar flores e depositá-la na campa de Vanessa."
Rui Farinha

Inquietante

Incursões, 25.09.04
O post "Frase do dia", e o que mais disse Manuel Alegre, segundo o Público de Sexta-feira, é inquietante. O candidato a líder do PS "denuncia ameaças e avisa contra violência", fala de "medos" entre os socialistas que não apoiam o favorito Sócrates nas eleições internas em curso. Não, não estamos a falar de um jogo de futebol e das suas imprevisíveis e tantas vezes violentas claques. Não, não estamos a falar de eleições entre partidos diferentes. Estamos a falar de uma eleição interna. Num partido político democrático. Entre camaradas.

Não sou socialista. Nem o clima é exclusivo do Partido Socialista. Uma retrospectiva rápida, permite concluir com facilidade que o clima denunciado por Alegre já foi vivido noutros partidos democráticos. Em todos os partidos, já houve eleições marcadas pela violência, pela fraude, por actos bárbaros de desaparecimento de urnas de voto. E até houve o inenarrável episódio da lota de Matosinhos...

Não, não estamos a falar de um jogo de futebol. Estamos a falar de partidos políticos, respeitáveis e imprescindíveis pilares do regime democrático. Não, não estamos a falar de claques nem de jogadores de futebol. Estamos a falar de pessoas que já nos governaram, que nos governam e que voltarão a governar-nos.

Estamos a chegar à demência total.