Um tiro falhado
Incursões, 01.12.04
A anunciada intenção de dissolução da Assembleia da República pelo Presidente Jorge Sampaio foi um acto reactivo e emocional.
Em Julho, quando Durão Barroso abandonou o barco e havia mais que motivos para dissolver o parlamento, o Presidente não o fez. Pensou, hesitou, ouviu todos e mais algum, voltou a hesitar e acabou por nomear Primeiro-Ministro um individuo que, manifestamente, tinha poucas condições pessoais e políticas para exercer essa função.
Por causa dessa sua decisão, foi o PR acusado de tudo e mais alguma coisa, maltratado pelos partidos de esquerda, acusado de traição ao seu eleitorado.
Isto deve-o ter marcado profundamente. Quem conhece Jorge Sampaio, sabe que é um homem emotivo, de bom coração, que se emociona com muita facilidade. Sentiu certamente remorsos. Começou a ver aproximar-se o termo do seu mandato e a pensar que iria ficar para a história como o presidente de esquerda que fizera um frete à direita. Não aguentou a pressão. Decidiu que, à primeira oportunidade, emendaria o erro. O tempo, contudo, era curto, pois a partir de Junho próximo deixaria de poder dissolver a AR. Começou, então, a ficar impaciente. Tinha que ter um motivo forte, não podia ser visto como o principal gerador de uma crise.
Os tempos que se seguiram proporcionaram-lhe algumas oportunidades, como o caso Marcelo. Mas eram oportunidades frouxas, sem justificação para o uso do meio mais drástico que o sistema constitucional permite.
Ainda tentou algumas provocações, como o veto à criação do Gabinete de Propaganda. Poderia ser que o Santana respigasse e, aí, poderia abrir-se a desejada crise que lhe permitisse a dissolução. Mas o Santana percebeu a intenção e, com falsa humildade, encolheu-se.
A semana passada, inesperadamente, um obscuro ministro abriu-lhe a tal “janela de oportunidade”. Um amigo, até aí indefectível, de Santana, acusava-o de falta de lealdade e de ser mentiroso.
Jorge Sampaio julgou ser o momento. Ou é agora ou nunca. E vai daí, sem hesitar e sem chamar a Belém a habitual corte de conselheiros, anuncia a intenção de iniciar o processo de dissolução do parlamento.
Precipitou-se!
Com a sua decisão, neste momento, provavelmente mergulhou o País num prolongado período de instabilidade.
Porquê?
Em primeiro lugar, não é certo que, neste momento, o PS esteja em condições de ganhar as eleições com maioria absoluta. Sócrates ainda não se instalou devidamente na cadeira de secretário-geral, o show das “Novas Fronteiras” ainda não arrancou e os cofres do PS não devem estar a abarrotar de dinheiro para a campanha.
O mais provável, assim, é uma vitória do PS em Fevereiro, com maioria relativa.
Para suportar um governo com um mínimo de estabilidade, Sócrates precisará, pelo menos, do apoio parlamentar do PCP e do BE, senão mesmo de uma coligação com um deles, ou com ambos. Mas, para ter esse apoio, terá que fazer muitas concessões, nomeadamente ao nível de aumentos de salários da função pública e de regalias socais, de aumento das despesas públicas. Ou seja, o regresso a um Guterrismo encapotado, mas com efeitos altamente perniciosos no futuro.
Basta ler o post de Medina Carreira mais abaixo para perceber o que significará um governo PS sem maioria. Tenho para mim que só um governo de maioria absoluta, sem PCP ou BE, permitiria fazer as reformas, dolorosas, que o Pais precisa.
Por outro lado, em termos de alternativas, o momento também não poderia ser o pior.
Santana Lopes, ainda que relativamente desacreditado ao nível da opinião pública em geral, ainda não está suficientemente desacreditado dentro do próprio PSD. Os barrosistas, depois da fuga de Barroso, passaram quase todos para declarados santanistas de alma e coração e ainda não tiveram tempo de arranjar um líder de facção. A tendência social-democrata, por outro lado, está fragilizada e ainda um pouco perdida. Mesmo a descolagem de Marques Mendes no último congresso ainda não teve tempo de começar a produzir os seus frutos, o que só se poderia sentir daqui a alguns meses, quando se começassem a dar as eleições para as concelhias e as distritais.
Assim, neste momento, qualquer alternativa à actual liderança, é um caso praticamente perdido. Bem pode Pacheco Pereira ou Miguel Veiga, suspirar pelo regresso de Cavaco, ou de outro líder, que isso não sucederá. Santana vai agarrar-se ao poder interno como a lapa à rocha e terá grandes hipóteses de sobreviver, que mais não seja por falta de alternativa suficientemente organizada.
Do lado do PP, por seu lado, o mais provável é a radicalização do discurso, com vista à tentativa de arregimentação do eleitorado mais à direita.
Assim, o cenário mais provável para 2005 é um governo Sócrates apoiado por Jerónimo de Sousa e Louçã.
Será um governo fraco, de curta duração, em que Sócrates estará diariamente sujeito a pressões de perda de apoio se não aumentar 10% os funcionários públicos, se não abolir todas as portagens de pontes e auto-estradas, se não começar a pensar em algumas nacionalizações e, quem sabe, numa nova reforma agrária.
Qual poderá ser, face a este cenário, a reacção previsível do eleitorado do centro, moderado, daquele que, inclinando-se ciclicamente para o PS ou para o PSD, faz perder e ganhar eleições ?
Tenho para mim que esse eleitorado, assustado com o peso que o PCP e o BE terão no governo ou na maioria que o suportará na AR, voltar-se-á para o PSD, não obstante a liderança de Santana.
Assim, o mais provável é que, lá para 2006 ou 2007, haja outra vez eleições antecipadas e que, então, revigorado por meses de aglutinação do eleitorado do centro e da direita, Santana possa ter uma maioria absoluta, sozinho ou de novo com o CDS de Paulo Portas.
Ou, pior ainda, que nenhum partido consiga a maioria absoluta e tudo volte, de novo, ao princípio, eventualmente com outros protagonistas.
Por isso é que digo que o bom do PR se precipitou, que agiu emocionalmente, que não viu que o ideal seria deixar a legislatura ir até ao fim porque, nessa altura, haveria certamente melhores condições para termos um governo de maioria absoluta, de legislatura, que garantisse a estabilidade de que o País, manifestamente, tanto precisa.
Enfim, um tiro falhado !
Em Julho, quando Durão Barroso abandonou o barco e havia mais que motivos para dissolver o parlamento, o Presidente não o fez. Pensou, hesitou, ouviu todos e mais algum, voltou a hesitar e acabou por nomear Primeiro-Ministro um individuo que, manifestamente, tinha poucas condições pessoais e políticas para exercer essa função.
Por causa dessa sua decisão, foi o PR acusado de tudo e mais alguma coisa, maltratado pelos partidos de esquerda, acusado de traição ao seu eleitorado.
Isto deve-o ter marcado profundamente. Quem conhece Jorge Sampaio, sabe que é um homem emotivo, de bom coração, que se emociona com muita facilidade. Sentiu certamente remorsos. Começou a ver aproximar-se o termo do seu mandato e a pensar que iria ficar para a história como o presidente de esquerda que fizera um frete à direita. Não aguentou a pressão. Decidiu que, à primeira oportunidade, emendaria o erro. O tempo, contudo, era curto, pois a partir de Junho próximo deixaria de poder dissolver a AR. Começou, então, a ficar impaciente. Tinha que ter um motivo forte, não podia ser visto como o principal gerador de uma crise.
Os tempos que se seguiram proporcionaram-lhe algumas oportunidades, como o caso Marcelo. Mas eram oportunidades frouxas, sem justificação para o uso do meio mais drástico que o sistema constitucional permite.
Ainda tentou algumas provocações, como o veto à criação do Gabinete de Propaganda. Poderia ser que o Santana respigasse e, aí, poderia abrir-se a desejada crise que lhe permitisse a dissolução. Mas o Santana percebeu a intenção e, com falsa humildade, encolheu-se.
A semana passada, inesperadamente, um obscuro ministro abriu-lhe a tal “janela de oportunidade”. Um amigo, até aí indefectível, de Santana, acusava-o de falta de lealdade e de ser mentiroso.
Jorge Sampaio julgou ser o momento. Ou é agora ou nunca. E vai daí, sem hesitar e sem chamar a Belém a habitual corte de conselheiros, anuncia a intenção de iniciar o processo de dissolução do parlamento.
Precipitou-se!
Com a sua decisão, neste momento, provavelmente mergulhou o País num prolongado período de instabilidade.
Porquê?
Em primeiro lugar, não é certo que, neste momento, o PS esteja em condições de ganhar as eleições com maioria absoluta. Sócrates ainda não se instalou devidamente na cadeira de secretário-geral, o show das “Novas Fronteiras” ainda não arrancou e os cofres do PS não devem estar a abarrotar de dinheiro para a campanha.
O mais provável, assim, é uma vitória do PS em Fevereiro, com maioria relativa.
Para suportar um governo com um mínimo de estabilidade, Sócrates precisará, pelo menos, do apoio parlamentar do PCP e do BE, senão mesmo de uma coligação com um deles, ou com ambos. Mas, para ter esse apoio, terá que fazer muitas concessões, nomeadamente ao nível de aumentos de salários da função pública e de regalias socais, de aumento das despesas públicas. Ou seja, o regresso a um Guterrismo encapotado, mas com efeitos altamente perniciosos no futuro.
Basta ler o post de Medina Carreira mais abaixo para perceber o que significará um governo PS sem maioria. Tenho para mim que só um governo de maioria absoluta, sem PCP ou BE, permitiria fazer as reformas, dolorosas, que o Pais precisa.
Por outro lado, em termos de alternativas, o momento também não poderia ser o pior.
Santana Lopes, ainda que relativamente desacreditado ao nível da opinião pública em geral, ainda não está suficientemente desacreditado dentro do próprio PSD. Os barrosistas, depois da fuga de Barroso, passaram quase todos para declarados santanistas de alma e coração e ainda não tiveram tempo de arranjar um líder de facção. A tendência social-democrata, por outro lado, está fragilizada e ainda um pouco perdida. Mesmo a descolagem de Marques Mendes no último congresso ainda não teve tempo de começar a produzir os seus frutos, o que só se poderia sentir daqui a alguns meses, quando se começassem a dar as eleições para as concelhias e as distritais.
Assim, neste momento, qualquer alternativa à actual liderança, é um caso praticamente perdido. Bem pode Pacheco Pereira ou Miguel Veiga, suspirar pelo regresso de Cavaco, ou de outro líder, que isso não sucederá. Santana vai agarrar-se ao poder interno como a lapa à rocha e terá grandes hipóteses de sobreviver, que mais não seja por falta de alternativa suficientemente organizada.
Do lado do PP, por seu lado, o mais provável é a radicalização do discurso, com vista à tentativa de arregimentação do eleitorado mais à direita.
Assim, o cenário mais provável para 2005 é um governo Sócrates apoiado por Jerónimo de Sousa e Louçã.
Será um governo fraco, de curta duração, em que Sócrates estará diariamente sujeito a pressões de perda de apoio se não aumentar 10% os funcionários públicos, se não abolir todas as portagens de pontes e auto-estradas, se não começar a pensar em algumas nacionalizações e, quem sabe, numa nova reforma agrária.
Qual poderá ser, face a este cenário, a reacção previsível do eleitorado do centro, moderado, daquele que, inclinando-se ciclicamente para o PS ou para o PSD, faz perder e ganhar eleições ?
Tenho para mim que esse eleitorado, assustado com o peso que o PCP e o BE terão no governo ou na maioria que o suportará na AR, voltar-se-á para o PSD, não obstante a liderança de Santana.
Assim, o mais provável é que, lá para 2006 ou 2007, haja outra vez eleições antecipadas e que, então, revigorado por meses de aglutinação do eleitorado do centro e da direita, Santana possa ter uma maioria absoluta, sozinho ou de novo com o CDS de Paulo Portas.
Ou, pior ainda, que nenhum partido consiga a maioria absoluta e tudo volte, de novo, ao princípio, eventualmente com outros protagonistas.
Por isso é que digo que o bom do PR se precipitou, que agiu emocionalmente, que não viu que o ideal seria deixar a legislatura ir até ao fim porque, nessa altura, haveria certamente melhores condições para termos um governo de maioria absoluta, de legislatura, que garantisse a estabilidade de que o País, manifestamente, tanto precisa.
Enfim, um tiro falhado !