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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

La Perfidie du monde

Incursões, 15.01.05


Pieter Bruegel, La Perfidie du monde (1568)

Naples, Museo Nazionali di Capodimonte

Un personnage dépenaillé et enfermé dans un globe de verre coupe la bourse d'un vieil homme revêtu d'un froc sombre. En dessous, le distique dit "le monde est si perfide que je mets un costume de deuil". Est-ce le monde qui trompe l'homme ou l'inverse? La question reste en suspens. A l'arrière-plan, un pasteur garde ses moutons, il ne se plaint pas, il est content de son sort, tout à fait dans la ligne des stoïciens.

Política “a la carte”.

Incursões, 15.01.05
A reciclagem tornou-se uma operação generalizada devido à necessidade de aproveitar recursos para não deixar esgotar matérias-primas. Ora, parece que essa operação não passa apenas pelo lixo, mas até os próprios sentimentos estão a ser reciclados.

No seu aspecto genuíno, os sentimentos ligavam-se ao dever, constituíam a matéria-prima da nossa consciência, habitando-a de forma discreta para indicar as nossas obrigações e avaliar os nossos próprios comportamentos. Enfraquecido o dever de avaliar as consequências da acção e dissolvido o espírito crítico, os sentimentos deixam de alimentar a consciência e nela provocar a necessária tensão entre o que cada um deve fazer ou não fazer. Faltando sentimentos genuínos, tão caros à ideia de regeneração do homem e da sociedade, parece que a "boa consciência" é revelada pela reciclagem dos sentimentos. Em vez de propostas para resolver os difíceis problemas com que se debate o País, os políticos procuram condicionar os eleitores pelos sentimentos de compaixão. Vertem lágrimas pelos desempregados, pelos reformados, pelos pobres e excluídos que foram vitimas das más políticas que os próprios políticos desenvolveram. A política dirige-se ao que os eleitores gostam de “sentir” e ficou reduzida a mero espectáculo de ilusões e emoções. Estimula-se a realização dos desejos, do ego, da felicidade imediata, do bem-estar individual. Procura-se que o eleitor passivamente goze com os insultos, as insinuações recíprocas e as falácias dos subentendidos. Vivemos a política sem obrigações.

A política pós-moderna é assim: uma política “a la carte”.


Perdi

Incursões, 15.01.05
O João já dorme, estava cansado, cansado não sei de quê. Já posso escrever em descanso. Eu estou aborrecido, aborrecido e sei porquê. Hoje perdi. Perdi na barra do tribunal. Não que fossse uma coisa muito importante, mas perdi.

Se olhar para trás, concluo que perdi mais vezes quando estava do lado do MP do que quando estava do lado da defesa. Sem dúvida: sou melhor a defender do que a atacar. In dubio pro reo. Ok. É justo. Justo do ponto de vista formal. Uma vez mais, percebi que é melhor ter por perto testemunhas que mentem, bem, do que testemunhas que falam verdade, mal.

Os advogados não devem instrumentalizar testemunhas. Pois não. E eu continuarei a ser assim. Mesmo que fique aborrecido de vez em quando. Como hoje (já ontem).

É óbvio que a culpa é minha. Não fui capaz de desmontar a trama, por muito que tentasse. Não fui brilhante, mesmo quando consegui demonstrar que uma das testemunhas de defesa mentia com quantos dentes tinha. Não foi relevante. As testemunhas de acusação - as minhas - não foram capazes de convencer com a verdade. E a verdade - não duvido - estava do meu lado.

A Mma. Juíza seguiu o caminho mais fácil. Não a censuro. A Digna Procuradora-adjunta não ousou. Paciência.

Como me dizia uma incursionista há dias, eu não posso pretender ganhar sempre. Pois não. Mas gostava de ganhar sempre que tenho razão. (A compensação é ganhar quando não tenho razão).

Imperativo é fazer regressar o Homem ao centro do Mundo

ex Kamikaze, 15.01.05
Excertos do discurso proferido no dia 7 de Janeiro 2005, pela Directora do Centro de Estudos Judiciários, professora doutora Anabela Miranda Rodrigues, na abertura da cerimónia comemorativa do XXV aniversário do CEJ. Pode ler a alocução na íntegra, aqui.

(...) Celebrar 25 anos é, ainda, «escolher» o futuro!
O carácter verdadeiramente pioneiro reconhecido à institucionalização da formação de magistrados em Portugal incentiva-nos a descobrir que há outras vitórias para além da da memória.
O renovado sentido da contemporaneidade volta a interpelar-nos e o perfil do magistrado redesenha-se.
Mudou a realidade sociológica e mudou o direito. (...)

A sociedade do risco, fundada no medo, não é um arcaísmo, uma resistência ao progresso. É o último avatar do progresso. Por isso se abre diante de nós como um desafio a possibilidade de criação de novos conceitos de direito – e também de liberdade e de democracia. (...)
Imperativo é fazer regressar o Homem - uma certa Imagem de Homem – ao centro do Mundo. No novo quadro axiológico, inspirado pelo valor da solidariedade, a liberdade – liberdade solidária – obriga o Homem – digo-o como Baptista Machado nos ensinou – à participação na humanidade histórica como «ser-com-os-outros» e «ser-para-os-outros». E por isso aponta aos direitos individuais a dimensão do que cada um «deve» fazer e não o que «pode» fazer.

É neste fio de horizonte que ressurge a autonomia e independência do judiciário. (...)
Falo de uma administração da justiça, exercida sob a arbitragem dos
media e de uma sociedade civil cada vez mais interventiva e atenta, a que se exige produtividade e eficácia.
Porque hoje não se duvida que a qualidade de funcionamento do sistema judiciário é um elemento essencial do desenvolvimento económico, numa intersecção revelada por análises económicas da justiça.
Falo de uma administração da justiça que tem de responder comunitariamente pela consideração em que tem os interesses, expectativas e necessidades dos cidadãos e pelo resultado do seu desempenho. O que é hoje uma exigência democrática.
E falo de uma administração da justiça que tenha sempre por trasfondo que é exercida pelo Homem e para o Homem. Isto é: sob o pano de fundo dos valores do Estado de Direito e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados.

A trama judiciária tece-se com estes fios.
A criação do Centro de Estudos Judiciários significou um tournant no ser e no modo dos magistrados portugueses. A riqueza do caminho feito é inseparável do nosso percurso democrático.
Hoje é o tempo e aqui é o lugar para reatar a reflexão, crítica e exigente, e retomar a obra iniciada.

Uma certeza nos une: não se pode querer uma administração da justiça célere, eficaz, rigorosa, responsável, humanizada, autónoma e independente sem uma formação de excelência e uma actualização permanente.
Separamo-nos, porventura, perante propostas concretas saudavelmente desencontradas.
Mas
voltamos a unir-nos – acredito firmemente – quanto ao que pressupõe o objectivo da institucionalização de uma formação não endogâmica e cada vez mais comunitariamente controlável.

Pressupõe, sem dúvida, uma disponibilização de meios financeiros (...)

Pressupõe, ainda, a articulação – diálogo e interacção – entre Governo, Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o Centro de Estudos Judiciários (...)

Pressupõe a aproximação da formação à realidade sócio-económica (...)

Pressupõe que a formação se desterritorialize e se abra a outros espaços culturais jurídicos e judiciários. (...)

Pressupõe que se fomente a compreensão e o diálogo entre os vários agentes judiciários, caldeados numa comunidade de entendimento sobre os valores constitucionais fundamentais e sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. (...)

Pressupõe formação especializada e permanente (...)

Pressupõe que se modernize e que se racionalize – que faça apelo às novas tecnologias de informação e de comunicação.

Pressupõe que se abra à compreensão do tempo mediático, fomentando a substituição do segredo dos gabinetes e os alfabetos tecnicistas pelo escrutínio da publicidade e pela proximidade do cidadão com o direito – porque só assim a justiça é democrática.

O Centro de Estudos Judiciários é uma instituição de referência. Além de necessária, insubstituível, destinada a persistir. Porque destinada a lançar raízes e edificar os alicerces de uma justiça melhor. (...)