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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

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Incursões, 28.02.05
Tribunal-Iraque

Audiência Portuguesa
do Tribunal Mundial sobre o Iraque




Esta Audiência terá lugar, em 18-19-20 Março, em Lisboa, no Auditório da Torre do Tombo (Alameda da Universidade, ao lado da Faculdade de Letras).

Entretanto, pode subscrever o Manifesto e juntar-se à lista de apoiantes.

UMA FORMA SUPERIOR DE ESTAR NA VIDA?

Incursões, 28.02.05
Já que fui invocada e, de certo modo, «provocada» a opinar, respondo colocando aqui algumas reflexões (parte das quais já presentes no meu blogue ao longe os barcos de flores) sobre como entendo a poesia e o fazer poético.

Antes, porém, devo dizer que me agrada esta troca de pontos de vista entre o Compadre Esteves e a Sílvia.

Colocando-me numa posição mais ou menos intermédia, digo, como parece dizer o Compadre, e repetindo Rimbaud, que «o poeta é um vidente», um visionário; e com a Sílvia, que o poeta, não sendo diferente dos outros homens, se define como aquele que transfigura o real pela palavra, criando assim uma espécie de supra-realidade,em que nos reconhecemos, (ou não…). O poeta, disse, salvo erro, Sophia «é um escutador», ou, como disse Nemésio, «um mostrador». E tudo isto graças a u trabalho sobre essa matéria-prima que é a palavra.

E gostaria de recordar, para que melhor se entenda o meu ponto de vista, um texto de Almada Negreiros

–A FLOR:

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor!
Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas, Umas numa direcção, outras noutra; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Prosseguindo, agora com o que me foi sugerido por este texto de Almada e pela minha reflexão sobre o que é a poesia (é justamente esta parte que constitui o primeiro Do Falar poesia no meu blog):

(....) É esta a dura tarefa do poeta e do fazer poético: - Lutar insistentemente com a palavra indescoberta, incriada, porque de seu labor árduo recolhe novos sentidos e os transfigura pela palavra, «fingindo», tantas vezes, como diz Fernando Pessoa, «a dor que deveras sente».-É também esta a luta de Orpheu (por isso, a poesia é eminentemente órphica)- encontrar a palavra primordial e única que lhe faça reencontrar Eurídice e trazê-la de volta, depois da sua longa e árdua caminhada iniciática.
Começa então o trabalho do leitor. Ele completa o poema, captando-lhe o sentido, recuperando com o poeta um saber das origens, simultaneamente longínquo e reencontrado.

Ler um poema será então este reencontro com a palavra do poeta, - que vai do coração para a cabeça, como dizia Almada Negreiros - o contacto com modos de dizer, produzindo sentidos ‘outros’, (estamos no domínio da ‘transcendência’, dado que na base da criação poética está a metáfora, criadora de realidades ‘outras’; - sendo assim o texto uma ficção, um fingimento - em que nos reconhecemos - ou não...).
Ora, sabemos, o acesso ao transcendente faz-se pela via da iniciação e por degraus - iniciando-se, no caso vertente, pela emoção ( o coração que, como no poema de Pessoa, é um combóio de corda que «gira a entreter a razão»). Mistério órfico por excelência, é essa a via iniciática a que nos convidam os poetas, os fazedores de sentidos.
Por isso eu posso dizer também isto - que a muitos poderá parecer ousado demais: - viver, ler e sentir a poesia é também: - sentir, tocar com a nossa alma e coração o coração e a alma que habitam o poema - ou que o poema sugere.
[Vem-me daí essa sensação de uma certa espécie de «plágio» que sinto em relação a tantos poemas e poetas - - os que dizem o indizível que só a palavra transfigurada permite. Como se eu fosse, também, uma espécie de co-autora...]
«Sentir, sinta quem lê» - é certo. Mas só sentimos com os poemas que estavam em botão dentro de nós e «partilhamos» com o poeta que os «fingiu» nessa luta incessante pela palavra justa. (....)
Amélia

Million Dollar Baby

José Carlos Pereira, 28.02.05
O filme de Clint Eastwood "Million Dollar Baby" foi o grande vencedor dos Óscares da noite passada ao vencer as estatuetas para melhor filme, melhor realizador, melhor actriz, Hilary Swank, e melhor actor secundário, Morgan Freeman.
Fui ver o filme este fim-de-semana e já tinha intenções de aqui me referir a ele, antes mesmo de saber da sua vitória na noite dos Óscares. A logística familiar impede-me hoje de ir ao cinema tantas vezes como o fazia no passado recente, mas faço questão de ver as películas de Clint Eastwood, 74 anos de idade, para mim o grande realizador americano dos tempos que correm.
"Million Dollar Baby" dá-nos tudo o que é possível desejar numa fita de cinema. Argumento e interpretações superlativas de Hilary Swank, Morgan Freeman e do próprio Clint Eastwood. Mas também densidade, beleza, amargura, determinação, esforço, dedicação, doçura, amor e … um grande murro no estômago no final do filme, ou não estivéssemos a tratar de pugilismo. Rigorosamente a não perder, para quem prefere o verdadeiro cinema ao puro entretenimento de outros filmes em cartaz.
Uma chamada de atenção também para "Mar adentro", que ainda não vi. O Óscar de melhor filme estrangeiro foi para o filme de Alejandro Amenábar, sobre a vida de Ramón Sampedro, o galego cuja luta pela eutanásia já foi motivo de debate aqui.

Reflexões de domingo

Incursões, 28.02.05
Sendo dia de folga e, portanto, de jubiloso ócio, estive a ler Robert Walser (1878 – 1956), o autor de língua alemã que Kafka mais admirou. E também Musil, Herman Hesse e Walter Benjamim. Tem um livro de textos breves traduzido em português: A Rosa (Relógio d’Água) e um conto delicioso na Revista Ficções (número fora de série dedicado a ficções de comer). Em 1933, desistiu de escrever e internou-se num asilo psiquiátrico até à morte. Consta que se justificou deste modo: «Não estou cá para escrever, mas para ser louco».
Esta separação tão lúcida, tão inesperada e tão humorística, entre a obra e a loucura, por parte de um pressuposto louco, levou-me a revisitar Foucault (Histoire de la folie). Foucault põe em destaque como o mundo moderno mudou de atitude face à loucura, porventura constituindo essa mudança de atitude um traço fundador da modernidade. A frequência com que obras tão cintilantes nos domínios da pintura, da literatura, da música nos confronta com a loucura dos seus autores (Holderlin, Nerval, Nietzche, Artaud, entre tantos e tantos outros) diz ele que deve fazer com que a tomemos muito a sério, mas que não nos devemos enganar: não há reconciliação, nessa mudança de atitude, entre a obra e a loucura. Onde há obra não há loucura, embora possa existir contemporaneidade de uma e outra. Mas há um triunfo inegável da loucura: o mundo que pensava dominá-la, justificá-la pela psicologia, é, afinal, ele que se tem de justificar perante ela, medir-se com a desmesura de obras como as de Nietzche, de van Gogh e de Artaud.
Por associação, cheguei ao filósofo marxista Louis Althusser. Um homem de uma envergadura inegável, que escreveu uma obra marcante e deu um poderoso contributo para o pensamento estruturalista, do qual também comungou Foucault. Como se sabe, matou a mulher, por asfixia, quando lhe fazia uma massagem. Desencadeado o processo-crime, chegou-se à conclusão de que era inimputável, por força de uma doença psiquiátrica de que era portador. Foi alvo de uma medida de segurança e internaram-no num manicómio.
Esta situação tinha, como era evidente, duas consequências, assim problematizadas: que valor tinha a sua obra pretérita, em face da sua constatada loucura?; que explicação (omitida) para o acto cometido? Foi o próprio Althusser que as problematizou, face à necessidade de, por um lado, recuperar toda uma coerência teórica para a obra de uma vida inteira, e por outro, a necessidade de apresentar e explicar o crime (também obra sua), tendo-lhe sido sonegado o julgamento público e, portanto, o momento de aí dar a sua versão dos factos. É que um louco, por definição, não pode explicar o seu acto, que escapa justamente a todo o esforço de racionalização. Como tal, fica privado de prestar contas à comunidade. Ora, foi para preencher essa lacuna (o lugar da abolição da consciência) que Althusser escreveu essa maravilhosa obra que é L’Avenir est longtemps (tradução portuguesa da ASA, 1992: O futuro é muito tempo, seguido de Os Factos). Uma obra valiosa não só do ponto de vista teórico, mas também (e sobretudo) literariamente muito bela.
Mas terá logrado explicar o nó do problema, ou seja, a sua loucura, o seu acto tresloucado?
Seja como for, há aqui um esforço sério de autognose da loucura.

Artur Costa

Menezes vs Mendes

Incursões, 28.02.05
Mantenho o que tinha dito: não percebo porque é que Menezes avançou quando Mendes já estava no terreno. Mas uma coisa parece-me clara: Menezes esteve melhor na entrevista de hoje à :2, do que esteve Mendes na entrevista à RTP1, com Judite de Sousa. Espweremos pelas outras vias...

Faleceu Vítor Wengorovius

Incursões, 27.02.05
Vitor Wengorovius nasceu em 1937, em Setúbal. Foi dirigente da Juventude Universitária Católica e esteve, ao lado, entre outros, de Jorge Sampaio nas lutas académicas e na Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de 1969.
Em 1974 fundou, com Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio, Cravinho, Alberto Martins e muitos outros, o Movimento de Esquerda Socialista (MES) -- uma organização nascida sobretudo de pessoas que militavam em movimentos católicos progressistas, nomeadamente ligados a um boletim que chamava a atenção para a situação dos presos políticos durante o fascismo -- o “Direito à Informação”.
Perdemos um dos melhores da nossa geração. Não merecia ter sofrido tanto. Uma doença degenerativa imobilizou-o há anos numa cadeira de rodas, dificuldando-lhe o exercício da sua profissão de advogado.
Estive com ele em Coimbra, há dois anos, num congresso sobre “Cidadania” organizado por um amigo comum: o Zé Dias. Foi o meu último abraço.

Transfiguração

Incursões, 27.02.05
Pastor já fui desse rebanho alado,
Que pelos céus caminha, pensativo,
A ruminar a grama azul do prado
E a desmanchar-se em pensamento vivo.
Pastor já fui de olhar perdido e calmo,
Guardando as redes pelo campo etéreo,
Entoei sobre a campina cada salmo
De um livro que perdi sobre o mistério.
Já fui pastor fora de certo espaço,
Das loucas dimensões em que me banho,
Não sei se é no futuro em que me abraço
Ou no passado desse meu rebanho!

Pastor já fui, hoje arrebanho a mágoa
Do meu rebanho a desfazer-se em água.

Paulo Bonfim

A ronda dos emplastros (ou dos novos vampiros)

Incursões, 27.02.05
Será que o PS vai aprender com os erros do PSD e com os erros que cometeu no passado?!...
Há sinais muito preocupantes!... Os emplastros que se colaram a Sócrates durante a campanha eleitoral já se movimentam em reuniões constantes (tal como os vampiros) para encontrar um lugar na mesa do orçamento do Estado.

A pressão para ser satisfeita a “gula” dos boys está, sobretudo, nos directórios distritais. Eles vivem dessa “tropa fandanga” que vê chegada a hora para apresentar a “factura”. Exige-se que o PS saiba resistir a uma “cultura” que fez da lógica dos “aparelhos partidários” uma razão de Estado. Um bom governo terá de mudar o ciclo da cultura política dos partidos e desencadear as reformas necessárias (nomeadamente no sistema político e partidário), que possam credibilizar a acção politica, promover a justiça social e desenvolver o País. E o PS só ganhará esta batalha, se, desde já, der um sinal de querer um bom governo. Mas não basta a imagem pública de competência e rigor: é também necessário que essas características se harmonizem com as preocupações sociais. Em nome das “leis do mercado” não podemos recuar ao princípio da revolução industrial e colocarmo-nos ao nível de alguns países asiáticos. O “mercado” não é o fim da História, nem a razão de Estado. Não há um fim da História e as razões de Estado são questões do interesse comum.

Y UNO APRENDE

Incursões, 27.02.05
Después de un tiempo,
uno aprende la sutil diferencia
entre sostener una mano
y encadenar un alma,
y uno aprende
que el amor no significa acostarse
y una compañía no significa seguridad
y uno empieza a aprender...
Que los besos no son contratos
y los regalos no son promesas
y uno empieza a aceptar sus derrotas
con la cabeza alta y los ojos abiertos
y uno aprende a construir
todos sus caminos en el hoy,
porque el terreno de mañana
es demasiado inseguro para planes...
y los futuros tienen una forma de
caerse en la mitad.
Y después de un tiempo
uno aprende que si es demasiado,
hasta el calorcito del sol quema.
Así que uno planta su propio jardín
y decora su propia alma,
en lugar de esperar a que alguien le traiga flores.
Y uno aprende que realmente puede aguantar,
que uno realmente es fuerte,
que uno realmente vale,
y uno aprende y aprende...
y con cada día uno aprende.

Jorge Luis Borges

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