Segundo o
DN de hoje, o Governo propõe-se criar uma base de dados genética de identificação civil que abrangerá toda a população portuguesa e que será utilizada na investigação criminal. E o ministro da Justiça assevera que este é um "objectivo a cumprir nesta legislatura" e é mesmo "uma das primeiras prioridades" da acção governativa.
Já em Outubro de 2001, António Guterres, então primeiro-ministro demissionário, anunciara, num debate mensal da Assembleia da República, a intenção do Governo de criar uma base nacional de ADN. O Prof. Doutor
Daniel Serrão denunciou então, imediatamente, a violação do direito de cada um ao segredo da sua identidade pessoal, que tal base constituiria, até porque não haveria nenhum sistema de segurança capaz de garantir o bom uso de dados de tão alta sensibilidade.
Trata-se de uma medida altamente polémica, que levanta graves problemas éticos e que esbarra com sérias barreiras legais (sobre a
legislação comunitária e nacional sobre a matéria, pode ser consultado o
site da Comissão Nacional de Protecção de Dados).
Para termos a noção dos riscos que tal projecto acarreta, aqui ficam registados alguns aspectos da análise feita por
R. Dawkins, num artigo intitulado “Arresting Evidence”, publicado pela revista “The Sciences”, da Academia das Ciências de Nova Iorque, no seu número de Novembro/Dezembro de 1998:
A investigação genética está a progredir nos tribunais penais, já que a prova do ADN é sem rival - permitindo identificar pessoas sem ambiguidade. O problema decorre do uso que podem fazer, desta prova, jurados e advogados, obcecados pela ideia de ganhar o seu caso. De facto, há muitas possibilidades de erro e sabotagem: um tubo de sangue pode levar uma etiqueta errada, por acidente ou por maldade; uma amostra de ADN colhida no lugar de um crime pode ser contaminada por células da pele, suspensas no suor, de um técnico de laboratório ou de um agente da polícia.
O perigo de contaminação é particularmente importante nos casos em que se usa uma técnica laboratorial destinada a criar milhões de cópias de uma dada sequência de ADN: uma gotícula de suor encontrada numa arma de um crime inclui o ADN, podendo ser multiplicada em amostra utilizável e analisável. Só que a multiplicação reproduz também os contaminantes, sendo por isso um potencial de injustiça. Aliás, até se podem misturar voluntariamente dados colhidos na cena de um crime, ou implicar pessoas que estão inocentes mas cujo ADN foi colhido na cena do crime, sem que elas tivessem nada a ver, tendo passado por lá com outros objectivos. Evidentemente, acrescentaremos nós, até se pode fabricar culpados pondo na cena do crime objectos com o ADN de algum inimigo que se gostaria de meter na prisão…
No caso de haver uma base nacional de sequências de ADN de cada homem mulher e criança, sempre que uma amostra de sangue, sémen ou saliva, pele ou cabelo, fosse encontrada da cena de um crime, a polícia poderia simplesmente procurar suspeitos na base de dados… Toda a população estaria sob suspeita! Até se poderia usar a identificação genética da Base para deter alguém, fosse onde fosse, mesmo se houvesse uma probabilidade reduzida de semelhança ou de coincidência entre uma amostra de sangue e os dados da Base.
Deixando de lado o crime, o autor reconhece que há o perigo real de que a informação genética caia em más mãos: seria praticamente impossível fazer um seguro de vida, se as seguradoras tivessem acesso a tais dados, que revelariam as probabilidades de doenças e morte. Do mesmo modo, pessoas que discriminam outras para o acesso a uma escola ou a um emprego, poderiam usar os dados contra essas pessoas.