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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

E Por Vezes

ex Kamikaze, 14.05.05
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos nunca mais.
e por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos


David Mourão Ferreira

título qualquer serve

d'oliveira, 14.05.05
Algumas notas sobre a poesia que hoje se vai lendo por aí
1 Numa breve passagem por uma livraria portuguesa poder-se-á notar que raros são os livros de poesia à venda. Na mais importante livraria do Porto, e uma das maiores e melhores do país, o leitor mais curioso verificará que a estante de poesia ocupa eventualmente 2 a 3% do espaço disponível.
2 Verificará ainda que mais de 50% dos títulos em venda são edições de autor; dessas 90 a 95% são livros de estreia.
3 Prosseguindo essa melancólica pesquisa notará que os restantes volumes à venda dizem respeito a um restrito número de autores, mormente os mais prolíficos e/ou conhecidos e que eles próprios estão sub-representados, ou seja que é impossível, normalmente, comprar desses autores uma amostragem suficiente das suas obras.
4 Se porventura o leitor for por um clássico, redobrarão os seus trabalhos e aumentará o seu mal-estar: é duvidoso que arranje, p.e., uma edição das canções de Camões, sequer alguma recolha dos seus sonetos. Encontrará sobretudo poetas do século XX, não todos, claro, nem sequer muitos e provavelmente nem de Fernando Pessoa encontrará as obras completas, seja em que edição for, desde a da Ática até às mais recentes.
5 Sempre dentro desta livraria, a melhor, repete-se, do Porto e uma das duas ou três melhores do país (exceptuamos o caso especial da Atlântica, da Madeira), poderá o leitor cabisbaixo encontrar duas ou três revistas de poesia ( vg a Relâmpago, se tiver saído ultimamente algum número, ou então mais uma dessas marginais e clandestinas que some durar o tempo de um suspiro) mas de certeza que não encontrará mais do que isso.
6 Mas suponhamos que antes, o leitor, tenha tentado saber o que é que se publica no ramo “poesia & correlativos”. Suponhamos, ainda que, dementado pela idade ou por exemplos malsãos vindos da estranja, queira o leitor consultar um jornal, ou vários, e procure o que costumava chamar-se o suplemento literário. Descobrirá estupefacto que anda à procura de gambuzinos (é com u ou só com o?) e que fora o caso pobre, pobrete, tristonho e toleirão do “Público” suplemento literário é mais raro que o lince da Malcata.
7 O mau humor que insidiosamente o vai tomando crescerá quando notar que mesmo no pomposo mil folhas, poesia é quase tão rara quanto receitas de cuscus à Narcisa. Ou melhor, pode ocorrer que se fale de algum poeta, mormente dos do costume (Ramos Rosa, Hélder, Cesariny Júdice, Graça Moura et alia) se porventura publicaram alguma coisa e há espaço de sobra no jornal por falta de editora que queira pagar a publicidade de alguma última pachochada que publicou. E quando se fala de poesia não se está a falar da publicação de um poema mas apenas da notícia critica de um livro. Poemas é coisa de que o cronista já se não lembra de ver em letra de jornal.
8 Esta litania lúgubre demais para madrugada de Sábado podia ir até ao numero 100, o mesmo é dizer, ja que estamos em Maio, que dava para um terço inteiro bem puxado por duas tias velhas e respectiva empregada de dentro. Vem um pouco a propósito da confissão do Anto que tem na gaveta ( e eu bem o sei…) poemas que enchiam uma camionete de carga.
9 Os incursionistas tiveram oportunidade de o ler, anda por aí um poema dele com mais comentários que o Mourinho e o Chelsea juntos, o homem publicou um livro na falecida mas saudosa Centelha que em poucos anos e à sua conta pariu umas seis ou sete dezenas de livros de poemas, em edições generosas ( entre 1500 e 2000 ex) a preços de saldo, unindo fraternamente gerações, escolas e estilos. A crítica foi simpática, e justa, há que dizê-lo, pelo que tudo levaria a pensar que bastaria ele querer publicar e zás apareceria um editor, um pouco alucinado, claro mas editor apesar de tudo, fazendo as suas contas e achando que valia a pena correr o risco.
10 Mas não. Neste momento em Portugal tirando a Assírio e Alvim e a Caminho não há editora que se atreva com a poesia. Bom, há, de facto, escondidas pela província, umas pequeníssimas casas de poesia que editam. Normalmente editam os poetas do seu circuito, muitas vezes em sistema de auto-edição. Trata-se de iniciativas estimáveis, que merecem apoio ( e o apoio é comprar-lhes os livrinhos…) mas que lutam contra tudo. Não têm distribuidora, e se a têm lá se vai quase todo o “lucro” (isto é um modo de falar: lucro, o que se chama lucro, népia… mas vocês percebem…), as edições são minúsculas e o cansaço chega ao fim de poucos anos ou mesmo de alguns meses.
Ora:
Se não há editoras
Se só se editam os consagrados
Se não há revistas onde se publique um poema, uma nota de leitura, sequer um aviso: “comprem que é bom”
Se não há páginas literárias nos jornais
Como é que querem que se saia do deserto em que estamos a perder-nos?
Como é que um jovem poeta pode saber se o que escreveu vale a pena, se escreve para a gaveta, para a namorada que o acha esquisito, para a tia velha que preferia um soneto, para um par de caridosos amigos que lhe recomendam faz antes uma letra em inglês para uma banda que desafina em vilar de mouros?
Como é que se afina a pontaria, se obtém oficina, se apanha um porradão, vá mas é escrever recitas de bacalhau à biscainha, seu palerma!… ?

Felizmente, dirá alguém, há um blogue amigo, aí ao menos há um par de leitores, sempre é melhor do que nada… bla, bla, bla.
Claro que também há outra receita para o candidato a glória das letra pátrias: mete-se na quinta do não sei quê ( e não sei mesmo, desculpem lá, mas falo daquela onde andou o malacueco do Marco de Canaveses e onde anda a Cinha Jardim) e à saída basta dizer que tem um livro que logo aparece editor. Ou ir para modelo, com mamas exuberantes e siliconadas, que são dois argumentos de peso para qualquer editor. Ou frequentar as revistas do coração… Ou ser locutor ( melhor locutora) de televisão.
Tirante isto o melhor é dedicar-se à prosa. Escreve a lista das compras uma vez por semana e munido desse precioso pedaço de papel vai ao hiper mais próximo, merca o que tem de mercar e no fim deita a folha inútil e imprestável no recipiente onde também se põem uns bilhetes com o nome e morada para nos sair uma viagem ida e volta à dominicana com meia pensão. Às tantas pode mesmo sair e já se ganhou qualquer coisa.

PS: de vez em quando sinto saudades do desaparecido Carteiro que agora, parece, está de recoveiro lá pelo Marco. É que ele, de vez em quando, aparecia assim: amarelinho e merencório como hoje apareço.
Se isto fosse a farmácia ou o Bonheur, proporia, como antídotos: o Le Monde das sextas feiras e respectivo suplemento literário. O El País de sabado e o suplemento Babélia. O ABC dos sábados e o suplemento cultural. Etc... etc...
Frau Kamikaze: Haben Sie das gesehen? Diese schoene Farben?
Isto é para prevenir os incautos que vem aí poesia da Alemanha. Viel Gluck! Schuss!