Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

As perguntas certas

O meu olhar, 31.08.05
Cheguei de férias. Saí de cá com o país a arder e no regresso encontro-o ainda pior. Percorri perto de 4000km por terras de França e Espanha, grande parte do percurso em montanhas, e não encontrei 1 (UM!) incêndio, nem terras queimadas. Chego cá e é a desolação que me acompanha da fronteira de Bragança até ao Porto. Ligo a televisão e ouço comentários gastos de como resolver ou atenuar o problema. Diagnósticos, mais diagnósticos. Um cansaço. E ouço: limpar, reflorestar, comprar, formar. Estamos todos de acordo. E ouço perguntas: o que leva à ocorrência de tantos incêndios: incendiários atiçados pelas televisões? Interesses privados dos detentores dos meios aéreos e dos madeireiros? A improvidência de alguns?...?
Fico a pensar: porque é que não se responde às perguntas certas, como seja: Porque é que não se traduzem os muitos diagnósticos em acções concretas, visíveis e eficazes? Porquê? Que interesses, que incompetências não deixam que exista um verdadeiro plano de acção, com intervenções de curto e longo prazo, que atenuem fortemente o problema? Não há nada a inventar. Os nossos parceiros europeus fizeram-no. Veja-se o que se pode adaptar ao nosso país e avance-se.
O Governo deveria apresentar um projecto de intervenção, com acções bem identificadas e calendarizadas e dar contas, fase a fase.
Em Paris, um francês, chocado com as imagens de Portugal a arder, que ele já visitou inúmeras vezes, perguntava-me: Porquê? E contou-me o exemplo da região de França onde habita e que procedeu à limpeza das matas, à reflorestação adequada, a um mais criterioso ordenamento do território. As respostas são sempre as mesmas. Porque não se faz?
Um belga, de visita ao nosso país, admirado com o caos que é a nossa floresta contou-me que no seu país para se abater uma árvore é preciso autorização pela entidade competente. Aqui, o ministro da agricultura falou do imperativo de organizar a floresta, rever plantações de eucaliptos e pinheiros e reacções? Um responsável por uma reserva florestal, que tanto quanto sei está sobre a tutela deste ministro, diz que não, que ele não autoriza essas modificações. Um proprietário, face à mesma questão ofende-se com a possibilidade de se restringir o a sua possibilidade de usar a “sua” a floresta. È uma anedota. Neste país, onde a democracia já está há 31 anos, ainda se confunde liberdade com a possibilidade de se poder fazer tudo que nos dá na real gana.

PENSAR...O TEMPO

Incursões, 31.08.05

Sim, meu caro Lucílio, reivindica a propriedade da tua pessoa; recolhe e põe em segurança o tempo que até agora te foi subtraído, roubado, ou que tu deixavas escapar. Acredita-me, as coisas se passam exactamente como estou dizendo: alguns momentos nos são arrancados, outros escamotea­dos, outros mais nos escorrem pelos dedos
[….]
Cita-me um homem que saiba dar ao tempo o seu prémio, reconhecer o valor de um dia, com­preender que morre a cada dia. Nós nos engana­mos quando pensamos ver a morte diante de nós: ela já está em grande parte atrás de nós. Tudo o que pertence ao passado é do âmbito da morte. Portanto, meu caro Lucílio, age como dizes na tua carta: sê o proprietário de todas as horas. Serás menos escravo do amanhã, se te tornares dono do presente. Enquanto a remetemos para mais tarde, a vida passa. Nada, Lucílio, nos pertence; só o tempo é nosso. E o único bem, fugitivo e submetido ao acaso, que a natureza nos deu: qualquer pessoa pode privar-nos dele.

Séneca Cartas a Lucílio


in As relações humanas – A amizade, os livros, a filosofia,o sábio E a atitude perante a morte –ed. Landy –Introd. e trad. de Renata Maria Parreira Cordeiro

Auto-interpretação

ex Kamikaze, 31.08.05
Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças
2005-08-30
Comunicado de imprensa


"Entrada em vigor da lei que determina a não contagem do tempo para a progressão nas carreiras da Função Pública

A partir de hoje está em vigor a Lei da Assembleia da República, aprovada a 28 de Julho, que determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão automática nas carreiras da função pública e congela o montante dos suplementos remuneratórios até 31 de Dezembro de 2006. A este propósito relembra-se que:"
ver aqui.

Comentário de J.T.R.P. no Verbo Jurídico:

"Já só faltava na nossa democracia o instituto da "auto-interpretação" da legislação.
Por isso, este governo - como não podia deixar de ser - lançou um inédito comunicado pelo qual interpreta a lei aprovada na AR sob sua proposta." (...)

O post pode ser lido na íntegra aqui.

Os julgamentos antecipados na imprensa

José Carlos Pereira, 30.08.05
O caso que envolveu o ex-deputado do PSD, Cruz Silva, e o presidente da Câmara de Águeda, Castro Azevedo, e que culminou com a respectiva absolvição em primeira instância, por ausência de provas concludentes, é revelador da forma como a imprensa trata os alegados crimes praticados por políticos.
Durante meses, os jornais chamaram este assunto às primeiras páginas e deram uma grande cobertura às investigações e mesmo ao julgamento, construindo uma ideia generalizada de culpabilidade dos arguidos. Já no momento da divulgação da sentença, contrária às expectativas criadas pelos jornais, os destaques foram mínimos e relegados para as páginas interiores – o “Público” fez um pequeno artigo nas páginas nacionais e o “Expresso” desta semana não foi além de uma breve.
Sou insuspeito de simpatias pelos envolvidos no processo e reconheço que tudo aquilo que se foi sabendo de Cruz Silva revela um carácter e uma forma de estar na política a todos os tipos condenável. O próprio tribunal absolveu os arguidos no meio de muitas incertezas e dúvidas. Contudo, não posso deixar de lamentar o comportamento da comunicação social, neste como em muitos outros casos, pelo facto de estar sempre pronta para lançar a acusação pública sobre determinados suspeitos, mas ao mesmo tempo ser incapaz de reconhecer que a decisão dos tribunais, aquilo que efectivamente vale num estado de direito, muitas vezes contraria e refuta as teses que foram sendo desenvolvidas nas páginas dos jornais, as quais podem já ter provocado danos pessoais irreparáveis.

Burocracia, desleixo, incompetência - "a never ending story", cap. II

ex Kamikaze, 30.08.05
Continuação deste post.

Então dizia eu que pelas 12H00 chegara finalmente a vez de a empresa ser atendida na IGT.

A funcionária do atendimento até era simpática.
Têm isto? Sim. E mais isto? Sim. E aquilo? Sim, sim, sim!
E aqueloutro? Não(!), mas essa documentação não consta como sendo necessária no vosso site na internet! Ora ora, isto de sites, sabe como é! Os que põem lá essas coisas não sabem nada, nós aqui, que fazemos o atendimento, que despachamos os processos, é que sabemos o que é preciso. Nós é que sabemos!
Sem esses documentos nada feito. Não, não pode deixar cá nada, tem de entregar tudo de uma vez. Vão ter de cá voltar.
Tudo bem, vá lá, eu compreendo, podem vir deixar a documentação na portaria, a qualquer hora de expediente, mas eu já não os atendo, tenho de despachar o serviço, que aqui até o temos em dia, mesmo com boa parte do pessoal de férias, ontem fiquei cá até às tantas, vai ver que o nosso parecer não vai demorar mais que uns 3 ou 4 dias.
Agradeciam a compreensão (ups! ainda bem que a “propalada” reclamação pelo início tardio do atendimento não fora ainda colocada na caixinha-das-sugestões-ajude-nos-a-melhorar-os serviços!)
Comprovativo de entrega dos documentos? Essa agora, aqui não damos isso, aqui nada se perde! Mas é normal entregar um comprovativo a quem dá entrada a um processo, até o nº do respectivo registo… Não damos, não é preciso. Mas… Aqui não damos nada. Bem, olhe, quando trouxer os documentos, peça ao porteiro/segurança para pôr um carimbo com a data da entrada numa cópia do requerimento.
Bem… registavam-se progressos, era hora de meter a viola no saco.
Nessa mesma tarde o porteiro/segurança apunha o carimbo de entrada em cópia de (novo) requerimento, desta feita enunciando todos os documentos com ele entregues pela empresa - ou melhor, por ela alegadamente entregues, pois nada foi conferido...!

Mais ou menos dentro do prazo prometido o parecer positivo da IGT à contratação do José estava na sede da firma.
Uau!
A “propalada” reclamação teria sido mesmo injusta! Ainda bem que não a fizemos!
Ups! Lendo agora atentamente o parecer, verificavam que o nome do trabalhador estava incorrecto em parte e que as funções para cuja contratação era dado o tão esperado parecer positivo não eram as indicadas pela empresa e às quais se referia, inequivocamente, quer o requerimento apresentado na IGT, quer toda a documentação que suadamente o acompanhava, desde logo o contrato de trabalho - ou seja, as funções de pau para toda a obra – mas sim as regulamentarmente não admitidas de caçador de gambuzinos!!!
Como era possível???

A empresa disparou para a IGT.
Fosse porque uma inesperada flexibilidade de espírito tivesse subitamente acometido o porteiro/segurança, fosse porque o rosto da firma espelhava uma determinação inequívoca (ou seria fúria?), a autorização para subida ao andar de todos os pequenos poderes de experiência prática feitos foi quase prontamente concedida.
Realmente isto está mal! Ah, mas a culpa foi do IEFP, que emitiu informação errada quanto ao ROT!(*) Mas então não conferiram os documentos que juntámos??? Ah, não, nós só conferimos o ROT! Mas então para que exigem toda aquela documentação???!!! Não é para verem se o contrato de trabalho está conforme à lei, no caso se existe seguro de acidentes de trabalho e mais isto e aquilo e aqueloutro que exigem ???!!!
Pois é… tem razão, mas nós só conferimos o ROT! Olhe, aqui não podemos fazer nada, tem de ir de novo ao IEFP para eles fazerem novo parecer. Mas depois pode entregar-nos aqui em mão, a qualquer hora de expediente. Vão ter de cá voltar.
A empresa agradeceu a boa vontade.

E disparou para o IEFP-Centro de Emprego.
A responsável do processo continuava nas suas intermitentes férias, só voltava no dia seguinte, o director, para variar, não estava, mas fosse por genuína boa vontade – desde logo da recepcionista - fosse porque o facies da empresa evidenciasse sinais de estar à beira de um ataque de nervos, foi a mesma recebida, pouco depois, pela chefe de serviço.
Foi rapidamente confirmado o incompreensível lapso – de facto a empresa solicitara a contratação do José para ser "caçador de gambuzinos" e fora-lhe dito pelo IEFP que tal não era admissível; quando a empresa, nessa sequência, solicitara a contratação do José como "pau para toda a obra", fora-lhe dito pelo IEFP que autorizava a contratação do José com o ROT de ..."caçador de gambuzinos"!
Não se encontrava explicação para o engano. Adiante, precisamos de um novo parecer o mais rapidamente possível!
Bem, vou ver o que posso fazer.
Pôde e fez: ao fim da tarde a senhora directora de serviço telefonava à empresa a informar que o novo documento, corrigido, estava pronto! Bem, afinal ainda há quem tente resolver os problemas! São estes pequenos nadas que nos fazem crer, a espaços, que nem tudo está perdido neste país!

No dia seguinte de novo a IGT, mais uma vez directo ao andar de todos os pequenos poderes - a empresa já devia ter ganho estatuto e/ou, da 1ª vez, o porteiro/segurança estava apenas de mau humor, todos temos os nossos dias, afinal ele nem parecia estar a falar muito a sério quando dissera estou farto de ver as vossas caras (as deles, emigrantes), mostrem-me mas é os passaportes, os passaportes!
É desta, é desta!
Não foi.

Afinal, no novo documento emitido pelo IEFP a categoria profissional referida não correspondia exactamente à constante do contrato de trabalho. Embora fosse aparentada :(
Olhe, aqui não podemos fazer nada, tem de ir de novo ao IEFP para eles fazerem novo parecer. Mas depois pode entregar-nos aqui em mão, a qualquer hora de expediente. Vão ter de cá voltar.
A empresa agradeceu a boa vontade.

E mais uma vez disparou para o IEFP-Centro de Emprego.
A responsável pelo despacho do processo continuava, afinal, de férias, a chefe de serviço iniciara as suas e o director continuava a não estar. Mas deixe que tomamos nota do assunto e vamos ver se amanhã se consegue resolver isso.

A saga continuava. Aguarde, tal como a empresa, as cenas dos próximos capítulos.

(*) nº de código dado pelo IEFP, que corresponde às funções a desempenhar pelo trabalhador

Burocracia, desleixo, incompetência - "a never ending story", cap. I

ex Kamikaze, 29.08.05
Por muitas e boas razões que não vêm ao caso, o José parecia o homem certo a contratar pela empresa.
Brasileiro oriundo do Piaui (um dos estados mais pobres do Brasil, se não o mais pobre) e residente no país da sua nacionalidade, aquela oferta de emprego em Portugal pareceu-lhe uma oportunidade a não perder: eram-lhe oferecidas, por pessoas que conhecia e nas quais tinha razões para depositar confiança, condições de estabilidade no trabalho, alojamento digno, benesses para a sua família e um bom salário, mesmo para os parâmetros portugueses.
Sabia-se de antemão que havia muita burocracia a vencer, mas parecia haver tempo de sobra até meados de Setembro, data em que começariam, em Portugal, as aulas da filhota de 11 anos que, naturalmente, tal como a mãe, viajaria com o José - obtidos que fossem os vistos, os delas ao abrigo da "lei de reunião familiar" .

Depois de pesquisas várias junto de organismos oficiais e nos respectivos sites na net, concluiu-se que, para o José iniciar, no Brasil, os procedimentos para obtenção do(s) Visto(s) - tipo IV, a empresa tinha que obter, previamente, em Portugal, dois pareceres positivos à sua contratação:
– um primeiro do Instituto do Emprego e Formação Profissional-IEFP/Centro de Emprego da zona onde seriam exercidas as funções, através do qual seria confirmado o registo fiscal da empresa (CAE) em actividade compatível com as susceptíveis de contratação de emigrantes (aliás, poucas), bem como a inclusão das funções a desempenhar pelo trabalhador nas previstas para contratação dos mesmos;
- um segundo da Inspecção Geral do Trabalho (IGT), através do qual seria confirmada, para além da regularidade de um sem fim de documentação garantística para o trabalhador, a conformidade do contrato de trabalho com as normas específicas exigidas para a contratação de emigrantes.

Procurando mais fácil orientação por entre os inúmeros instrumentos legislativos/regulamentos aplicáveis, a empresa confiou, sem mais, em informação dada pela pessoa responsável pelo despacho deste tipo de processos no Centro de Emprego, quanto ao tipo de funções admissíveis para contratação de emigrantes. Acabou, assim, por ver recusado o pedido de parecer do IEFP porquanto, muito embora a actividade por ela desenvolvida admitisse, em abstracto, a contratação, não era a mesma autorizada para as específicas funções referidas para o trabalhador (ao contrário do que, como se referiu, fora informado). Chamemos a estas funções inicialmente propostas, para aligeirar e facilitar melhor compreensão futura desta saga, as de “caça aos gambuzinos”.
Passara, entretanto, mais de um mês.

Após diligências várias para obtenção de novo CAE, correspondente a actividade secundária constante do pacto social da empresa, no âmbito da qual as funções a desempenhar pelo trabalhador também se inseriam, não se colocando, neste caso, restrições à contratação de emigrantes para o seu desempenho, juntou a empresa, ao processo já iniciado no Centro de Emprego, requerimento solicitando a emissão de novo parecer, agora favorável atenta a documentação com este junta e as diversas funções a desempenhar pelo trabalhador. Chamemos a estas, pelas razões já acima referidas, as de “pau para toda a obra”.

Entretanto, porque o tipo de actividade no âmbito da qual a empresa manifestara agora, junto do IEFP, pretender a contratação obrigava a juntar ao parecer a pedir à IGT, mais um sem fim de documentos, tratou de os obter.
Tornava-se necessário para tanto e para além de muito, muito mais, adquirir impressos. Alguns estavam esgotados naquela cidade de província e não se sabia quando viriam mais, pelo que o melhor era adquiri-los em Lisboa. Enfim, compraram-se... na capital.
Quando tudo parecia em ordem para obter os almejados documentos que haviam de acompanhar o pedido de parecer à IGT, eis que surge esta insólita situação: para os conseguir a empresa necessitava comprovar a existência de um seguro de acidentes de trabalho em nome do trabalhador, apesar de este ainda não o ser… e poder nunca vir a sê-lo! Tendo em vão tentado obviar a este absurdo, acabou a empresa por se propor fazer tal seguro, naturalmente com eficácia imediata no que a pagamentos do prémio respeita…

Foi então que a compreensão por parte do responsável local da seguradora – ainda que conseguida à custa de não poucas manifestações de determinação (ou seria já de desespero?) por parte da empresa -, relativamente ao absurdo da situação que se desenhava, obviou a que esta se visse forçada a desistir da contratação do José, naquele preciso momento em que se propunha fazer o dito seguro! É que, ao menos aparentemente, sem tal compreensão, ao efectuar este novo contrato com a seguradora a empresa teria a taxa do já existente para os seus trabalhadores (todos no âmbito da actividade principal da firma) aumentada para mais do triplo, por ser esta a taxa aplicável à actividade secundária ao abrigo da qual fazia o seguro do seu putativo novo trabalhador, automaticamente extensível a todos os demais, ainda que comprovadamente não trabalhassem na mesma actividade!
O José não o sabe, mas foi graças a esse momento de sensibilidade anti-burocrática, de alguém cuja intervenção em todo este processo não se cogitava, que pôde continuar a ter esperança no seu futuro em Portugal…!

De insistência pessoal em insistência telefónica e vice-versa, junto do Centro de Emprego, e depois de constantes promessas nunca cumpridas de “assim que estiver pronto telefonamos” e ”é já amanhã”, mais outro mês decorrera quando o novo parecer veio finalmente. Era positivo, hélas!

O passo seguinte era o pedido de parecer à IGT, para o que era necessário madrugar à porta das instalações, pois o atendimento é feito só de manhã e são distribuídas, diariamente, às 09h00, apenas 10 a 15 senhas, salvo-conduto indispensável para se chegar à fala com o funcionário de serviço e fazer entrega da documentação.
Como ali ainda não chegara a moda de “comprar o lugar na bicha” (falta de mercado, por razões óbvias...), o melhor era estar à porta pelas 8H00.
A 1ª tentativa gorou-se: volte amanhã…
A empresa voltou. Mais cedo, claro. Mas, ainda assim, já estavam 21 pessoas à porta da IGT... as hipóteses de conseguir senha eram improváveis. Porque de um processo de determinação já há muito (também) se tratava e o tempo começava a urgir, aguardou. Pacientemente, como o faziam os 21 brasileiros, ucranianos e (até) paquistaneses que pareciam já conhecer bem o empedrado daquele passeio à porta da (des)esperança: sem bicha organizada, assim que o porteiro/segurança apareceu, às 9h00, com as almejadas senhas, todos sabiam quem estava à frente de quem.
Ditou a sorte que algumas dessas 21 pessoas pretendessem apenas informações, ou seja, que lhes fosse distribuída uma senha cor-de-rosa, conseguindo a empresa, num sufoco crescente à medida que a bicha decrescia, obter a 13ª senha amarela em... 15.

O atendimento só se iniciou pelas 10h00. Na pequena sala de espera, atulhada, apenas se ouvia a voz do porteiro/segurança quando, uma vez por outra, na sequência de algum telefonema, soprava "isto hoje está um caos, isto está um caos!" Ao que os expectantes, silenciosos, se limitavam a apertar ainda mais, com as mãos àsperas, as pastas de plástico baratuchas com mais aquele papel que faltava da última vez.
Pelas 11h00 chegou da rua uma mulher (que penara para conseguir subir as escadas com o carrinho de bébé que empurrava, sem que os ali presentes lhe dessem uma mão), visivelmente "a leste", a quem o "assoberbado" porteiro/segurança acabou por, condescendente, informar que só poderia ser atendida no dia seguinte. Vendo-a ficar hirta, desorientada, no meio do exíguo espaço, agarrada ao carrinho de bébé, a empresa interpelou o porteiro/segurança: não pode ao menos informar a senhora que tem de vir cedo, antes das 8H00, para conseguir senha?! Ah não, isso não posso fazer, eu sei lá se no próximo dia vai haver muita ou pouca gente para ser atendida! Mas à nossa empresa informou isso mesmo pelo telefone! Bem, isso depende, enfim, eu não posso assumir essa responsabilidade, isto está um caos, bem, olhe, a senhora é melhor vir antes das 8H00...
Enquanto isto, nem uma agulha bulia no silêncio do caminho: os pares daquela mulher há muito haviam aprendido as vantagens de não levantar cabelo...
Aproveitando a embalagem, a empresa, alto e bom som, protestou ir fazer reclamação escrita (a caixinha em frente estava mesmo a pedi-las: "ajude-nos a servi-lo melhor, deixe aqui as suas sugestões!") pelo facto de o atendimennto só ter começado às 10H00, quando os serviços abriam às 9H00 e havia ali gente à espera pelo menos desde as 7H00!

Pelas 12H00 chegou a vez de a empresa ser atendida.

É claro que a saga estava longe do fim. Pelo que, devido ao adiantado do post, noutro se seguirão as cenas dos próximos capítulos.

Lei n.º 42/2005, de 29/8

ex Kamikaze, 29.08.05
Lei n.º 42/2005 DR 165 SÉRIE I-A de 2005-08-29
Sexta alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), oitava alteração à Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), quinta alteração à Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Funcionários de Justiça), diminuindo o período de férias judiciais no Verão - ver aqui no DRE.

Férias inadmissíveis

ex Kamikaze, 29.08.05
(...) Sendo o acesso à justiça e a resolução de litígios em prazo razoável direitos fundamentais dos cidadãos, consagrados no art. 20ºda Constituição, parece evidente que esses direitos não podem sofrer limitações, ainda que temporárias, suspensões ou compressões, face ao disposto no art. 18º da mesma Constituição, o que vale por dizer que qualquer cidadão tem o direito de ver a questão do seu crédito, divórcio, etc., discutida e decidida em tribunal em qualquer mês do ano, mesmo no mês de Agosto.
A norma que limita o direito de acesso ao tribunal é inconstitucional (...)
As férias que afectam a função judicial e o andamento dos processos em geral são tão absurdas como as férias que condicionam qualquer função do Estado, ou o funcionamento de qualquer órgão de soberania, como os tribunais ou a Assembleia da República.
Não se devem confundir as férias das pessoas com as férias das instituições e, se é indiscutível o direito a férias do trabalhador por conta de outrém (art.59º,nº1, da Constituição), todas as outras férias não são objecto de qualquer direito e as férias das instituições públicas são mesmo inadmissíveis, ainda que se traduzam na redução da actividade, ou procedimento limitado aos casos urgentes, como sucede nos tribunais, com a garantia do serviço de magistrados por turnos. (...) É verdade que o Governo assumiu a redução do período das férias judiciais sem coerência e def orma demagógica, como se esta medida resolvesse os problemas dos atrasos da justiça em Portugal. Houve demagogia na forma e a justiça mandava que acabassem de vez as férias judiciais. (...)
Concluiremos por dizer que Portugal tem sido dirigido, há muitas décadas, sobretudo por juristas e que os resultados são visíveis e lastimáveis.

Joaquim Pires de Lima, advogado, in Público de 27/8/05

É uma vergonha

ex Kamikaze, 29.08.05
(...) Um dia desta semana que passou, o presidente do TC viajava no carro oficial, uma máquina reluzente, a condizer em qualidade e prestígio com a função pública exercida. Era conduzido por motorista, como prevê a lei e também como a lei prevê, foi detectado a circular a cerca de 200 K/h numa autoestrada do país, a poucos quilómetros de Lisboa. (...)
Pode dizer-se: a culpa é do motorista! Ou alegar-se que o presidente ia distraído; ou...ou...
Seja o que for, é uma vergonha! E como tal, que se assuma a mesma com todas as consequências. Isso, sim, revela dignidade e força de carácter. No melhor pano cai a nódoa e hipocrisia será fazer de conta que assim não é. (...)
Assim, a uma figura com a importância estatutária do presidente do TC, é rasteiro demais fugir a qualquer responsabilidade, alegando-se urgência extrema na deslocação. Como parece que aconteceu.Se foi assim, lembra o caso triste do cachecol que apareceu "por acaso" aos ombros de outra figura institucional da magistratura. E essas tristezas, começam a fartar.

O post do José pode ser lido na íntegra aqui.

Pág. 1/8