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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Sonhos, enjoos e desilusões

Incursões, 31.10.05
...
Na noite passada, dormi mal, coisa que, não sendo extraordinária, teve uma interessante particularidade: nos últimos tempos tenho sonhado tanto de noite, que estou a chegar a um estado de grande refinamento, uma vez que já não me limito a sonhar: consigo ir gerindo os meus sonhos à medida da minha vontade, ainda que - verdade seja dita - nunca consiga levar o meu bom sonho até ao fim. Acaba sempre quando eu mais queria que ele seguisse o rumo que lhe vou definindo.

Farto de sonhos mal acabados, levantei-me cedo. Mal-disposto, pois claro, porque eu acordo sempre mal-disposto, mesmo que não sinto a frustração dos bons sonhos inacabados. E foi mal-disposto que fui tomar o pequeno almoço e ler o Público. Apelativa manchete. Comecei a ler o cerne da questão, aquela coisa relacionada com o processo de Felgueiras. Pouco tempo depois, estava enjoado. Não, não era da úlcera - era do que lia. Senti uma revolta imensa, por entre o enjoo. De tal forma, que decidi voltar para casa. Deitei-me no sofá e acabei de ler. Tinha um prazo para cumprir, hoje, e só por isso acabei por voltar a sair de casa, horas depois, rumo ao escritório, onde também não tive razões para ficar bem disposto.

Durante o jantar pensei na vida. Depois do jantar, continuo a pensar na vida. A notícia do Público atravessa ininterruptamente o meu pensamento quando penso sobre a vida. E - muito mais do que em qualquer outro dia - senti uma enorme pena de mim, pena de ser como sou, pena de ser um crédulo, pena de ter sido educado assim, pena de não ter aproveitado as grandes oportunidades da vida, mesmo quando nem sequer eram incursões na ilegalidade mas apenas de ética duvidosa.

Tenho pena de mim. Sobretudo porque aos 45 anos já não vou a tempo de mudar. Nem tenho estômago para isso.

Não voltarei a escrever aqui nem em lado nenhum sobre justiça. Foi, aliás, quando comecei a pensar a sério no que é a justiça e a suspeitar as coias de que agora estou certo, que deixei de participar em debates públicos sobre o tema. Por isso, minha estimada administradora, sempre que, por distracção, eu escrever aqui sobre justiça, faça o favor de me remover.
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CHOQUE

ex Kamikaze, 31.10.05
Acabo de ouvir Marques Mendes (na SIC Notícias) dizer que Portugal precisa de um choque de vida. Não sei em que é que essa impactante frase se traduzirá, concretamente, no pensamento de MM. Mas sei que, por mim e por ora, o que eu queria era não ter tantos motivos para entrar em estado de choque quase de cada vez que leio/ouço as notícias diárias cá do burgo...!
E destas, sobretudo as que se referem àquele mundo que eu gostava de poder continuar a acreditar ser um reduto de honorabilidade - as do mundo da Justiça!
Mas como se já não bastassem todas as muitas que se vão lendo e ouvindo, uma pequena parte das quais também glosadas aqui no Incursões (v.g. nos comentários a este postal), eis que o Público de hoje e depois a Lusa proporcionam uma autêntica terapia de choque... em várias frentes - a menor das quais não foi a de ficar a saber o teor de conversas entre o ex-marido de Fátima Felgueiras e um Juiz Conselheiro, objecto de arquivamento liminar pelo Vice-Procurador Geral da República.

Que mais será ainda preciso (para além, também, do que bem referiram MST(*) no Público de 6ª feira e António Barreto no Público de Domingo) para que os sindicatos das magistraturas percebam que o seu discurso de revolta jamais será compreendido pelos demais cidadãos enquanto não visar, para além das más condições de trabalho, questões realmente estruturantes para a efectiva (re)credibilização da justiça (para a qual a falta de tapetes e afins, que me desculpem, não me parece empecilho) ??? Até quando continuarão, autistas, a esconder a cabeça na areia?

Compreendam que me continue a não apetecer escrever muito sobre estes temas (devo ter esgotado a "verve" em comentários a posts, quando começaram as "hostilidades", logo após o anúncio da intenção governamental de encurtar as férias judiciais). E fiquem em melhor companhia com o Compadre e o que vem escrevendo, designadamente nos mais recentes comentários ao tal postalito do carteiro que, apesar de estar em dia de pouca inspiração (ou por isso mesmo...) deu aso a interessante debate.

(*) MST desta vez, para variar no que aos temas de justiça respeita, acertou em cheio.

Farmácia de serviço nº 14

d'oliveira, 31.10.05
PICANTE Q. B. (e quanto convenha!)


"Nunca lá fui!"

Viajem aos mares do sul

Joaquim Namorado

"Tratou com o Camorim,
Calecut, imperador,
Suas bravatas, enfim,
eram dum urso de côr
."


Grandezas de Portugal
estância CXLIX

Capitão Joaquim António Pereira

Ponhamos que a fosforescente Crazy Grazy engana bastante: a gente tira-lhe a bissectriz e pensa -"esta governa-se com meia dose infantil!". Engano absoluto e de danosas consequências para quem, amável mas ignorante, a convidar para comer uma bucha: a personagem pertence à classe das frieiras, subclasse frieiras com bicha solitária, ramo cabe sempre mais uma empadinha! Deus, todo poderoso mas distraído, concedeu-lhe dose tripla de apetite, dentição completa e um total descaramento na hora de passar o babete à volta do pescoço: gosta de tudo incluindo fígado de porco (nisto batendo o meu venerável amigo Rui Feijó que exceptuava esta porcina miudeza do seu voracíssimo cardápio. Este Rui, ancião guloso de comidas e de sexo feminino em geral, não suportava a passagem fatídica do meio dia -tocavam as doze badaladas e ele caía numa aflição que só lhe passava com a primeira pratada de sopa... Com a CG é o mesmo: entre as seis refeições diárias está prostrada pela fome!).

"Mas se a criatura é um ogre desse jaez há-de ser mais volumosa que a enciclopédia luso-brasileira com suplementos anuais e tudo" - dirão os escassos leitores que, por penitência me aturam. Erro, queridos paroquianos, erro crasso que a desinfeliz de gorda apenas tem as orelhas e mesmo assim...Em que transformará ela as provisões que enfarda á tripa forra é mistério mais difícil que o da trindade e olhem que este é dos mais arrenegados.

Mas não é da ziguezagueante CG que queremos tratar mas tão só de um pratinho de que ela me pediu a receita que aqui se assentará.

Tomai pois apontamento ó voláteis filhos de Deus que o que se segue dá pelo nome de caril de camarão. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, caril é apenas a mistura de ervinhas e condimentos que, em molho, embebe qualquer conduto (camarão, caranguejo, galinha, porco e carneiro) e acompanha com arroz branco. Consta que os indianos o inventaram para, muito picante, matar a fome pelo simples expediente de pôr a língua do indígena a arder de tal modo que a vítima já só pensa em beber água.

Comece-se como recomendava o falecido Dr. Carlos Moreira, mestre de direito constitucional, pelo princípio: a menos que se conheçam as doses exactas dos componentes, o pó de caril há-de obter-se em qualquer comerciante indiano e não comprar-se já amortalhado em frasco: a diferença de aromas e sabores é enorme e paga a pequeníssima diferença de preços.

Outra recomendação que deve ser respeitada: os camarõezinhos hão-de ser grandes. O médio, tipo camarão da costa, deve reservar-se para um mano a mano com muita e boa cerveja de barril. Consoante o parceiro que se tem pela frente pode comer-se a meias ou pedir doses individuais. Este último expediente foi-me imposto depois de um frente a frente com o falecido António Mendes de Abreu, flor dos amigos a quem só não se perdoa a velocidade com que aviava estes crustáceos. Ia eu nos primeiros cem graminhas e já o Toninho averbava, no prato, os cadáveres de meio quilo. A partir dessa tarde fatal as nossas relações passaram a pautar-se pelo princípio "amigos, amigos, camarão à parte".

Portanto camarão bom de ver e melhor de apalpar! (A regra, de Camilo José Cela, tem, originariamente, como objecto as mulheres mas como o camarão goza da fama de afrodisíaco também dá...) Nada de miolo de camarão a menos que se use tal artigo apenas com o fim de engrossar o molho. Em contrapartida pode ser do congelado, selvagem ou cozido. A diferença estará na cozedura final: o primeiro aguenta 8 minutos no máximo enquanto o segundo não há-de ser supliciado por mais de cinco.

Vejamos o rol dos necessários, para quatro pessoas, segundo receita antiga e saborosa: 2 tomates bem maduros, 2 cebolas grandes, 4 dentes de alho, 2 paus de canelas, 4 colheres de azeite, 1 maçã (se possível) reineta (e, querendo, 1 manga), 1 pitada de coentros e 1 frasco de leite de coco.

Passemos ao capítulo das regJelly Roll" Morton ou Teddy Bucknerras gerais de aviamento: tudo isto há-de ser cozinhado com vagares de sátiro velho, uma cervejinha para combater os calores e um entretém para a puxar (o entretém que ocorreu às amáveis mas estouvadas leitoras é para depois nunca para antes!!!) O fundo musical põe alguns problemas a quem não goste de música indiana, aliás inexistente nas discotecas portuguesas. O meu conselho atira para algum jazz "New Orleans", "Jelly Roll" Morton ou Teddy Buckner: música vigorosa, bem disposta um vago cheiro a casa de meninas no French Quarter e a comida "cajun".

Então vai ser assim: ao som do "Tiger rag" pelam-se e desgraínham-se os tomates. Sempre em "New Orleans" picam-se as cebolas e o alho. Vai tudo junto para a panela onde ferverá um quarto de hora ao som malicioso de Morton, a quem as "meninas" ( e elas lá saberiam porquê...) apodavam de "Jelly Rol"...À cautela mete-se o pó abençoado, mas não todo, que nisto há que proceder como o verdadeiro guerrilheiro: apalpa-se o terreno à falta de coisa mais palpável e vai-se, lenta mas inexoravelmente, ganhando posições, quebrando a vontade de resistir do inimigo que isto de culinária é como na guerra: persistência e apetite...

Já o aroma do estrugido se vai insinuando, aleluia, pela casa toda quando, num audacioso golpe de mão, se acrescenta a maçã esmagada à qual os mais malandrecos agregam uma manga bem madura. Sempre fervendo, ainda que num lume compassado e vivace chega a altura de se juntar o leite de coco e os dois pauzinhos de canela. A música é obviamente outra: Teddy Buckner, trompetista poderoso -comece-se com "Martinique" e com mão bailarina dêem-se duas voltas ao rescendente cozinhado e, já agora, zás!, afinfe-se com os coentros.

Ainda que se esteja a sacrificar aos deuses hindus (e eles são tantos) convém não citar Vatsyiayana e o seu dificultoso Kamasutra - já não há pachorra nem ginástica - se bem que seja permitido um pouco de Tagore: duas ou três passagens de "O jardineiro". Imprescindível, porque a cozinha é de pé que se faz, a citação da estrofe XXV: "E os meus pés não podem com o meu coração!" Doravante o cozinhado faz-se por si, a sábia volúpia do lume brando vai agregando cheiros e sabores - assim se foi fazendo (e faz-se!) a grande música seja ela de Bach, Mozart ou Ellington.

Entretanto, tem a palavra o arroz: sem estrugido se fazem o favor! Este arroz quer-se branco e ungido numa calda de água e leite de coco. Para que os grãos se soltem usar-se-á uma gordura: q.b. de manteiga ou margarina. Sal pouco.

Chegam os convidados - se os houver (e que há-de melhor, em volta da mesa do que amigos, risos, memórias e um vinho antiquíssimo e civilizado?)- é tempo de rectificar temperos e fazer entrar na molhanga rescendente o regimento camaroeiro que tanto trabalho deu a descascar. A bicharada terá quatro a cinco minutos de cozedura, tanto basta para trocar sabores e cor com o caril. Exceptuam-se os camarões crus que pedem mais três minutos que os anteriores patrícios. À mesa comensais e que seja pelos vossos e meus pecados. Comam-lhe bem e bebam-lhe melhor como aconselhava o pretendente Ciro aos chefes dos Dez Mil mercenários gregos que deram nome à retirada e a posteridade a Xenofonte de Atenas.

Bom apetite!

A Exma Srª Dr.ª Crazy Grazy, também conhecida por doris Ibarruri, cartomante velocipédica, primeira recipendiária desta modesta receita, decerto dará o seu imprimatur a que com ela se brinde o Ilmº e Exmº Sr. Dr. FBC, curry maker. Em se tratando de gente boa há lugar para todos...

ESCOLAS DE GAMANÇO

Incursões, 31.10.05
Bem treinadas pelo exemplo dos seus maiores, as JOTAS aí estão para nos garantir que a obra de Isaltinos, Felgueiras, Varas e quejandos não ficará inacabada. Leiam o Público de hoje ( infelizmente, só Local Lisboa), sobre uma associação de estudantes (da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa) controlada por uma das tais JOTAS, que recebia do Banif, em troca de lhe fornecer os dados pessoais dos estudantes, obrigando-os a abrir lá conta para se fazerem sócios. Claro que tamanho talento não pode ser desperdiçado, esperem uns anos e lá os veremos nos governos e conselhos de administração a darem-nos lições sobre os nossos exorbitantes privilégios !

estes dias que passam 2

d'oliveira, 29.10.05
Incursões 1 el pais 0: não é por nada mas foi só hoje que o grande “el pais” noticiou a morte de Antonio Soriano. Então muchachos? Andamos distraídos?

Mas o “el pais” é sempre um grande jornal. E hoje as notícias que traz fazem bem à alma. Ora vejam: em 2003, o PSOE perdeu o governo autonómico de Madrid porque dois dos seus deputados se passaram com armas e bagagens para o colo do PP (uns tais Tamayo e Teresa Saez). Finalmente sabe-se que um endinheirado empresário ligado ao PP se encarregou de os alojar num hotel a expensas suas nos dias anteriores à votação, sob a protecção de um “segurança” privado mitómano que posteriormente se fez passar por agente da secreta espanhola e agora confessou tudo.

Também do “el pais” respigo outra notícia que diz muito à minha geração, aquela que viu (e se comoveu com) “La hora de los hornos”: cerca de trezentos militares e polícias torcionários que praticaram crimes infames na Escudela Superior de Mecânica de Armada (Argentina) foram acusados pela Procuradoria Argentina, depois do Supremo Tribunal deste país ter revogado as Leis de Perdão e Ponto Final que exculpavam a militaragem facínora que surdiu do pântano graças às juntas ditatoriais.

Doutros sítios vem a notícia da acusação ao senhor Lewis “scooter” Libby. O cavalheiro entendeu denunciar uma agente da CIA. De nada lhe serviu ser chefe de gabinete do vice-presidente americano. Para já tem um processo às costas por obstrução à justiça, perjúrio e falso testemunho. Entretanto demitiu-se.
Este exemplo podia e devia ser seguido noutras geografias. Todavia a falta de sentido de estado e um modo brejeiro de entender a política parece prevalecer: não se vê sinal de vergonha sequer de arrependimento.

Finalmente: em França, quarenta anos se passaram sobre o rapto e o assassínio de Mehdi Ben Barka, líder marroquino oposicionista e principal dirigente da Tricontinental. O processo foi reaberto agora. Será desta vez que se conhecerão os nomes dos verdadeiros responsáveis?

Quem estas traça quis homenagear o esforçado e simpático JCP. Então não é que a sua croniqueta baseada na mudança de hora coincidiu (quase) com a mudança propriamente dita?

Paul Eluard

mochoatento, 29.10.05
Promenade



Habitude de courir,

Terre couverte et découverte,

Plus petite qu'un empire,

Bien étendue,

Mienne ici et là,

Ailleurs aussi,

Avec le geste pour rire

De cueillir

Les arbres et les promeneurs,

Leurs ombres et leurs cannes,

Le sol partout divisé.



Paul Eluard (14Out1895 - 18Nov1952)



Alguém me explica?

Incursões, 29.10.05
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  • Associação Sindical quer ver Governo a explicar o alegado envolvimento de Alberto Costa na tentativa de influenciar um juiz, em 1988, em Macau. A ser verdade, o governante deve pedir «a demissão», refere Baptista Coelho. Ministro está «disposto a explicar» e não ignora o «timing» da notícia.

É o que se lê nos jornais de hoje. E eu questiono: se os senhores juízes têm o direito de pedir a demissão do ministro (por actos alegadamente praticados quando nem sequer era ministro), os ministros também vão poder passar a escrutinar a acção de magistrados concretos? Não atentará isto contra a separação de poderes?

O "caso Felgueiras"

Incursões, 28.10.05
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Andam todos preocupados com as greves e as coisas (também) importantes passam ao lado, até num blogue com as características do Incursões. Vejamos: o Tribunal da Relação de Guimarães decretou que o processo de Fátima Felgueiras voltasse à fase de instrução, em consequência de ter declarados nulas algumas das escutas telefónicas feitas no âmbito do processo, bem como inadmissíveis as provas colhidas através de declarações dos sujeitos processuais que denunciaram o caso feitas na qualidade de testemunhas e que, posteriormente, foram constituídos arguidos. Não sei se a invalidade de tais provas põem ou não em causa a substância do processo. O que se sabe é que, pelo menos em teoria, o novo juiz de instrução pode decidir não pronunciar Fátima Felgueiras. Imagine-se que é isso que vai acontecer. Como sairá a imagem da justiça de tal situação? Como se irá convencer o cidadão comum - aquele em nome de quem a justiça é administrada - de que a autarca não teve razão em ter viajado para o Brasil, antes de ser presa preventivamente? E como se irá convencer o cidadão comum de que, afinal, o processo não é - como a autarca reclama - uma infâmia?
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É claro que quem se mexe nos mendros do direito sabe que as coisas não são assim tão lineares. Mas esses são poucos. E como se irá explicar que o processo pode ir ao ar porque houve erros clamorosos de quem dirigiu o processo?

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