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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Homenagem a Fernando Pessoa

Incursões, 30.11.05
ACIMA DA VERDADE estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como às flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza.

Ricardo Reis


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AQUELA SENHORA tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem…

Para que é preciso ter um Piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza

Alberto Caeiro
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TODAS AS CARTAS de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que sãoRidículas

Álvaro de Campos

estes dias que passam 7

d'oliveira, 30.11.05
Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...

Pois é, amigos, a Santa Gulbenkian, tratou de vos resolver essa maçada imensa de andar atrás de uma prenda de Natal: duma só vez, e por 40 brasas, oferece mais de 700 páginas de boa poesia: as traduções que David Mourão Ferreira fez de centenas de poetas. Vem tudo nos tês volumes seguidos da Colóquio Letras, acabadinhos de sair. Antes que me perguntem eis a numeração: 163, 164 e 165. Cá por mim, já me ofereci os voluminhos e à falta de melhor pretexto foi em honra da velhíssima Tomada da Bastilha coimbrã, que como o Rui do Carmo sabe, cai a 25 de Novembro. O David era um excelente professor e um bom poeta. Que os deuses imortais que velam pelos aedos o tenham no quentinho, com muitas ninfas em volta e bom vinho. O fragmento que abre este humilde diário é de Safo, traduzida pelo David.

E já que falamos em gregos, relembremos, uma vez mais, com gratidão e admiração a professora doutora Maria Helena da Rocha Pereira, felizmente ainda viva, e que, via Asa, nos oferece mais um belo naco de Grécia: Hélade, uma antologia de cultura grega. Ora aqui está uma senhora que honra a Universidade portuguesa e a de Coimbra em particular.

Outra notícia reconfortante: o sinistro Pinochet tem mais uma acusação em cima, desta vez por mera roubalheira. Para já está em prisão domiciliária.

E uma de pasmar: a excelente editorial Estampa, do meu querido amigo e colega dos primeiros anos de liceu, António Manso Pinheiro, começou em 86 uma óptima Nova História da expansão Portuguesa dirigida por Joel Serrão e Oliveira Marques. Dos 11 (onze) volumes previstos ainda faltam 4 (quatro!!!) e isso porque agora, de rajada saiu o volume terceiro em dois tomos. Comecei por ser aliviado de dois contos de reis e ontem esportulei 80 euros pelo vol III (em dois tomos). Ora toma! Pinheirinho, põe cá fora rapidamente os que faltam antes que a malta precise de ganhar o euromilhões para te pagar o produto...

E já que isto me fez voltar vinte anos atrás, lembrei-me de um final de Outubro de 81, ai esta velhice!..., e de Paris subitamente de luto: Brassens acabara de morrer e as pessoas cruzavam-se comovidas como se lhes tivesse morrido alguém familiar. O cantor dos oiseaux de passage e da mauvaise reputation está ainda tão vivo...Ó leitor José, e por Brassens não vai nada?

E o que diria ele, desses aviões sinistros que cruzam os nossos ares, com uma carga infamante de presos clandestinos, de presos “inexistentes”, em prisões “inexistentes”, por crimes eventualmente inexistentes, como já ocorreu, sem direito algum, sem nome, sem pátria e sem uma alma que os defenda?

Canto a paz em plena guerra
mas canto a guerra, também,
nesta paz três vezes maldita e assassina
Esta paz que é a dos cemitérios,
esta paz de arame farpado
esta paz sob as matracas
Eis porque canto a guerra revolucionária
pelos camaradas três vezes traídos
e uma outra vez pelos camaradas traidores:
Na minha inabalável humildade
canto a revolta.

(Wolf Biermann: Gesang für meine Genossen, trad. do escriba)

Diário político 8

Incursões, 29.11.05
correio eleitoral


para o Zé Valente

Então isso faz-se,? Piras-te para franças & Araganças, despedindo-te à francesa, esquecido do manual de etiqueta da Madame X que prescreve que quem parte apresenta cumprimentos e quem chega recebe-os?

Terá sido a fulgurante notícia da candidatura iminente (e não eminente, nota bem!) do meu já ex-camarada Salgado Zenha que te perturbou o tino e o tento e te levou a arrancar no primeiro comboio para Austerlitz e para o metro Porte d'Orléans/Clignancourt? Convenhamos que se foi isso o caso não é para menos: então aquela potentíssima figura moral que atravessava o deserto no PS não se resignou ao calor, à solidão, à areia, à companhia dos tuaregues e dos camelos, aos cada vez mais raros oásis, à dieta de tâmaras e, ZÁZ, CATRAPAZ, enfiou-se no lugar ainda quente deixado vago pelo Coronel Costa Braz? Ou, como diz o inefável "Jornal de Notícias", sai do PS e entra na corrida presidencial, a pedido do proletário Veloso y sus muchachos, convencidos que, com Zenha, levam água ao seu moinho (repara-me no trocadilho que é mimoso) e põem o Bochechas na situação evangélica de atar uma mó ao pescoço e atirar-se ao rio Letes? Terão acenado a este conspícuo dissidente interno com as huris do paraíso, com as bailarinas de Ragpur, com os Vergéis do Profeta e o título de Chefe dos Crentes que Harun Al Rashid usou (isto se se for dar fé à nocturna Scherazade, donzela ardilosa que, infelizmente, não encarnou na engenheira Pintasilgo)?

Enfim tens candidato ao passo que os meus "amigos políticos" têm - como se já lhes não bastassem as outras consumições! - mais sapo vivo a engolir. Que seja por bem como dizia a filha família no cinema ao sentir mão estranha pela coxa acima.

Nota, velho amigo, que, mais do que os receios eleitorais, me apoquenta o fim de uma imagem: de qualquer modo com o SZ fizeram os meus amigos um bom pedaço de caminho na tentativa de ratarem os poderes do SG (secretário geral para os leitores e não o amável produto da Tabaqueira). Lá se vai mais uma possível oportunidade para o PS no caso, não impossível, de se perderem as eleições e de se lavarem, de uma vez por todas, as estrebarias de Augias. Já daqui vejo os filisteus aos saltinhos dizendo "Vêem? Nós bem vos dizíamos ..." Não há dúvida que ao PS deu o beribéri e com força, chiça! E o pior é que, à volta, isto parece o México - vai tudo raso, sismo após cisma: mais grave ainda é que não se enxerga nenhum Pancho Vila e sabe-se que Pinochets não devem faltar. Entretanto nas hostes do partido da balança falsificada mais outra, e desta vez de peso, valha-me Sta. Auta: demitiram-se todos os da Comissão Consultiva (Botequilha, Rabaça, Caetano, Palma Carlos, etc....). Parece que ninguém lhes ligava nenhum e eles não levaram isso a bem. À boca cheia diz-se que um passo destes só com o aval de General Eanes. Se é assim, adeus minhas encomendas, vou ali e já volto. O simpático ajuntamento que se organizou para estas eleições esboroa-se ainda mais depressa do que eu pensava e as prováveis eleições que vierem põem lá a direita por muitos e bons.

Vem-me à lembrança um amigo doutros tempos que falava sempre do país dizendo que estava dividido em três províncias: Beócia, Capadócia e Arganázia, querendo com isto significar que entre cretinos, caguinchas e sacanas não escapava ninguém.


Vai ser divertido voltar a cantar o hino da restauração e decorar os deveres do Bom Filiado da Mocidade Portuguesa ("o bom filiado é aprumado, limpo e pontual", "o bom filiado ama seus pais e respeita chefes e superiores" etc. etc...). Já te estou a ver de "chefe de castelo" a arengar aos alunos, todos de gravatinha, pois claro! e a marcar deveres de casa. Com a idade que já tenho só me resta a "legião portuguesa" ou a outra, a dos antifascistas de longa data que até na retrete estavam calados não fosse haver microfones no cordão do autoclismo ou um periscópio da PIDE a sair do buraco da sanita. Tenho por mim que, ao contrário do que diz alguém, isto não é a hora do condor mas sim a dos urubus.

Como sabes, tenho, entre outros defeitos, estrouto: escrevo à máquina com dois dedos tentando por mera medida de economia - chegar com o recado dado ao fim da 2ª página. Por uma vez tinha arranjado um excelente fim. Bastava juntar uma lista de discos e livros a encomendar e estava feito, era só selar e pôr no correio: sentia-me um autentico escoteiro depois de praticar uma boa acção diária. Infelizmente no melhor pano cai a nódoa. A lista de tão escolhida, riscada, acrescentada e corrigida está no tinteiro, digo nas teclas da Royal. Dois inteiros dias se passaram e nada. O que vale é que, assim, te posso, de viva letra, contar a apresentação da candidatura do SZ perante Melo Antunes, Soares Louro, Letria, Arnault e Henrique Barros, entre outros. O movimento chama-se, palavra, juro que não estou a gozar, ZAP (Zenha à Presidência). Parece marca de fecho-éclair ou de remédio contra a falta de erecção mas foi o que se arranjou. Imagina um pouco se o Freitas, a Pintasilgo e Soares entravam nesta guerra de onomatopeias FAP, SEP, PAP. A Lurdinhas, porque papa-hóstias (arcebispo de Braga dixit) não ficava mal PAPA (o final poderia significar "avante", "aleluia", "avé"), o todo conotando a comidinha, o chefe da Igreja e a imagem do pai numa só palavra. Já o Dr. Freitas não ia tão bem servido: FAP só lembra a gloriosa aviação militar ou -pior!- uma sigla há muito caída em desuso e que era a da organização de massas dos primeiros maoístas portugueses: a finada "frente de acção popular" de saudosa memória e breve história: foram todos dentro nos idos de 66/67.

O Bolacha também não ia longe com SAP (dava sapo, sape-gato, no máximo sapateiro ou sapador, tudo coisas pouco entusiasmantes ou até ofensivas).

Do candidato de Neandertal nem se fala: VAP lembra logo Vá Pró ... ou Prá e para isso já basta aquela da "APU que o pariu". De resto agora com o Zenha em liça tenho para mim que o Veloso recolhe rapidamente a quartéis. Ainda vamos ver a CGTP vir dizer que “Zenha pois claro! Um democrata, um combatente da liberdade, um protector das viúvas e dos órfãos e já agora, dos camponeses sem terra, dos reformados e idosos” etc...etc...

Enfim o País diverte-se: Prá frente Portugal que por trás dá Sida! O Freitão se tiver sorte ganha as eleições como cavacas e depois a culpa é do Marocas que devia ter desistido.

Querias um PS alla Berlinguer com muito molho bolognese? Espera um pouco que já comes.

Nota bem que tal hipótese não seria de todo em todo desagradável desde que se verificassem cumulativamente umas quantas condições: que o(s) restante(s) partido(s) na área do poder governassem já não digo bem mas, pelo menos, razoavelmente; que os hábitos políticos portugueses -compadrio, falta de imaginação, planificação a curtíssimo prazo e sem perspectivas etc...- se modificassem decisivamente; que, ao depurar-se, o PS ficasse apenas com socialistas modernos, desempoeirados, libertos de fantasmas e de chavões, pragmáticos e com forte sentido de "polis". De qualquer modo não parece ser isso que está nos planos do jet-set de S. Bento e Belém: aí fulaniza-se tudo, o país é tido como uma quinta em ruínas a que há que ir buscar o pouco que resta para depois abandonar definitivamente. É por isso que voto Mário Soares. Para já há que aguentar e depois logo se vê: um presidente ao arrepio do parlamento e servindo de porta voz ao descontentamento difuso só conduz ao regresso de Jedi.

Olho para mim próprio, perplexo. Não me atrai a política (já lá vai tempo, já não tenho idade, não estou disposto nem disponível, afinal o que eu queria era ser juiz de paz) e eis-me metido na candidatura do Gordo e a desejar que ele ganhe. Mau sinal! Para quebrar esta melancólica constatação inventei um slogan para o dr. Salgado Zenha: ZIPPER (Zenha Independente Para Presidente É Renovação!). Como imagem gráfica e para distinguir do encapotado feminismo da Pintasilgo arranjava-se uma pequena jeitosa a abrir o zipper dos jeans deixando ao mesmo tempo escorregar um pouco a calça de modo a realçar a anca apetitosa. Lingerie minúscula e branca.

E pronto. Por aqui me fico consumido de inveja ao saber-te em Paris que ainda vale uma missa digam lá o que disserem os detractores da cidade luz. Um abraço do

1985

Tem 20 anos este texto! Morreram já vários dos acima mencionados, regra geral, gente boa ainda que num dado momento a política me separasse deles. Zenha, Melo Antunes ou Henrique de Barros eram homens de bem e democratas acima de qualquer suspeita. Mas há 20 anos estávamos separados por isto um candidato que, contra todas as espectativas ganhou a pulso as eleições. Hoje, não é o meu candidato, por muito respeito e amizade que lhe tenha (e tenho!). Privavelmente o meu candidato nem á 2ª volta vai (se houver 2ª volta, claro...) mas estar com ele permite-me pagar uma dívida de gratidão e amizade e, mais do que isso, permite-me votar um pouco mais de acordo com o que penso e com o que sonhei (e, tantos anos depois, com o que teimosamente continuo a sonhar...).
O destinatário da carta é, como de costume, o Zé Valente, que já só vive na saudade dos amigos.

d'Oliveira

O nosso tempo -II

O meu olhar, 28.11.05
Cá estou, para continuar a passar pequenas pistas relativas à gestão do nosso tempo. Desta vez tem a ver com o diagnóstico. Uma das formas de fazermos o diagnóstico da nossa utilização do tempo passa por colocar a nós próprios diversas questões: Que faço realmente durante o dia? Quais são os hábitos que me impedem de ter mais tempo para as tarefas produtivas? Quais são os meus pontos fortes? E os meus pontos fracos ou pontos a melhorar? Quais são os trabalhos rotineiros que faço em vez de delegar ou automatizar? Tenho o meu posto de trabalho organizado da forma mais correcta?
Com a resposta a todas estas questões, conseguimos obter uma auto-imagem da utilização diária do nosso tempo, que passa pela identificação e clarificação dos hábitos de trabalho e consequente identificação do que há a melhorar. É uma tarefa muito simples e que nos pode fazer ganhar muito tempo. Interessante também, apesar de mais difícil, é perguntar aos outros as suas opiniões sobre nós, relativamente a estas questões.
O importante é que ao fazermos esta análise, nos libertemos de juízos de valor e nos centremos nos factos. Aconselha-se também que, nesta análise, deixemos cair a tendência que temos para atirar responsabilidades para tudo e todos não nos incluindo no molho. Aqui, o que interessa verdadeiramente, é analisar sobretudo o que depende de nós. Do que depende de nós, podemos agir, de tudo o mais, podemos queixarmo-nos e desabafar.No que respeita à mudança, não nos devemos preocupar com a situação actual, porque o passado não se pode mudar. Interessa o futuro e aquilo que cada um deseja modificar.
Próximo episódio: Partir para a acção

Crianças e jovens em risco

Incursões, 28.11.05
Não há melhor forma de comemorar o 114º aniversário de uma instituição dedicada ao apoio e educação de crianças e jovens em risco do que a promoção de um congresso sobre esse problema. Foi isso o que fez o Instituto Profissional do Terço. Está de parabéns a sua direcção.
Durante três dias, psicólogos, educadores e assistentes sociais, com um auditório de cerca de trezentas pessoas, partilharam experiências, levantaram problemas e comungaram das mesmas preocupações.
Percebeu-se que o risco da exposição à violência, da marginalização, do uso de drogas, dos conflitos com a lei e do insucesso escolar, têm origem em diferentes situações de privações básicas não atendidas, que passam pela degradação dos bairros sociais, pelo desemprego, pela desestruturação das famílias e pela exclusão social.
Por isso, o problema de crianças e jovens em risco é transversal a todas as instituições oficiais e, só num esforço de interligar todos os que se preocupam com esta questão, se poderão encontrar as respostas mais criativas e eficazes. No entanto, as instituições oficiais parecem andar de costas viradas umas para as outras, numa competição sem qualquer sentido, parecendo mais interessadas em se servirem dos problemas sociais para marketing político do que em resolvê-los. Não se interligam, não aproveitam os recursos e experiências de organizações não governamentais que estão no terreno, não racionalizam meios por forma a evitarem barreiras que resultam de uma má percepção dos serviços por parte dos utentes (quando, p.ex., uma família-problema é “massacrada” com os mesmos inquéritos feitos por diferentes instituições) e não desenvolvem estruturas de prevenção, capazes de diagnosticar nos bairros e nas escolas os sintomas de risco e de apoiar as famílias com problemas.
Precisamos de criar redes de troca de experiências, saberes e competências que façam a interdisciplinaridade da inclusão e saibam aproveitar o enorme capital social feito da generosidade de muita gente que disponibiliza muito do seu tempo para trabalhar nesta área. Mas isso só é possível com uma cultura do poder que tome as questões de solidariedade social como questões prioritárias de um Estado de direito. E é isso que falta.

JBM in: Jn.27/11/2005.

Violação e coacção sexual?

simassantos, 27.11.05
Fiz aqui referência, em Junho passado, a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que colocava uma questão interessante, desde logo pelo teor da discussão travada no colectivo de juízes e traduzida nas declarações de voto. Decidira-se, nesse acórdão de 2-6-2005, proc. n.º 1564/05-5 , relatado por mim e também subscrito pelo Cons. Costa Mortágua, na parte que interessa, e de acordo com o sumário, que:
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«2 - Se, depois de tentar violar a ofendida, quer através de cópula, quer através de coito anal, o que não conseguiu dada a sua resistência, estando os dois parcialmente desnudados, beija esta enquanto se masturba até ejacular, tendo-a ameaçado de morta, verifica-se igualmente o crime de coacção sexual do n.º 1 do art. 163.º do C. Penal.
3 - Na verdade, perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade. E seguindo-se à tentativa de violação, não se pode ter a conduta sequente como abrangida no processo de execução daquela.»
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Já o Cons. Santos Carvalho exprimiu no seu voto que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, com excepção das considerações feitas sobre a qualificação jurídica dos factos (ponto 2.3 do acórdão), que me suscitam algumas reservas. Se é certo que "perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade", acho desproporcionado considerar que estamos face a dois crimes, um de violação tentado e outro de coacção sexual. Na verdade, o direito penal, embora parta de construções teóricas e abstractas, não deve afastar-se da realidade da vida e, por isso, parecer-me-ia mais razoável considerar que se está perante um único crime continuado, já que o arguido realizou esses dois crimes, mas os mesmos protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico e foram executados por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente (a excitação sexual que ficou para além, "et pour cause", do crime frustrado, já que permaneceu junto a si, ainda que intimidada a pessoa que lhe provocou o desejo insatisfeito e que encontrava parcialmente despida).»
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e o Cons. Rodrigues da Costa, que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, mas não as considerações tecidas acerca da qualificação jurídica.Quanto a mim, existe um único crime: o de tentativa de violação. A auto-masturbação não representa senão o culminar do fracasso do acto a que o arguido se propusera. A implosão desse acto, ainda que o arguido tivesse querido colher uma fosforescência nas suas ruínas, é, afinal, o reconhecimento desse fracasso, vivido em escala descendente como auto-satisfação.Acresce que, para quem quis realizar cópula com a ofendida, ejaculando-se dentro dela, a auto-masturbação que se segue a esse acto falhado não tem qualquer relevância típica.».
perguntou-se então como seria?
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Esse post foi lido e acaba de ser publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 2, págs. 299 a 328, um extenso e interessante comentário da Dr.ª Helena Moniz, docente da Faculdade de Direito de Coimbra que se pronuncia a favor da solução encontrada no mesmo acórdão.
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É de todo o interesse a leitura desse comentário, que teve a sua génese na leitura de um blog...

a verdade

Sílvia, 27.11.05
a verdade é que não sabemos nada
e o que se esconde por trás
das pálpebras fechadas é sonho
ou sono .

a verdade é que a noite de alguns dias
é longa como se não se acabasse
e imóvel como um filme interrompido.
só ouço o som do cello a invadir a sala.
na voz quase humana.

entre as notas musicais,
nada se move sob as estrelas
caladas no seu brilho de séculos-luz.

a verdade é que só sei a falta,
esta lacuna.
só sei este oceano
em tumulto no meu peito.



silvia chueire

Justiça: Alberto Costa diz que problemas não se resolvem com “desentendimentos inúteis”

mochoatento, 26.11.05
"Reconhecendo o “diagnóstico muito preocupante da situação da Justiça”, o Ministro apelou aos juízes para que apresentem propostas e soluções, contribuindo para uma reforma do sector. Este será um “esforço de melhoria do ambiente judicial e do trabalho quotidiano dos julgadores”. Segundo Alberto Costa, deve ser assumida a responsabilidade para com os cidadãos, empresas, “em suma, para com o interesse público”. Assim, “devemos estar todos os dias prontos para trabalhar tanto com entendimentos coincidentes como com entendimentos divergentes”.

26.11.2005 - 19h07 PUBLICO.PT

CONTRADIÇÃO

Incursões, 26.11.05
É depois de o Conselho Superior da Magistratura, no seu II Encontro Anual, realizado em Dezembro de 2004, ter concluído que "a mediatização da justiça implica e impõe a introdução do "media training" na formação dos magistrados", que o Centro de Estudos Judiciários elimina, do seu plano de formação permanente para 2005/2006, o curso sobre "Justiça e Comunicação", que havia organizado em 2003/2004 e 2004/20005.
A necessidade de formação dos magistrados nesta área voltou a ser sublinhada pelo Presidente da República na intervenção que proferiu no Congresso dos Juízes Portugueses:"Tenho afirmado, reiteradamente, que as relações entre os tribunais e a comunicação social são indispensáveis. E se um tratamento sério da informação forense passa por uma formação jurídica e judiciária dos jornalistas por ela responsáveis, impõe-se que os magistrados judiciais, por sua vez, estejam atentos às técnicas e às boas práticas da comunicação social e com elas se familiarizem, para que a vida dos tribunais seja inteligível pelo comum e as sentenças deixem de ser entendidas e cumpridas como oráculos".

O TIMING

Incursões, 26.11.05
"O Presidente da República é, por isso, o primeiro a compreender a mágoa de V. Exªs com o ângulo de abordagem das relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade dos juizes, quando ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das férias judiciais constitui, na 1ª instância, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de atrasos de despachos de maior complexidade ou de decisões com maior fôlego, atrasos as mais das vezes causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino não são os juizes responsáveis.
Como compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razões para ser instituído e mantido, enquanto foi financeiramente viável conferir um tratamento específico a quem muito dá à comunidade".


Estas afirmações, feitas pelo Presidente da República no Congresso dos Juízes Portugueses , se proferidas antes, nomeadamente quando, em Setembro, recebeu a seu pedido os sindicatos do sector da justiça, poderiam ter sido um importante contributo para o esclarecimento público e para algum apaziguamento da tensão existente. Proferidas agora, tardiamente, correm o risco de ter o efeito contrário.

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