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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A PROPÓSITO DA AVALIAÇÃO NO CEJ

Incursões, 10.11.05
Li no Incursões, com preocupação, os posts O Novo Perfil do Magistrado e Irradiando sempre grande simpatia (ou Um mais completo "novo perfil do magistrado"), em que o tema é um documento do Centro de Estudos Judiciários sobre a avaliação dos auditores de justiça.
Tive acesso ao documento há alguns dias mas ainda o não li, por ser extenso (mais de 40 páginas) e principalmente porque não era assunto a que entendi dever dar prioridade, pois cada dia aumentam as páginas para ler e o tempo continua escasso. Não era prioridade, mas passou a sê-lo.

Nos anos em que passei pelo CEJ, a questão da avaliação foi sempre uma questão por resolver, vivendo-se um ambiente geral de grande condescendência para com os aspectos negativos da prestação de auditores de justiça.
Podem consultar-se, para o comprovar, as actas das reuniões do Conselho Pedagógico em que a exclusão e a classificação de auditores de justiça no final da formação inicial foram objecto de debate concreto, pois esta fase da avaliação está, seguramente, documentada.

Sobre a avaliação no decurso da formação pairavam duas nuvens que tinham influência nesse ambiente geral: a ideia de que a selecção para a entrada no CEJ já tinha sido tão exigente que, quem tivesse passado essa barreira, beneficiava de uma certa presunção de aptidão; e a pressão da sempre invocada necessidade de ocupar todas as vagas abertas.
A meu ver, a primeira constitui um axioma que tem de ser posto em causa, e a segunda mais não é do que a repercussão no CEJ de uma concepção de gestão dos recursos humanos das magistraturas que tem vindo a somar resultados negativos.

Que se passa na Europa?

Incursões, 10.11.05
Já por diversas vezes, senti-me tentado a dar aqui a minha opinião sobre a violência que atravessa França e que começa a estender-se pelos países limítrofes. Não sou capaz. Eu, que tenho tantas dificuldades em gerir o comportamento dos meus filhos, não tenho legitimidade para julgar o comportamento dos filhos dos outros. Estamos perante problemas derivados da globalização, da incapacidade da Europa para evitar a segregação e a exclusão social? Talvez. Mas talvez o principal problema não esteja aí. Muito provavelmente, o problema está na incapacidade das sociedades civilizadas para gerir o seu dia-a-dia. Talvez o problema esteja nas famílias e, sobretudo, na facilidade com que as famílias se desestruturam em nome de uma competição interna e de uma ambição desmedida, que potencia o desvalor e o desamor. Cada vez mais, é neste cenário que as crianças ganham a sua adolescência. E, cada vez mais, é assim que se revoltam... Até se tornarem criminosos, mais do que apenas rebeldes.

"Dupla e insanável dúvida"

ex Kamikaze, 10.11.05
"O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) entende que não há indícios para levar Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves a julgamento no âmbito do processo Casa Pia, mantendo o despacho de não pronúncia. O colectivo põe em causa a argumentação do Ministério Público (MP), bem como alguns testemunhos, no entanto, em relação a Paulo Pedroso diz que há "uma dupla e insanável dúvida" "quanto à veracidade das imputações feitas ao arguido" e "quanto à pretendida inocência deste"."Assim sendo e porque na dúvida, o MP não deve acusar nem o juiz deve pronunciar, tem de concluir-se que não se encontram reunidos indícios suficientes de o arguido haver cometido os imputados crimes", refere o acórdão" (...)

in DN

O arguido carteiro

Incursões, 10.11.05
Ontem (3ª), este carteiro, de fato novo e mãos transpiradas, acompanhado do respectivo advogado, dirigiu-se, mais do que a tempo, ao Tribunal do Marco para ser julgado em processo comum singular, acusado da prática do crime de difamação (duplamente agravado: comunicação social e qualidade do ofendido), alegadamente praticado na pré-campanha eleitoral autárquica de 2001, contra Avelino Ferreira Torres. Queira-se, ou não, estas coisas amolam sempre, mesmo quando o presente carteiro reparte a sua vida com a de advogado (ou por isso mesmo) e, sobretudo, quando se tem a consciência tranquila.

Testemunhas presentes. Chamada. O assistente/ofendido e o respectivo advogado não havia maneira de aparecerem. Ida ao gabinete da Mma Juíza e uma curta espera pelo senhor Procurador. Quando entrei, tive o cuidado de não estender a mão aos senhores magistrados (são novos na comarca), porque eu sei (já vi) que há senhores magistrados que não gostam de cumprimentar os arguidos. Afinal havia uma desistência de queixa que dera entrada no passado dia 3. Não resisti a pensar que se o sistema funcionasse bem, o meu advogado teria sido notificado, nem que fosse por fax, para que eu me pronunciasse sobre se aceitava ou não a desistência, o que, para além de me ter poupado o nervosismo, poderia ter poupado o transtorno às testemunhas. E aos senhores magistrados.

Aceitei a desistência, claro que aceitei. E, depois de homologada, não resisti - a simpatia dos senhores magistrados ajudou - a colocar a velha questão que já coloquei aqui e ninguém respondeu: será que eu já não tinha sido julgado por aqueles factos? É que o MP, em processo sumaríssimo, tinha proposto uma sanção. O Mmo Juiz, à época, tinha indeferido o requerimento-acusação, com o argumento de que era manifestamente infundado, já que, na sua opinião, eu não tinha praticado qualquer crime. Em consequência - e como diz a lei (cfr. artºs 395, ex vi, 311 do CPP)- reenviou o processo para a forma comum. Ora: se um juiz já tinha dito que eu não tinha praticado qualquer crime (uma decisão de mérito e não meramente assente em pressupostos processuais), será admissível que um juiz da mesma instância (até pode ser o mesmo magistrado) possa aceitar a mesma acusação e condenar-me pelos mesmos factos?

A lei permite. Mas será que a CRP também permite, quando diz (creio que no artº 29, nº 5) que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo crime? Há um parecer da PGR que sublinha que, nestas questões, se devia admitir que houvesse possibilidade de recurso em processo sumaríssimo quando o juiz indefere o requerimento acusatório por uma dos motivos tipificados na lei. Eu vou mais longe: acho que estamos perante uma inconstitucionalidade.

Foi uma discussão interessante (depois de homologada a desistência de queixa). E, no fim, despedi-me já não como arguido. Gosto tanto destas conversas... Muito mais do que das desconversas que a política gera e essas coisas todas.

E lá voltei para o Porto. O ciclo sempre a fechar-se...