Gloriosos Naufrágios 1
Isto para ser levado de forma profissional havia de ser destacado do
bonheur e apresentado como série própria, com matrícula na polícia (como as antigas peripatéticas, tão bem cantadas pelo Assis) e registo na repartição de patentes (coisa fácil de arranjar se tivermos um patrono como o
DLM que a seu tempo verá nascer uma secção “
ad usum delphini” que eu estou em boa idade para ensinar e ele para aprender). Mas sou mais anarqueirão que um bando de pardais e já não há santo que me valha. Que eu até tenho
18 santos com o meu nome, sendo que um deles foi papa em 308-309 com o seu próprio nome (ora tomem lá!) e diz a lenda que o malvado imperador Maxêncio o fez moço de estrebaria e depois que o mandou matar pisado pelos cavalos. Mas parece que o papa
Marcello 1º (terá havido mais?) morreu de morte natural e não pelos coices das cavalgaduras. Terá deixado esse destino ao escriba que estas vai traçando e que sobre ser ingénuo é canhoto de pata e de coração. E fiquem sabendo que eu até já fui à igreja de S. Marcello sita em Roma e numa rua bem principal. Mas a gente, com estas e outras que a seu tempo virão, vai-se desviando do propósito inicial e depois o leitor José fala dos textos fleuve do mcr.
Ora então anuncie-se ao que vimos: um certo
Galo (mais galispo que galo, pelos vistos...) acolitado por um certo
Francisco Bruto da Costa conhecido gourmet de especiarias orientais (e não só..., acrescentaria eu) resolveu perguntar-me que destino tiveram duas jovens que eu, inocentemente segui até um anfiteatro. E a coisa não ficou por aqui: o
Carteiro (que *** sempre duas vezes), o
José e até a nossa transatlântica
Sílvia insistem em saber destes “
idílios difíceis” (para citar um texto do meu amadíssimo
Ítalo Calvino, lido por essas longínquas épocas em que bemgastava a minha “j
uventud divino tesoro” por Coimbra.
Um dos meus ancestros, conhecido pela sua longa e bem sucedida vida amorosa deixou aos herdeiros um par de dívidas e uma máxima: “
um cavalheiro nunca se gaba das aventuras amorosas que lhe foram concedidas”. Ou, no máximo, prosseguia o varão ilustre (e nunca duas palavras foram tão bem aplicadas...) contará a história sem citar datas nomes e lugares. Exceptuam-se as grandes cidades (Paris, Viena ou Roma) porque aí a multidão torna tudo anónimo.
Portanto os leitores ficam desde já avisados que o que aconteceu irá com um manto forte de fantasia sobre a nudez frágil da realidade. Isto não é bem Eça (oh quem me dera!...) mas serve.
Vejamos então, e em dose aconselhável para os cavalheiros e a gentil dama já citados, o que se passou com uma das duas meninas. Pois pouco, maravalhas, há que confessá-lo. E vejamos. Durante um par de semanas cruzei-me com uma caloira de Germânicas, cujo nome rapidamente descobri, no
Bar de Letras. A coisa era mais ou menos assim: ela sentava-se numa mesa com um par de amigas ou colegas, e eu mais rápido que um
mig-21, avião muito em voga na época, picava em voo rasante pelas imediações até conseguir mesa propícia em frente da ninfa inocentinha. Uma vez colocado, iniciava um ataque de olhares na altura conhecido como
“oftálmica assassina”. Fitava a jovem com o ar absorto e frio dos verdadeiros libertinos (na altura os rapazolas educados liam muito
Roger Vaillant, trazido por
Cardoso Pires e os que persistiam nesse caminho perigoso começavam a interessar-se por
Stendhal e
Laclos e acabavam nos chamados “infernos das literaturas”) e quando ela levantava os olhos apanhava de frente a dita oftálmica paralisante. Ora ocorre que, logo pela 2ª ou 3ª tentativa, a criaturinha sustentou o meu olhar com uma firmeza altamente prometedora. Isto, para abreviar, durou quinze dias, e eu andava desesperado por encontrar alguém que ma apresentasse. Naquele ano de 1961 as coisas corriam dessa maneira. Havia necessidade de apresentação, arranjada num encontro “casual” com três pares de aspas e normalmente a visada já tinha informação certa e segura do gavião que lhe rondava o beiral.
Devo dizer-vos que a donzela em questão valia o seu peso (aliás leve) em metais preciosos. Cabelo negro, bem apessoada e uns olhos
azul escuro, ai!, uns olhos de danar um santo quanto mais um leigo que, por junto, de virtude só tinha um papa com o seu nome...
Como os leitores já perceberam esta troca de olhares esta “oftálmica” prolongada fazia-me andar a cem pulsações. Caloiro em terra estranha (eu até nasci na maternidade de Coimbra mas à traição: resolvi anunciar a minha vinda com alguma antecedência e a minha boa mãe, dezanove anos inocentes, quando sentiu romper-se o saco das águas em pleno cinema Peninsular da Figueira da Foz ficou envergonhadíssima e murmurou ao meu pai que tinha feito xixi. O Pater, médico e ginecologista, logo desconfiou e, ala que se faz tarde, para a maternidade de Coimbra. E aí, assistido pelo professor Lúcio de Almeida e mais não sei quantos colegas de curso e da mesma especialidade, nasci eu, bonito e repolhudo como se deve. De todo o modo o que eu não daria por ter nascido em pleno cinema durante um filme americano com, se não estou em erro, o Tyrone Power!!!)
Raios partam estes parêntesis que me tiram do sério... Voltemos à vaca fria: o romance alimentado a olhares que eu pensava frios e deveriam ser mais langorosos que uma valsa de Strauss. Vergonhas porque um passa. Quem nunca fez figuras ridículas por amor é favor sair desta leitura.
Ora chegou o dia entre todos fausto em que encontrei um colega que me disse conhecer perfeitamente o objecto da minha paixão. Valha a verdade que, mesmo apaixonado (ou algo no género), eu não era imprudente. Vai daí com rodeios de índio moicano fui-lhe extorquindo informação valiosa. Quem era, donde, namorados? etc... Tudo correu às mil maravilhas até ao momento em que ele me confidenciou que a jovem era míope como uma toupeira mas que se recusava a usar óculos. Que não via a um metro, metro e meio de distancia e que até “
tinha havido um par de parvos que tomando a sua miopia por convite se tinham acercado lampeiros e dolicodoces!”A bomba atómica que me caiu na cabeçorra não tem descrição. Era todo um idílio que se esfumava pela falta miserável dumas lentes de contacto que só começaram a vulgarizar-se dois ou três anos depois.
Embezerrado, comecei a passar de largo e nunca cheguei à fala com a míope mais misteriosa que cruzou o meu caminho.
Ora aqui está uma boa “estória” para os voyeurs que queriam coisa mais suculenta. É para que saibam! Eu, histórias destas, de naufrágios, tenho mais que a História Trágico Marítima inteira. Mas...não sei porquê recordo-as hoje com um doce sabor de Verão e laranjas. E alfazema, muita.
Como os leitores vêm a cultura clássica e os amores dão-se bem. Ou como dizia o espanhol : “
con el palo dando y a Dios rogando”. Eu sigo a velha regra:
primum vivere deinde philosophare. Com uma diferença: vai tudo ao mesmo tempo.
Vai dedicada aos senhores “Galo”, DLM, F.B. da Costa, Carteiro, José leitor e amigo, e à nossa especialíssima convidada do ultramar Sílvia.
Escrito sob os auspícios de Wolfgang Amadeus que faz hoje 250 anos. Na companhia do canal Mezzo que vai dar 24 horas de Mozart.