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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

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d'oliveira, 28.04.06
Voltaire, o gato
(in memoriam)

Chegou lá a casa, pequenino e felpudo. Raça indeterminada, isto é sem raça que se visse. Sem pedigree. Gato do povo, arraia miúda. Preto retinto mas luzidio como o melro de Junqueiro. Magro como um cão, se isso se pode dizer de gato pequenino, praticamente de mama. Que os gatos não gostam de ser confundidos com outros animais. E sobretudo com cães. Como Voltaire, o gato, me dizia: a canzoada ladra mas não morde, aceita um dono desde que este lhes dê de comer. Aceita coleira, trela e outras tropelias inomináveis. É mesmo capaz de lutar contra os lobos, primos dela (canzoada) mas pouco dados a civilidades. Ná, magro como um gato, se faz favor. Magro como um gato dos telhados.
Ao fim de pouco tempo, o gozo do gatinho esmoreceu entre os restantes humanos lá de casa. Não em mim, diga-se, que lhes aprecio a grácil felinidade, a perigosa indolência e o asseio. Os gatos são criaturas de um asseio extraordinário. Tem a sua retrete, não andam por aí á toa a mijar tudo. A menos que queiram marcar um território, mas isso é outro contar. E a retrete exigem-na limpinha, areia nova quase todos os dias, ou todos até se for preciso e se lhes quiserem fazer esse pequeno mimo. Eu fazia. Melhor: quem fazia era a fiel Margarida, empregada dos meus sogros que viviam na parte de baixo do nosso duplex.
Ou nós vivíamos na parte de cima, para ser mais rigoroso. Uma casa espantosa, ali à avenida do Brasil (no Porto colegas bloguistas, no Porto frente ao mar). No último piso. Da nossa casa nem víamos a avenida, só uma réstea de areia e o mar. E a América, Nova Iorque, para ser mais preciso, em dias de muito sol e vento a favor. Bom a América, propriamente dita talvez não. Mas imaginávamos. E naquela idade a imaginação era tudo o que nos restava. Imaginávamos um país livre e fraterno, por exemplo. E um feriado no primeiro de Maio. Éramos novos, claro.
Ainda que nisto, de imaginação, as coisas as vezes fossem mais além do permitido.
Então não é que um dia acordei e dei de caras com um navio a metros de distância, um barcalhão enorme que parecia querer entrar por uma varanda entre telhados onde se podia tomar banhos de sol absolutamente nu.
Primeiro pensei que ainda não tinha acordado. Depois suspeitei que ainda estava bêbado, logo eu que só lhe dou (moderadamente) no vinho e na cerveja! Depois pensei que era por ainda não ter tomado café. Finalmente rendi-me á evidência: aquele barco era um barco. E naufragado! Ai manas, um naufrágio á porta de casa, logo a mim, figueirense de Buarcos, leitor de Verne e Salgari. Que emoção.
Era mesmo um barco naufragado. Discuti isso gravemente sentado no muro que separa a explanada da praia munido de uma bica que um empregado diligente da “Ressaca” (já não há, puseram lá uma merdunça qualquer, banco ou algo idêntico em vez do café) me ali levava por mais cinco tostões. Um barco gigantesco carregado de milho. Milho que um bando de pobres carregava afanosamente. O Manuel António Pina, com aquela veia que o distingue deu um título ao naufrágio: “o primeiro milho é dos pobres!” Ai eu dava uma mão para ter escrito aquela frase. Mão metafórica, quand-même!
Mas perdi-me: estava a falar-vos de Voltaire o gato. Voltaire cresceu pois naquele ambiente simpático da parte superior de um duplex que por sua vez era o último piso mesmo em frente à praia do Molhe. De vez en quando desaparecia por umas horas numa circum-navegação pelo telhado. Voltava com o focinho cheio de teias de aranha. Mas via-se que vinha derrotado. Não havia ninhos naquele prédio recente, nem ratos no telhado. Voltaire, contrariado comia do nosso tacho, que remédio.
Tornámo-nos amigos, cúmplices mesmo. Eu quando chegava ao fim da tarde, chamava por ele e ele nada, raspas de nada. Eu dava três passos cautelosos e ele, zás, atirava-se a uma das minhas pobres canelas e fingia que ma mordia. Eu fingia que me assustava. Depois fazia-lhe umas festas, despia a fatiota, acendia o rádio e instalava-me no sofá deitado com um livro nas mãos. E o Voltaire das duas uma: ou se instalava em cima do rádio já quentinho ou preferia a minha barriga. Patada aqui, patada ali ia-me acomodando para se sentir confortável. E depois dormia o sono dos gatos que não têm dono mas que fingem ter para poder usufruir de uma barriga cómoda onde dormir.
Foram dias felizes estes que passámos juntos. Dias, meses, um ano ou dois. Até que alguém se intrometeu na nossa vida. Alguém achou que Voltaire, o gato, deveria ser capado. Ocultaram-me tão sinistro desígnio mas caparam o desinfeliz à mesma. Quero crer que Voltaire nunca aceitou a condição de eunuco. Vai daí entristou e morreu como um passarinho. Como um passarinho não. Como um gato que não aceita ser meio gato, mesmo gordo e manso. Nunca mais quis ter gatos. Também já não moro ali. Já não tomo café no muro. Já não há café. Felizmente ainda subsiste, rente à praia, bar do Ferreira. Onde muitas vezes eu e o Manel Simas tomamos um café com o Mário Brochado Coelho. E com a Laurinda, a Olga e a crazy Grazy.

Mas isto, o mar, o café no Molhe, Voltaire o gato, vem tudo porque me não atrevo a falar do Manuel Silva Araújo que foi hoje a enterrar. Era mais velho, eu sei. Mais sábio. Pertencia a uma geração diferente. Como o Luís Fortuna de Carvalho. Gente que frequentava a Leitura, a Árvore, o S. João, gente que também sonhou um pais livre e insubmisso. E fraterno. Gente que era o sal da terra. Gente que, como Voltaire, o gato, não tinha patrão, nem coleira, nem trela, mas que em lhes fazendo um favor, um mimo, podia ser, se caso fosse, “cão que conhece dono”, isto é gente que sabia distinguir a generosidade e sabia ser grata.
Morte, onde está a tua vitória?

Vai esta para a Maria Helena Silva Araújo e para a Xana Silva Araújo. Com um beijo e uma lágrima. Muitas lágrimas.

Os leitores e os camaradas de incursões que me desculpem. Ocupo demasiado espaço. Mas não sou eu que quero são as coisas que acontecem demasiado depressa.

estes dias que passam 23

d'oliveira, 28.04.06
O caso da leitora bonita

Esta que está agora a sair devia ser dedicada ao Francisco José Viegas, que se apresenta sempre, ou quase, como escritor “de livros policiais” mas apesar de ser um tipo simpático não abicha: é a primeira vez que dou ao dedo algo em tom de mistério e uma primeira vez é apesar da idade (minha) sagrada.
Eu tenho um carinho enorme pelos “policiais”. Li daquilo ás toneladas. Desde a “Vampiro” ( e a XIS!, não esqueçamos) colecção nobre à “série noire”, li montes de portugueses com nomes estrangeiros (Ross Pyn ou Denis McShade, respectivamente Roussado Pinto e Dinis Machado), li e leio espanhóis, italianos, franceses e alemães, russos e indianos, enfim, li tudo o que passou ao alcance da pistola. Enfim, acabei de medir e acho que tenho vinte metros de livros policiais. Passante, até! Aliás, circulam nas entranhas deste blog duas farmácias de serviço com conselhos sobre policiais recentes.
Ora acontece que, estava eu a sair da última sessão da Literatura em viagem quando fui abordado por uma senhora bonita (insisto no adjectivo) que nos cumulou, a nós incursionistas, de amabilidades. Deveria, logo na altura, ter-lhe pedido a identificação, porque leitora bonita que nos pilha a descer do cavalo pode significar sarilho como aprendi com o inolvidável Chester Himes, verdadeiro pai do romance negro quanto mais não seja porque era ele próprio negro.
Mas também é verdade que se soubesse logo todas as coordenadas da senhora, lá se ia o mistério. E eu precisava de um mistério para me estrear na literatura policial. E para homenagear, "bloguesse" oblige o Erle Stanley Gardner. Tanto mais que biograficamente fiz sempre o papel do bandido, como já também aqui tive oportunidade de referir. Portanto foi mister eu escrever sobre ela (cfr. Estes dias nº 22 e um que outro comentário aqui) para ela sair da toca. Como saiu. Com a cartinha que ao fundo se lê. E que passo a responder: E a nossa heroína diz duas ou três coisas que se respondem: que estava horrorosa; que já passou dos quarenta; logo que não era ou podia parecer bonita. Mais diz que nos lê que há por cá um discurso limpo sobre a justiça, que alguns textos lhe lavam a alma e lhe agrada o que adivinha em nós, concluindo que talvez por isso merecesse uma referencia.
Ora pratiquemos, queridas irmãs e irmãos (esta é fruto da influência nefasta de frei Delfim das Cinco Chagas):
Ainda não conheci mulher que fosse capaz de aceitar uma apreciação natural e feita sem outra intenção que não seja a expressão da verdade. A gente vai e diz-lhe “Mira que hoy vienes la mar de buena!” num belo castelhano e logo a bela começa: que não, que até está com uma impingem na parte de dentro da orelha esquerda, que está velha e relha, que o vestido está descosido, que lhe dói a barriga, o coração, o fígado ou alguma outra impronunciável víscera, que o cabeleireiro lhe queimou as pontas...” enfim, um recital de desastres que a fazem parecer a irmã feia da bruxa má.
A malta( nós, a macharia burra e inocente) insiste: “Homessa, tas enganada, ainda gastavas um belo par de meias solas!” E elas suspiram: “pois mas isso és tu que não distingues o binómio de Newton de um poema de Soares de Passos, coitado, tens boa vontade mas Deus fez-te assim, vesguinho e destituído, havias era de me ver há (5, 10, 20 [é só escolher]) anos. Então sim, sempre havia quem me visse. Agora não passo de um great american disaster.” E por aí fora.
A segunda parte é dizer-nos: “Não vês como estou velha, antiga, uma carcassa, como a Torre de Belém mas sem sequer estar classificada como monumento nacional?”
A maior parte da rapaziada chega aqui e desiste. Que se lixe a taça. E raspa-se direita a um bar onde há uma roda de amigos e mete-se furiosamente a discutir futebol coisa que até há pouco tempo só os homens discutiam. Ou vai jogar snooker com dois compadres. E jura para si próprio que nunca mais dirá a uma mulher que ela está bonita, que traz um vestido que lhe cai bem, enfim coisas normais, sem cheiro a cama.
Ah mas isso ainda é pior: é trocar o furacão Katrina pelo Terramoto de 1755. Porque se não disserem nada, logo elas, directa ou indirectamente, vos fincarão uma garra envenenada e dolorosa no lombo. “este tipo não vê um boi à frente do nariz, é um seixo com olhos, nos olhos tem antolhos, nestes cataratas e nas cataratas nadam glaucomas que nem o dr Barraquer vence. Os homens são assim, egoístas, tapados, catatónicos e cristalizam no ortorrômbico (que era o sistema mais sacaninha da geologia do meu 5º ano dos liceus: nunca consegui perceber aquilo e façam o favor de mo não explicar que só a sua menção me dá uma dor de cabeça imensa).
Portanto, leitora bonita. A primeira parte do seu e-mail é um silogismo péssimo, mal feito, pororoca e é dado como não escrito.
A segunda parte, ah a segunda parte, é leite e mel, para a tripulação do incursões sem til. E respondendo por todos, da Sílvia ao JCP, da Kami ao Forte, da "o meu olhar” ao frei Delfim, ausente em parte incerta, coberto de cilícios e em abstinência absoluta de víveres, e da restante tropa que por aqui estabeleceu quartéis, receba um reconhecido beijinho. Porque isto, nós, escrevinhadores desta coisa passageira, como a chuva de Verão, não somos pessoas de circuito fechado. Escrevemos porque esperamos que alguém nos leia, que alguém nos acompanhe, que alguém diga “era isto mesmo o que eu queria dizer”. E de pouco nos bastamos nesta pequena cabotagem ao longo da costa. Qualquer “olé” de um passageiro, qualquer aceno da margem, fornece vento, ou carvão, até ao porto seguinte. Palavras como as suas carenam o barco para mais umas poucas milhas, animam-nos e vão permitir continuar a dizer alto e civilizadamente o que talvez muitos dizem baixo porque pensam estar sós. Não salvamos o mundo, claro. Mas não nos calamos. E, para usar uma imagem do Professor Teixeira Ribeiro, pouco a pouco a nossa verdade alarga-se como uma mancha de azeite num pano limpo.

Caro MCR,
Encontro-me numa situação, no mínimo caricata. Imagine que, visitando como faço sempre e, às vezes, várias vezes ao dia, o Incursões, encontro uma referência a uma leitora bonita que se lhe apresentou no LEV como leitora do Incursões. Ora, tendo eu já ultrapassado a barreira dos 40 há muito tempo e tendo-me apresentado pouco produzida e revelando o cansaço de uma semana trabalho intenso, não poderia ser essa leitora. Mas, por outro lado, eu também me apresentei e também lhe falei no Carteiro e só não lhe disse que gostaria de um dia ser recordada pelos meus sobrinhos como o MCR há dias o fez quando falou na tia que o iniiciou na leitura , por falta de tempo. E também foi por falta de tempo que não lhe disse que recomendo o vosso Incursões a todos os advogados que conheço - e alguns até estacionam lá por casa - como um blog feito por um grupo de cidadãos livres com um discurso limpido e cristalino sobre a justiça (ou o sistema). Também foi por falta de tempo que não lhe disse que no Incursões leio textos que me lavam a alma, porque são autênticos hinos à amizade, e à sobrevivência. Também por falta de tempo, não lhe disse que adivinho, mais do que rostos, vivências e experiências que me agradam e fazem do Incursões um dos meus blogs favoritos. Também por falta de tempo não lhe disse que descobri o Incursões por "acaso", numa pesquisa para um trabalho .É sempre o tempo "Esse grande escultor" (Yourcenar).
Caro MCR, como vê, eu também merecia uma referência, por pequena que fosse....
Até sempre
M
PS. Já agora, a leitora bonita que me desculpe por lhe ocupar o espaço

Nota especial para a Kami: até já sei copiar textos! E não citei o Carteiro, de propósito á conta do jantar a que ele não foi.

Ainda acerca da Literatura em Viagem...e do nosso Marcelo...

Incursões, 28.04.06
Com a devida vénia a Eduardo Prado Coelho, aqui transcrevo parte do seu artigo, inserido na edição de 4ª feira, 26 de Abril, do Jornal "Público", no qual se dá conta do evento aqui já relatado no "Incursões", intitulado "Literatura em Viagem", uma iniciativa da Câmara de Matosinhos.
Eis o texto:
Uma política cultural:
Eduardo Prado Coelho o fio do horizonte

Regresso de Matosinhos. Como tinha anunciado, haviam programado um encontro de escritores sobre o tema Literatura em viagem. Programador: Francisco Guedes (apoiado pela Paula Guedes). E devo dizer que os convites dirigidos às várias personalidades foram extremamente bem calculados: desde Siza Vieira (e do público que sempre o acompanha neste tipo de eventos) a falar sobre "se as viagens formam a juventude" até (e refiro apenas os últimos dias) Fernando António Almeida a falar da sua experiência pessoal de leitor da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, Ramiro Fonte, que, com a sua erudição e sensibilidade, ilustrou o seu tema da mais sugestiva maneira. Ou, num último debate, coordenado por Marcelo Correia Ribeiro, sobre o tema: Porque é que os homens se movem em vez de ficarem quietos num lugar?, onde tivemos a presença aliciante de Mia Couto, que misturou as suas experiências da terra e da biologia com a sua vocação para trabalhar o português até ao mais puro lirismo, a intervenção, extraordinária de inteligência e capacidade de relacionação, de Alexandre Quintanilha, ou, num registo inteiramente diverso, ou a capacidade efabulatória de Ondjaki (dois moçambicanos e um angolano).Esta foi a arte de Francisco Guedes: misturar pessoas de áreas muito diversas e pô-las perante certos temas que todas de certo modo partilham. Mas nada disto teria sido possível sem a colaboração estreita com a Câmara Municipal de Matosinhos (...).

Jogar em contra-ataque

Incursões, 27.04.06
Segundo se anuncia em parangonas de jornais, Valentim Loureiro pretende processar o Estado por causa de ter sido arguido num Inquérito e este ter sido arquivado pelo Ministério Público, no DIAP do Porto.
Alega que tal feito o prejudicou pessoal, social e politicamente e por isso pretenderá ser ressarcido, protestando continuamente a inocência absoluta, próxima até da inconsciência da ilicitude( segundo o JN de hoje), e mencionando expressamente uma tentativa de “assassinato político”!

António Cluny, sindicalista do MP, já veio a terreiro dizer, em síntese, que ainda é cedo para Valentim Loureiro falar em processar o Estado, porque além do mais, tem outros processos pendentes no âmbito do mesmo assunto que originou a operação Apito Dourado.

Como a memória das pessoas, nestes assuntos, costuma ser muito curta, seria bom regressar por breves instantes a um passado recente, com cerca de dois anos e recordar como tudo começou:
Em 24 de Abril de 2004, o país foi aturdido com uma notícia bombástica: Valentim Loureiro tinha sido preso para interrogatório e Pinto da Costa estaria em vias de o ser e só o não fora já porque entretanto se precatara…
A PJ, então dirigida por Adelino Salvado, comunicou logo o feito, tendo-se sabido pouco tempo depois que a directoria nacional, em Lisboa, não fora convenientemente informada dos acontecimentos, o que levou à demissão, em circunstâncias humilhantes para o mesmo, do director dessa polícia no Porto. De igual modo, provocou a “deslocalização” dos dois investigadores principais do caso: os inspectores Teófilo Santiago e Massano de Carvalho, desautorizados e humilhados publicamente, pelo novo director que substituiu o demitido.
O comunicado desse dia das detenções:
A Polícia Judiciária, através da Directoria do Porto, desencadeou, a partir da madrugada de hoje, uma vasta acção policial, no âmbito de investigações em curso, destinadas a verificar a existência de comportamentos ilícitos, susceptíveis de alterarem a verdade e lealdade na competição desportiva e seus resultados.No decurso da complexa operação, a Polícia Judiciária procedeu à detenção de 16 (dezasseis) pessoas, dirigentes desportivos e árbitros, com idades compreendidas entre 31 e 67 anos, por haver fortes indícios da prática de crimes de falsificação de documentos, corrupção no fenómeno desportivo e tráfico de influências, tendo realizado cerca de 60 (sessenta) buscas em domicílios e organismos desportivos e autárquicos, para detecção e apreensão de material probatório.A intervenção policial abrangeu uma área geográfica que vai desde Bragança a Setúbal, com especial incidência na zona Norte, implicando centena e meia de investigadores e a permanente disponibilidade funcional das autoridades judiciárias envolvidas.A extensa acção, ora desencadeada, é consequência de investigações, há largo tempo iniciadas pela Polícia Judiciária, visando apurar um conjunto de suspeitas suscitadas quanto ao falseamento de resultados desportivos, obtidos através das arbitragens, e vai prosseguir até à completa clarificação daquelas mesmas suspeitas.Os detidos irão ser presentes às autoridades judiciárias competentes, para primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coacção, que forem julgadas adequadas.»

Perante o estrondo do escândalo, logo nessa altura houve quem se pronunciasse contra o espectáculo dos dias e dias de interrogatórios, com os arguidos detidos. O então Bastonário da Ordem dos Advogados, J.M.Júdice, declarou ser perfeitamente escandaloso" e "inaceitável" que "estejam a prender pessoas" para serem interrogadas “por um juiz passado 24 ou 48 horas". E defendeu a necessidade de "acabar com esta prática" e com este "hábito" nas investigações, pois só quando "manifestamente haja fundamentos sólidos que levem a temer com muita probabilidade que a pessoa possa fugir do país” é que deve recorrer-se a este método de detenção para se interrogar.

Como é que se fez a investigação para se chegar a estas detenções?
Não se sabe muito bem, embora tal resulte necessariamente do processo em causa- e talvez devesse saber-se.
Segundo notícias logo veiculadas para os media( no caso o jornal digital Portugal Diário), em violação de segredo de justiça, (sem que jamais se tenha apurado quem o fez) , neste inquérito, 19 pessoas estiveram sob escuta telefónica ordenadas pela juíza Ana Cláudia Nogueira. Há, pelo menos, 35 CD's na posse dos investigadores que contêm conversas entre os suspeitos.
Como foi divulgado também, esses 35 CD´s incluem milhares de horas de conversas que nem todas foram escutadas pela autoridade judiciária, por evidente impossibilidade logística e lógica ( a audição, mesmo se fosse contínua, ocuparia a tempo inteiro, vários meses…)
O que contêm de relevante, para efeitos criminais, essas conversas?! Há quem especule…e vá escrevendo.
De certo, a investigação que decorreu sob a alçada do MP de Gondomar e com vicissitudes variadas e oportunamente noticiadas, resultou em “despacho final, tendo o respectivo magistrado titular optado por aí concentrar três núcleos decisórios distintos, respeitantes à extracção de certidões, a arquivamentos e à acusação propriamente dita.- Ao longo da investigação do caso foi recolhido um manancial de indícios vasto, o qual depois de tratado, permitiu situar factos em pontos muito dispersos do país. Respeitando imperativos de competência territorial, houve então que proceder à extracção de oitenta e uma certidões. São agora os vários magistrados territorialmente competentes que irão analisar o material remetido, apreciando e decidindo, portanto, do destino que lhe deve ser dado.- Na parte do despacho final relativa aos arquivamentos, foram abordadas cento e vinte e sete situações diferentes, das quais noventa e quatro respeitam a jogos de futebol. Sobre tais jogos recaiu análise cuidadosa quanto ao seu desenvolvimento, incluindo o desempenho da arbitragem. Importava, na verdade, averiguar se ocorrera distorção do mérito desportivo de cada qual, conseguida à custa da prática de ilícitos criminais.A partir da abordagem daquelas cento e vinte e sete situações, puderam formular--se, a respeito de cada uma, juízos quer de insuficiência de prova quer mesmo da inexistência de qualquer infracção penal.- Finalmente, o material probatório reunido permitiu ao magistrado titular deduzir acusação contra vinte e nove arguidos, cuja actividade se centrou na área da comarca de Gondomar. Na esmagadora maioria dos casos são imputados crimes ocorridos no âmbito da actividade desportiva ou com ela relacionados.”

Esta transcrição, ipsis verbis, do comunicado da PGR de 2.2.2006, deveria fazer pensar duas vezes, quem ameaça com processos contra o Estado e pedidos de indemnização contra quem o prejudicou e tentou “assassinar” politicamente.
E se tal não sucedeu com Valentim Louteiro , poderia fazer pensar duas vezes quem lhe dá o altifalante para se exprimir, sem lhe recordar também os factos conhecidos e segundo parece, já esquecidos.
Apesar disso, da análise desses factos e das ocorrências que os acompanharam, resultam muitos e variados ensinamentos que o próprio MP e principalmente a Polícia Judiciária, poderiam e deveriam aproveitar para se analisarem procedimentos; corrigir actuações; delinear estratégias futuras e interpretações das leis de processo e práticas correntes, judiciárias e de rotina.
Aparentemente, tudo continua no remanso habitual e pouco se ligou ao exercício de “whistleblowing” soprado pelo então Bastonário da OA e por outros, até mesmo do MP e que escrevem em blogs como este…
Não se admire, portanto, quem não se deveria admirar.

Sindicalismo ou Justiça?

Incursões, 27.04.06
Diz o JN de hoje: Colega do procurador lança aviso ao major

«O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público lançou, ontem, um aviso a Valentim Loureiro sobre a interpretação do arquivamento do caso Metro do Porto, decorrente do Apito Dourado.

"Temo que o sr. major esteja a pôr a carroça à frente dos bois. Efectivamente ele ainda não foi desresponsabilizado dos diversos factos que lhe são imputados no âmbito desse processo, apenas de um, uma concreta certidão, mantendo-se outros processos em curso", explicou, à Rádio Renascença, António Cluny. Da mesma estrutura sindical faz parte o procurador-adjunto visado sempre indirectamente pelo major. Carlos Teixeira, magistrado do MP titular do processo, é o presidente distrital da delegação do sindicato no Porto. Cluny diz ainda que os magistrados podem ser processados pelo Estado, em casos em que este é condenado (...). »

Não conheço o Dr. Cluny. Nem conheço o Dr. Carlos Teixeira (ver-nos-emos, por aí, um destes dias). Conheço o Major e ele conhece-me. Ele não gosta de mim, nem eu dele (coisas dos tempos de jornalismo). Por isso, creio que sou insuspeito na matéria. E daí, acho que o Dr. Cluny não devia ter dito o que disse. É que o que se passa, não é uma questão sindical - é uma questão de justiça.

Acho que o dever de reserva, aqui, seria o mais aconselhável. Mas, pronto...

(Anda lá, Joaquim Manuel, pões a cabeça a jeito e depois queixas-te...)

Do discurso do Presidente da República

Incursões, 26.04.06
Do artigo de Vicente Jorge Silva, publicado no DN de hoje, 26 Abril 2006, intitulado "25 de Abril: as surpresas de Cavaco", e o qual acabo de ler, respigo estes importantes excertos, que nos merecem alguma reflexão, sobretudo por parte da classe política dirigente.

(…) Cavaco fez um discurso contra-corrente - contra a própria corrente em que nos habituámos a situá-lo, contra a corrente onde identificamos muitas das personalidades (e interesses) que o apoiaram, e, finalmente, contra a corrente da agenda política e mediática.(…).

(…) E elegeu um tema a que não era suposto estar tão atento e sensível - esse tema "oculto" ou sistematicamente obscurecido pelo ruído ambiente que é o Portugal silencioso, remetido para as margens da exclusão social e da desertificação territorial, o Portugal desprovido de defesas ou representação política e corporativa, o Portugal desprezado e "improdutivo", "deixado por conta" nos critérios economicistas e tecnocráticos da competitividade e da rentabilidade (…).

(…) Discurso de "esquerda", de compaixão, de solidariedade, de alerta - que importam as definições? O que importa é a gravidade emprestada pelo Presidente ao compromisso cívico concreto que propôs aos portugueses e a que teremos de responder por acção ou omissão (a começar pelos que nele votaram nas últimas eleições) (...).

Creio que os rótulos e definições apriorísticas são cada vez menos importantes e cada vez mais redutoras.

Au Bonheur des Dames 23

d'oliveira, 26.04.06
Porque dambulam os homens em vez de ficar quietos?

Permitam-me que comece por uma anedota vivida e sobrevivida, como verão de seguida. Nos idos de 62, durante uma famosa crise académica, fui, com mais quase trezentos estudantes, preso depois de ocupar a sede da Associação Académica de Coimbra. Esta pequena multidão foi levada para o quartel da guarda republicana e, à falta de melhor, metida no refeitório, que seria a única sala onde caberíamos. Quando percebi que estávamos ali para ser feita uma triagem entre maus, muito maus e péssimos, temi pelo meu futuro imediato e fui passear para o fundo da sala. De pouco me valeu tal deambulação porque a breve trecho ouvi o meu nome e como me fui aproximando lentamente, repetiram-no duas vezes e em tom crescentemente ameaçador. Depois com mais cerca de cinquenta escolhidos partimos para gozo de férias à custa do Estado numa prisão à beira mar.
Para não perder o fio à meada, eis aqui uma primeira tentativa de resposta ao tema que aqui nos junta. Deambulei, ainda que pouco, e com menor êxito para evitar o momento da verdade: malhar com os ossos em Caxias. Adiar o inevitável, para ser mais preciso.
Desculpem se começo com uma historieta. É apenas um truque para ajudar a passar o resto da minha intervenção que corre o risco de ser sensaborona.
Um moderador deve ser moderado no que vem dizer: refugio-me pois em três ou quatro recordações de leituras que apesar de antigas me tem acompanhado sempre.
E poderia começar pela história do patriarca que vindo de Ur foi errando pelos imensos espaços do médio oriente semeando pão e filhos. Alguns desses, à voz de Moisés despediram-se do faraó e partiram em busca da terra onde correria o leite e o mel. Quarenta anos terão andado perdidos entre dunas que se sucediam às dunas, alimentados pelo maná que um Deus longínquo lhes enviava ou, como creio, por um outro alimento menos espiritual mas mais conforme com a tese que queria desenvolver: vagueavam por um deserto cuja travessia não pediria mais que um ou dois meses, movidos pela procura da aventura.
É essa mesma procura que animará Jasão e os seus, o voo de Ícaro, Teseu, a caminho de Atenas ou mais tarde perdido no labirinto. Estes homens sempre em movimento, afrontando mil perigos, usando a astúcia dos comuns mortais dão aos deuses uma bela lição. É que não têm a seu favor a imortalidade destes, essa imortalidade que os convida ao ócio e os torna o pior dos exemplos para os mortais.
E a pergunta reaparece: porque deambulam estes homens? Porque se submetem a todos os perigos, arriscam mil vezes a vida, eles que são apenas mortais?
Tentemos a resposta fugindo do mundo grego, muito nosso e muito próximo: deambulemos, nós também, até Uruk, a cidade das 900 torres onde reina Gilgamesh. Como é sabido, Gilgamesh tornar-se-á amigo dum gigante selvagem, Enkidu a quem manhosamente enviou uma cortesã para o seduzir. Duram sete ininterruptos dias e sete noites as núpcias da bela e do monstro que se converterá em homem e amigo de Gilgamesh. Os dois combaterão monstros, vencê-los-ão mas o perfume fatal da vitória fá-los desafiar a grande deusa Ishtar que finalmente conseguirá abater Enkidu. Depois de chorar o amigo morto, Gilgamesh partirá para o deserto, onde errará desesperado pela ideia duma morte que cedo ou tarde o atingirá. Para a deter encetará uma longa e aventurosa viajem, semeada de perigos extraordinários, ao fim da qual obterá a planta mágica da imortalidade. Quando já regressa triunfante resolve lavar-se numa fonte. Uma serpente, atraída pelo aroma da planta come-a e Gilgamesh não tem mais remédio do que regressar à sua Uruk sabendo-se definitivamente privado da imortalidade.
Eu não sei se esta digressão por um mundo antigo e luminoso, onde os heróis ainda eram possíveis nos dá qualquer pista. Por mim, leitor compulsivo, que sempre viajou acompanhado de livros, que visitou terras onde jamais se perdeu de tantos livros lidos sobre elas, tenho que a viagem é sempre uma tentativa de fuga da condição humana de antemão perdida. Os homens como os autores embarcam numa história que eles próprios escrevem para tentarem assegurar a sua quota-parte de imortalidade. Mesmo que saibam, e sabem, claro, que não a conseguirão. E no entanto, persistem. Como diz o poeta:
caminhante não há caminho;
o caminho faz-se ao andar.

E é essa a sua vitória.


as minhas pacientíssimas leitoras devem admirar-se da pouquidão deste texto, logo eu que, como diz amavelmente o José sou de longas redações. Acontece que como por aí se dirá era apenas o moderador da mesa pelo que entendi escrever uma coisa que não ultrapassasse os 5 minutos, dado que eram concedidos dez aos intervenientes. Aviei pois, a mata cavalos a história de Gilgamesh que é um dos mitos mais extraordinários do médio oriente. E com grande pena o fiz mas apenas queria deixar claras duas ideias: uma a de que os homens devem desafiar constantemente a sorte isto é o designio dos deuses. A segunda será que, mesmo sabendo-se vencidos pela morte, lutam pela imortalidade. Como já contei noutro post a mesa foi alegremente anárquica e por isso a discussão também se pautou pelos mesmos princípios. E as lições que eu pretendia tirar ficaram no tinteiro. De qualquer modo repetiria a aventura.
À leitora que teve a amabilidade de me falar peço que me contacte para marceloribeiro@netcabo.pt com urgência para fins de máxima seriedade, juro.

Será verdade?

José Carlos Pereira, 26.04.06
Ontem, um quadro da EDP disse-me que esta empresa passará a contar nos próximos dias com um novo assessor jurídico, Pedro Santana Lopes. Curiosamente, ou talvez não, contratado pelo seu ex-ministro António Mexia, que é agora presidente executivo da EDP.

Será verdade? E se for, não há vergonha? Coitada da EDP se precisar de se estribar num parecer jurídico de PSL…

O 25 de Abril em Marco de Canaveses

José Carlos Pereira, 26.04.06
Ontem, 25 de Abril, tive oportunidade de intervir na sessão solene que comemorou o Dia da Liberdade em Marco de Canaveses, integrada nas comemorações que acabaram por atrair a atenção dos principais órgãos de comunicação nacionais. Referi-me ao período singular que se viveu nesse concelho durante mais de vinte anos e também ao muito que ainda está por fazer, lembrando aos actuais responsáveis políticos as suas responsabilidades.

Mas comecei a minha intervenção, como seria natural, com a evocação do golpe militar que permitiu que a minha geração e as que se lhe seguiram crescessem numa sociedade aberta, plural e democrática. Enalteci a acção dos jovens capitães de Abril e entre eles destaquei, pela coragem, pela humildade, pelos valores, pelo desapego ao poder, o malogrado Fernando Salgueiro Maia.

No poema "O Revolucionário", a poetisa Sophia de Mello Breyner evocou, de forma sublime, a dimensão humana de Salgueiro Maia:

“Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício

Aquele que foi “Fiel à palavra dada à ideia tida”
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse”

Para o dOliveira: ontem falei a Isabel Pinto, advogada marcoense, na referência que aqui lhe fez. Ficou curiosa e disse-me que viria cá tentar perceber quem está por trás dOliveira. Aliás, quem me antecedeu na intervenção na sessão do 25 de Abril em Marco de Canaveses foi o seu filho, Filipe Baldaia.

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