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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames nº 34

d'oliveira, 29.09.06
Estreia absoluta de mcr na transferência de fotografias para o blog. Aceitam-se cumprimentos das leitoras embevecidas.
Indo ao que interessa: as leitores (e algum leitor, que diabo!) terão lido os anteriores posts deste vosso criado celebrando com eventual mas compreensível exagero o cinquentenário do seu grupo de teatro estudantil: CITAC.
Ora esses textos chegaram á mão (melhor: ao olho propriamente dito) de um Alexandre Forjaz Sampaio, que há 45 anos se baldou de Portugal para as estranjas por onde ainda está. O dito cujo, comovido, lágrima a espreitar do já acima referido orgão sensitivo, prestamente escreveu a este cronista (carta também postada aí em baixo) pedindo novas e mandados porque in illo tempore também ele (AFS) de dedicara á maléfica arte de Talma, no supramencionado citac. E mais: perguntava-me quem era eu, que não conseguia pôr cara no meu nome (aqui para nós: não se perdia grande coisa!...).
Entretanto a nossa correspondencia tem-se desenvolvido e hoje ele mandou umas velhas fotografias para identificar. Então não é que logo nas duas primeiras apareço eu no explendor dos meus vinte anos, trajado a rigor? As leitoras verificarão que estou de fato macaco e balde de pintura à frente! Efectivamente nesses primeiros anos do citac eu pertencia à equipa de montagem (onde também o Anto debutou) pelo que se percebe o traje.
Algum leitor mai malicioso diria que já nesta época me disfarçava de proletário... Não, leitor José, não, tanto assim que se vê por dentro do fato macaco uma camisa branca e uma gravata desapertada... Todavia em abono da sua tese, sempre direi que nessa época já alinhava pela "sinistra" onde me tenho mantido mais ou menos igual. Menos radical, claro, mas isso é costume. Mas igualmente veemente e teimoso quando é preciso. Eu não sei como é que isto vai ficar no blog... mas, como se dizia nessa Coimbra, onde meninos e moços nos descarregaram, effe erre a e *** (as estrelinhas representam a censura, que hoje em dia cautela e caldos de galinha são sempre poucos e a expressão é pouco elegante.)

Novo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

simassantos, 28.09.06
Acaba de ser eleito Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Juiz Conselheiro Luis Noronha do Nascimento.
Só não participou na eleição um dos juízes, tendo sido o seguinte, o resultado:
53 votos no candidato eleito
2 votos no Conselheiro Duarte Soares (vice-Presidente)
1 voto no Conselheiro Henriques Gaspar (Vive-Presidente)
1 voto no Conselheiro Pereira Girão
1 voto nulo
14 votos brancos
O Conselheiro Noronha Nascimento que presidia à 2.ª Secção (Cível), nasceu em 1943, no Porto e foi nomeado para o STJ a 14 de Setembro de 1998
Foi Delegado do Procurador da República nas Comarcas de Paredes, Pombal e Santo Tirso.
Foi Juiz de Direito em Trancoso, Marco de Canavezes, Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Gaia e Porto.
Foi Juiz-Desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa.
Foi Vogal do Conselho Superior da Magistratura (1989/1990) e seu Vice-Presidente (2001/2004).
Também foi membro da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (1984/1988) e seu Presidente (1992/1996).

Estes dias que passam 38

d'oliveira, 27.09.06
Idomeneo no Iraque ou em Portugal, tanto faz
Sejamos gratos aquele
Que apagou o archote da guerra.
A partir de agora, é certo,
A terra conhecerá repouso
Idomeneo, 1º acto, nº 3 coro, fala de dois cretenses.

O dr. Noronha do Nascimento entende que o presidente do Supremo Tribunal deve passar a fazer parte, como membro nato, do Conselho de Estado! Ora aqui está uma valiosa contribuição para a resolução dos vários problemas da Justiça e mais particularmente da desastrada situação dos senhores juízes. Parece que o dr. Noronha do Nascimento vai ser o próximo presidente do STJ, visto ser candidato único. Ganha de certeza!

Na minha cidade de Berlin, na cidade onde por duas vezes vivi tempos inesquecíveis, a opera de Mozart “Idomeneo” foi desprogramada pela Opera de Berlin. Vi, com estes que a terra há-de comer, uma senhora chamada Kirsten Arms defender o religiosamente correcto. Porque a certa altura, na ópera, se fala contra todas (insisto: todas) as religiões. Ou de como uma intelectual se demite de tudo o que deveria caracterizar a cultura. Mozart deve revolver-se na sua ignorada tumba. Até a chanceler Angela Merkel está espantada. E a grande maioria das organizações muçulmanas idem. Esperemos que o Conselho de Estado alemão passe a poder contar com a Frau Arms.

Em França um filme consegue finalmente mudar a lei. Trocando por miúdos: durante a 2ª Guerra Mundial, o exército francês contou com 350.000 soldados das colónias, desde a Argélia até Madagáscar. Os veteranos, sobreviventes, tinham pensões dez, vinte ou trinta vezes inferiores aos seus camaradas metropolitanos. O filme conseguiu relembrar ao Presidente Chirac esta pequena infâmia racista. Para o ano, antes tarde do que nunca, as pensões dos bicots e dos nègres serão igualadas às dos franceses brancos.
O comentador, que em seu tempo, entendeu que as guerras coloniais eram infames, afirmação que mantém, pergunta-se, entretanto, como português e cidadão, se os soldados africanos que se bateram por Portugal, salvando acaso algumas vidas mais brancas, recebem as pensões de guerra que lhes correspondem.
Antes que me esqueça: o filme em questão chama-se Indigénes e é realizado por Rachid Bouchareb.

Uma agencia oficial americana, do mais respeitável e establishment que há, veio, mais vale tarde do que nunca, reconhecer que a invasão do Iraque, onde não havia Al Qaeda, nem terrorismo de Estado, desatou uma autentica orgia de atentados, de constituição de grupos terroristas, enfim abriu a famigerada caixinha de Pandora. O Presidente Bush, aproveitou o ensejo para dizer: a) que não conhece essa Pandora mas que já encarregou a CIA de a identificar; b) que não sai do Iraque nem a tiro e que se está nas tintas para os relatórios e que enquanto os mortos forem maioritariamente iraquianos tudo irá bem.
Não é possível infelizmente propor Bush para algum State’s Council porque lá não há. Que pena, que pena...

Algumas leitoras e as colegas bloguistas comoveram-se com a edição anterior de “estes dias... “, a que tinha o nº 39, datada da quarta feira passada. Para regozijo delas aqui se informa que a dieta do escriba prossegue com grande coragem, determinação, sentido de Estado – mas não de conselho! – e que uma barreira psicológica foi ultrapassada. O peso desceu, abaixo de um certo número que, por pudor, não se refere. Menos 7 décimas e entrarei no sobre-peso grau 1. Ora toma!

nota final que nada tem a ver... O Conselho de Estado é segundo a Constituição Política da República Portuguesa um órgão eminentemente político, com funções políticas. Perceberm ou é preciso um desenho?

Au bonheur des Dames 33

d'oliveira, 26.09.06
Bonheur, bonheur
Aqui vos trago sem comentários um mail acabado de chegar (se é que os e-mail chegam…) de Liége, bela cidade de dois rios, onde, em época que se perde no tempo, os meus amigos do CITAC e eu próprio tivemos um dos melhores momentos da nossa vida de teatreiros.
Quem me escreve é, julgo, um tipo que lembro, gordinho, barba frondosa e completa, sócio do CITAC e que na época devia ser aluno do liceu, e dos cábulas pois já teria os seus dezoito ou dezanove anos…
Tinha-lhe perdido o rasto e, pelos vistos, ele a mim pois mesmo com este nome pernóstico, não consegue ver-me a pobre cara. Também é verdade que quarenta e cinco anos de “emigra” são muitos… Mas que é o primeiro que ao nome não responde, é uma verdade que me faz sonhar com uma futura carreira de anónimo antigo estudante de Coimbra.

"Marcelo,
Aonde posso eu comprar o livro?
Recentemente encontrei na minha bagagem de emigra de 45 anos o meu cartão do Citac feito pela Ercília Sampaio co-fundadora e uns negativos que o António Portugal e eu fizemos num ensaio geral do Our town.

Fui assistente do Jacinto Ramos e foi o Pedro que através do TEP me ensinou a luz e sonoplastia que me foram fundamentais na minha vida. O luís de Lima abriu-me a porta para a musica com a sono que fiz para o Professor Tarane e o contacto preciosíssimo com o Marcel Marceau que eu recebi em Genebra na RTS.

Segundo o que li devemos ser do mesmo tempo, ajuda-me a por um rosto no teu nome e também do Oliveira e outros que te passarei por mail depois de ter conseguido restaurar alguns negativos

vou fazer igual pedido sobre o livro o Tó-Rocha meu primo e Senhor D' Aveiro a quem devo um corrector de português a para poder escrever com relativos poucos erros .....mas tenho receio que entretanto se esgote

Preparo qq coisa sobre os meus fantasmas de então : António Pedro, Jacinto Ramos o Andre Acquart que encontrei mais tarde em Avignon
e o meu querido Abraão que me mandou um postal do Avenida e dizia

se a solidão te quer apanhar rapaz, bebe dois copos de tinto dá três porradas no chão e abre a cortina lentamente e vais ver que passa, já lá vão 45 anos que a pratico e dá sempre resultado

Ben hajas pelos 5 minutos que encontraras para me responder

Alexandre forjaz de Sampaio
Liège
alex.forjaz@laposte.net
kontakt@teledisnet.be
***
Horas que fossem, dias inteiros se necessário! Isto de escrever para um blog é o mesmo que lançar uma garrafa ao mar de uma ilha deserta. Tu deves ser aquele temível Forjaz da sonoplastia e dos primeiros anos sessenta. És? Porra, pá que alegria mais f da p... Claro que te vou dar a direcção do CITAC que é esta: citac@portugalmail.com .
Queres mesmo pôr umas trombas no nome marcelo? Olha que nem sei como: entrei para o citac nesses sessenta ou sessenta e um, era de direito, ia ao Mandarim, e que mais posso dizer...moreno, muito mesmo, magro, pouco de praxes ou nada até, esquerdão até vir a mulher da fava rica, amigo do Férrer, Batarda, do Pedro Mendes de Abreu (falo só de malta mesmo de Coimbra) e outros da mesma geração, devia estar na Montagem nesses teus anos citaquianos. Fui casado com uma Maria João linda de morrer. Isto chega, ou queres mais molho?
Apressa-te a mandar um mail à malta do Citac, são uns miúdos porreiros, aliás mais miúdas que miúdos aquilo é um alfobre de raparigas bonitas e com pelo na venta. Imagina que até são presidentes do organismo! A de antes e a actual! Que belo caminho andado, pá, que belo caminho. Faz lá a lista da malta que queres encontrar e eu, se puder, ajudo.
Recebe um abraço sejas tu quem fores: o forjaz gordinho de barba e sonoplasta ou outro forjaz, para mim basta que sejas do citac. Ainda por cima vens-me falar do velho Abraão, isso é mesmo um tiro ao coração, que eu bem que gostava dele.
Bebe aí nessa bela terra, onde tivemos um grandioso triunfo em 67 ou 68 (com a alegria até me engano nas datas...), num Festival Internacional de Teatro, umas Stella Artois á minha saúde e continua em contacto.
m.c.r.

Farmácia de serviço nº 25

d'oliveira, 26.09.06
Luzes da ribalta

Alguma leitora mais curiosa (que os leitores estão-se marimbando para estas coisas de números de uma botica mais ou menos demodée) virá dizer que em boa verdade esta edição deveria ser a 29ª. Entretanto há três “f s” sem número por razões que não importa pelo que, na expectativa de muito brevemente actualizar (sob a severa tutela de Madame Kamikaze) o ficheiro, entendi desde já aplicar ao escrito aqui perpetrado o número que de facto lhe deve corresponder, o 32º.
E agora, “à barca, à barca que temos gentil maré” como refere o augusto pai do nosso teatro, esse imortal Gil Vicente a quem também querem atribuir a fábrica da grande custódia de Belém. E querem porquê? Porque esta coisa do teatro foi durante séculos muito mal vista. Refiro-me obviamente à época dita cristã, que antes entre gregos e romanos o teatro fazia parte dos usos da cidade e assistir a uma peça era quase um dever sagrado na medida em que ou se referiam os mitos fundadores da polis ou se zurzia sem dó nem piedade nos costumes. Entre Esquilo e Aristófanes é toda uma luminosa civilização que nos é dada conhecer.
Portanto, esta teoria é só minha, claro, de tão deslavada e inconsequente, a Gil Vicente o dramaturgo atribuiu-se também uma função mais nobre qual seja a de ourives para o poder meter sem dano no panteão dos ilustres.
Note-se bem que a mim esta mistura não afecta, antes pelo contrário. Até acho graça que, eventualmente, sem querer, tenham juntado na mesma pessoa duas funções de relevância extraordinária entre os povos primitivos: o artesão de palavras e o que maneja o fogo e os produtos da terra para criar uma obra extraordinária. Em África, para não ir mais longe estas duas profissões, o griot e o ferreiro são alvo de tabus importantes e concedem-se-lhes poderes especiais.
Mas deixemos Mestre Gil em paz, referindo todavia, de passagem, que há dele na Imprensa Nacional Casa da Moeda uma nova e excelente edição completa que fica bem em qualquer estante. E que, em querendo, se lê com grande gozo e contentamento.
Vamos entretanto falar de outros dramaturgos que por uma ou outra razão andam por aí quase clandestinamente. Comecemos por Harold Pinter, flamante Nobel e voz corajosa e critica: a editora Relógio de Água tem um par de peças dele editadas, a bom preço. Alguém se me queixava há dias por não encontrar Pinter em português: aqui fica a dica. E a R-d-A é uma casa simpática.
Também me parece que ninguém tem dado relevância à publicação integral de Brecht em português. Havia as velhas edições da “Portugália editora”, anos sessenta e setenta, seis ou sete volumes, mas esgotadíssimos. E daí para cá era o deserto ou quase. Pois bem, o pequeno e simpático oásis editorial que se chama “cotovia” meteu mãos à obra e tem publicado com notável regularidade a obra. Se tudo correr bem, deve estar já nas bancas o 4º volume.
Gostava, olá se gostava, de referir edições de Beckett mas por mais que espreite nas livrarias não me parece que algo a que deitar o dente. De todo o modo suponho (isto de viver no Porto tem custos) que no D Maria se terá estreado há bem pouco um trabalho de João Lagarto sobre um texto de Beckett (beggining to end). Ao que sei, e sei muito pouco, tratar-se-á de um texto beckettiano elaborado a partir de três narrativas (Molloy, Malone está a morrer e O inominável)- Apenas conheço as duas primeiras e sou, se isso fosse preciso!!!, fiador delas até morrer.
Finalmente – e sempre o simpático passaroco! – a Cotovia lançou-se a publicar Ibsen! Ora toma lá que já almoçaste! Anunciam-se mais de uma dúzia de peças (Lindoooo!!!) e o primeiro volume entretanto saído traz entre outras as famosas João Gabriel Borkmnn e Quando nós os mortos despertarmos. A leitora avisada inscrever-se-á para os três cartapácios porque este cavalheiro, mais norueguês que o bacalhau de saudosa memória é um génio. Simplesmente! E se sobrar cacau, força, força a comprar de Grieg as suites Peer Gynt. Aconselha-se a edição da brilliant classics ( a menos de 9 €) ou ainda a da Naxos.

E já que se fala de discos: já cá canta a Bach edition (brilliant classics). Se a memória me não falha exportulei 90 € mais portes (pedido feito a alapage.com): são 155 cd ou seja sessenta e tal cêntimos por disco! Vem tudo, são belas gravações há um cd com todas as indicações. Relembra-se que na mesma pasmosa editora saiu um Mozart integral (170) discos pelo mesmo preço. Depois queixem-se que os discos estão caros!

Os leitores já terão percebido que esta farmácia tão teatral sai na semana em que se iniciaram as comemorações do cinquentenário do CITAC (circulo de iniciação teatral da academia de Coimbra). Fica muito bem, o velho grupo, ao lado destes rapazes acima citados. Muito bem, mesmo!

Orquestra do Norte em Tongobriga

José Carlos Pereira, 25.09.06
No passado sábado, ao final da tarde, tive oportunidade de assistir a um concerto da Orquestra do Norte no magnífico cenário da Área Arqueológica do Freixo, em Marco de Canaveses. Projectado inicialmente para decorrer ao ar livre, junto aos importantes vestígios da cidade romana de Tongobriga, que justifica uma visita demorada, o mau tempo fez com que o concerto acabasse por se realizar num novo espaço destinado a restaurante/cafetaria. O que se perdeu em acústica ganhou-se em conforto e foi assim possível assistir a uma bela interpretação da Orquestra do Norte abrigado da impiedosa chuva.

A Orquestra do Norte, que interpretou obras de Mozart, Schumann, Brahms, Dvorák, Bizet e Luís de Freitas Branco, foi criada em 1992 pela Associação Norte Cultural, vencedora do primeiro concurso nacional para a criação de orquestras regionais. Dirigida pelo maestro José Ferreira Lobo, esta orquestra conta com profissionais nacionais e estrangeiros de reconhecido mérito e tem um especial cuidado com a formação dos mais jovens, apostando na realização de concertos de cariz pedagógico.

Diário político 28

Incursões, 24.09.06
A liberdade passou por aqui...e deixou rasto.

Este diário político, descosido, como já uma vez aqui se escreveu, não se alimenta só de textos mais antigos que os afonsinos, que aliás só se trazem á superfície se, e quando, entre a reflexão de há quinze, vinte ou mais anos e a actua realidade há pontos de semelhança. Por isso hoje, venho falar de um aniversário, melhor, de um cinquentenário que dirá qualquer coisa à tribo dos amantes do teatro. E dos que penaram na “Coimbra de lavados ares”, os anos entediantes da universidade do Estado Novo. Portanto isto dirige-se, prima facie, á comunidade coimbrã dos anos 1956 a 2006, ás sucessivas fornadas de jovens que graças ao CITAC que é dele que se fala, viram teatro, fizeram teatro, discutiram teatro. E como a juventude é, além de impecuniosa, anárquica, pode dizer-se que ao ver, fazer ou discutir teatro eles viram, fizeram e discutiram a sua entrada na sociedade adulta, a sua ritual passagem de classe de idade, e mesmo sem o saber, querer ou imaginar são muito o fruto desses anos de vinho e rosas, de desconcerto e angústia, de alegrias súbitas e amarguras várias.
Ao falar deste cinquentenário de um grupo estudantil sediado na “academia coimbrã” é mister falar dos motivos do seu aparecimento num pais soturno, numa cidade vigiada mais pelos costumes, do que pela polícia, mais pela tradição do que pela censura oficial. E este é o primeiro milagre: naquilo, naquele tanque de águas mais paradas que as dos lagos do Jardim da Sereia, subitamente, sem avisar, num pinote ignorado por Darwin e por todos os seus selectos discípulos, um amável peixinho vermelho surdiu das águas, cheirou o ar quente e decidiu-se a sair dali, transformado em pássaro multicor não se sabe se arara, papagaio ou beija-flor, o que de resto é irrelevante, porquanto os peixes mesmo vermelhos não se põem a surdir da água limosa e parada e muito menos levantam voo. A menos que..., a menos que isso se passe numa sala escura e conspirativa, sob a luz de um spot, por cima das tábuas de um palco.
E este é o segundo milagre: as vozes e as máscaras nesse palco tiveram eco, ecos, ressonâncias nessa gruta escura que é a plateia. E o que parecia uma aventura sem futuro dura há cinquenta anos. Cinquenta anos. Cinquenta anos em que este pequeno grupo soube dar-se ao público e ao mesmo tempo trazer a Coimbra o melhor teatro que se fazia no país em ciclos anuais em que se via o impossível, o inacreditável, para quem ainda ousa passar a porta dum teatro: salas cheias esgotadas de gente entusiasta. E nesse teatro que vinha a Coimbra também nunca faltou a hipótese dada a pequenos desconhecidos grupos que aqui ganharam as suas esporas, sentiram os primeiros aplausos e confusamente perceberam que do lado de lá havia um público comovido, grato e pronto a voltar.
Esta aventura, se aventura foi deve-se também e muito a um inquebrantável apoio da fundação Gulbenkian. E não deixa de ser um sinal de alegria ver hoje na presidência dessa instituição, um ex presidente do CITAC que bem poderá dizer que se algum organismo houve que soube fazer render o apoio económico que recebeu da Fundação foi este pequeno grupo teimosamente independente.
Durante este meio século que de aventuras idênticas não desapareceram. Teatros profissionais, Os Bonecreiros, o Teatro Estúdio de Lisboa, o Teatro Moderno de Lisboa e tantos outros, grupos profissionais, com sólida base que não resistiram à erosão do tempo, dos públicos sei lá a que mais coisas. E mesmo na Universidade portuguesa quantos organismos idênticos, resistem, se mantêm, com esta frescura, esta confiança esta esperança? Terceiro milagre pois, nesta via crucis por um momento gozoza, exaltante, surpreendente.
E foi vê-los os jovens da fornada de 2000, a traço grosso a terceira geração completa porquanto o pequeno grupo de fundadores do CITAC já tem ou poderá ter netos em boa idade de serem inoculados pelo bacilo feliz, fecundo, exaltante do mistério teatral. Desse “mistério” que vem do fundo dos tempos, dos anfiteatros gregos, dos mosteiros hindus, da rua chinesa, do Nô, do kabuki, dos griots da savana africana. Desse toque de fantasia e de máscara que é consubstancial, seja em que língua for, àquilo que chamamos civilização, àquilo que chamamos liberdade, poesia, vida.
Longa vida, pois, longa vida a esse infindável círculo que se chama CITAC, e nisto vai um voto para o círculo amplo das sucessivas gerações que o fizeram. E para o outro, maior ainda, dos espectadores. Porque sem eles não há teatro, não há a quente respiração da noite, não há réplica, não há dialogo. E o teatro é uma longa, longa conversa. Como esta aqui, deste que se expõe, saúda e espera poder continuar vir a este palco virtual para dizer outra vez que a liberdade está a passar por aqui. E daqui para aí ...

Saúde-se nesta evocação, homenagem, carta perdida, em primeiro lugar o Professor Doutor António Arruda Ferrer Correia, Professor, Magnífico Reitor e Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian e Amigo do CITAC . E depois na des(ordem) que quiserem Luis de Lima, António Pedro e Jacinto Ramos (encenadores), Francisco Relógio e Andre Acquart (cenógrafos)

Au Bonheur des Dames 32

d'oliveira, 24.09.06
Modernos, dizíamos
(a propósito dos cinquenta anos do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra)

O meu caro amigo António Lopes Dias, companheiro de CITAC e de tantas outras coisas, libertou-me de várias dificuldades. Ao escrever um texto extenso sobre os nossos anos teatrais, o que queríamos, o que vivíamos e, acaso, o que éramos libertou-me de tarefa idêntica e seguramente fastidiosa. É que, vejam, jovens companheiros desta aventura ao cimo das tábuas, nada me espantaria mais, a mim, que seguramente tenho a idade dos pais dos mais velhos dentre vocês, que os actuais “citaqueanos” se nos assemelhassem.
Ou melhor: tenho a impressão que à vista dum palco nu, nos percorre a todos ( a Vocês e a mim) um frémito de alegria, de gula, de excitação temperado por essa estranhíssima sensação a que os franceses chamam “trac”, aquela insidiosa angústia que nos revolve a tripa no exacto momento de entrar em cena. Ora aqui está algo que não muda, Moliére seja louvado! Moliére e essas pancadas que marcavam o ritmo aos rapazes e raparigas que no fim dos anos cinquenta se atreveram a montar uma peça de Torga. Modernos, diziam, queremos fazer um teatro moderno. Gil Vicente e os gregos são óptimos mas nós vamos por outro lado. E vamos sozinhos, ou quase, numa cidade que, legitimamente, prestava há anos homenagem ao TEUC e a Paulo Quintela. Mas não nos enganemos! Sem o TEUC, sem Quintela, o CITAC não existiria. Porque o gosto do teatro apanha-se a ver teatro. E nesses anos era o TEUC que víamos. E ao vê-lo, víamos do melhor, do mais inteligente e do mais rigoroso! E por isso mesmo adivinhávamos que sobre a crua realidade das tábuas poderia haver outra linguagem, outro modo de estar, outros e mais próximos autores.
Eu, disto, lembro-me mal. Andava no liceu D João III, vivia numa “Pensão Alentejana”, ao alto da Lourenço de Almeida Azevedo e tinha a má sorte de ser “bicho” em terra de universitários. Valeu-me o João Cabral de Andrade, que já ia no 5º de Medicina e me protegia nas saídas. O João era do CITAC e foi por isso que consegui ver uns ensaios ( quando o espectáculo subiu à cena, já a família me enfiara num colégio lá para os lados de Braga, para ver se ainda salvava o ano. Salvei mas com que tristeza!).
Os rapazes e raparigas do CITAC além de poucos, navegavam naquela Coimbra a contra-corrente: não eram praxistas, frequentavam a Brasileira, discutiam autores estrangeiros e não usavam capa e batina. Ousaram até, oh sacrilégio, editar uma revista de teatro, obviamente chamada “CITAC, boletim de teatro”. E querem saber mais? Cinquenta anos depois ainda se consegue ler!!! Poupo-vos às criticas que os críticos já instalados na praça, crocitaram.
E afinal onde estava o escândalo? Pois na furiosa afirmação de modernidade que aquele percurso já indiciava. Os do CITAC liam Ionesco, Adamov, Beckett Artaud e alvoraçavam-se com o surrealismo, com o teatro do absurdo e politicamente estavam firmemente á esquerda, uma esquerda onde cabia mais gente do que o costume desde os católicos aos sociais-democratas com passagem por alguma gente do pc e descomprometidos variados.
E também isto, esta alegre confusão era novidade numa cidade onde os sobreviventes do MUD Juvenil afrontavam uma direita monárquica e integrista. E também houve quem tentasse trazer o CITAC para posições “mais correctas” mais “linha geral”, mais “realismo socialista”. Baldado esforço: aquele punhado de jovens mostrava-se irredutível.
E isto, acreditem-me, para um miúdo de 16/17 anos que começava a ler Rilke, os franceses da nova geração (Vaillant e companhia) e os realistas italianos, era o máximo... sobretudo numa Coimbra, muito embiocada em capas e batinas, relentos de garrafão, lares para meninas obrigatoriamente bem comportadas, com uma universidade autoritária num pais autoritário e beato onde até para se usar isqueiro era preciso licença camarária. O CITAC era uma ilha, um espaço de liberdade, anarqueirão ás vezes, mas exigente e rigoroso quando se tratava de pôr de pé um espectáculo.
É claro que uma peça que se monta acaba por ter sempre, sobretudo a vinte, trinta, quarenta anos de distancia, um frustrante aroma que depressa se desvanece: a magia do teatro é o efémero duma noite irrepetível porque nas tábuas, na viva respiração das palavras que se perdem contra o quente escuro duma plateia, nada se repete tudo é novo e diferente.
Isto dura há já cinquenta e tal anos? Chiça que velho estou, que velhos estamos!!! Todavia, pensando bem, quando à pressa escrevo estas linhas, sinto-me absurdamente de novo com os mesmos maravilhados dezoito, vinte, vinte e dois anos a mexer no órgão de luzes, a recitar baixinho e para mim a peça que sei de cor, a peça que estou a viver, ali em frente num palco vestido de esperança, de palavras, de palavras vivas, ou seja o teatro em todo o seu esplendor.
Os próximos cinquenta anos vão ser ainda melhores!
Marcelo Correia Ribeiro

Permitam-me que relembre: João Cabral de Andrade, morto em Angola, João Quintela, Isabel Mota, António Caeiro, Vasco Airão, Helena Aguiar, José Tavares Pinto, Fernando Assis Pacheco, meu compadre, António Mendes de Abreu, meu quase irmão. E o Vítor, o Vítor Garcia, argentino duma figa e encenador de mão cheia. Eles gostariam de estar connosco.

***
Texto que faz parte do livro colectivo Citac 50 anos (esta danada caixa preta só a murro é que funciona). Aqui se traz á freguesia incursionista porque não só se duvida que estejam dispostos a arriscar 25 € num livro líndíssimo mas muito virado para a comunidade coimbro-teatral mas também porque pode ocorrer que o livro esgote antes de aparecer nas livrarias mais à mão. Tiragem modesta, coleccionadores e amigos, enfim o costume. Entendi que sendo eu desta casa com o mesmo entusiasmo e alegria que sou do CITAC e de mais meia duzia de ajuntamentos igualmente não fungíveis aqui o deveria pôr, uma vez publicado.

A POSSE

ex Kamikaze, 23.09.06
«O novo juiz do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, sr. dr. Cardoso de Figueiredo, esteve ontem, ao fim da tarde, naquele tribunal, a visitar todas as dependências. A posse deste magistrado é conferida no Comando da Polícia, no Ministério do Interior, pelo sr. coronel José Cameira, comandante das P.S.P. e juiz adjunto do referido tribunal. O sr. dr. Cardoso de Figueiredo, que é um magistrado muito conhecido e sabedor, mas dotado de uma grande modéstia, que mais uma vez se revelou, não deseja dar á sua posse grande relevo, para não incomodar os seus amigos e colegas que se propusessem assistir ao acto.»

in: Diário de Lisboa, 6 de Maio de 1943

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