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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 32

Incursões, 18.11.06
Por quem alguns sinos dobram

Não é dia de grandes alegrias este que nos traz duas mortes tão longínquas e tão próximas: Cardia e Puskas.
Comecemos pelo último, pelo húngaro que praticamente marcou um golo de cada vez que jogou. Não é bem assim mas quase: em 700 jogos marcou 682 golos! É obra.
Eu não sou dos futebóis mas apesar de tudo sei reconhecer um jogador brilhante e Puskas, como Stanley Mathews, Pelé, Maradona ou Travassos (o do Sporting) deixaram um rasto glorioso. De golos, de generosidade, de entrega. E junte-se-lhes o Eusébio, já agora, esse milagreiro de um jogo inesquecível contra a Coreia, para só falar de um acontecimento desportivo.
Mas Puskas, desculpem lá os outros, era um portento. Fintava no espaço de um lenço de assoar, era gordinho e parecia desajeitado. Puskas era uma czarda de Liszt num baile de bombeiros. As pessoas paravam, embasbacadas, para o ver. Morreu ontem com quase oitenta anos. Esperemos que os seus compatriotas e a malta do Real Madrid lhe prestem a homenagem que merece.
E o Cardia? Pois o Cardia é rapaz do meu tempo, como é costume dizer-se. Encontrámo-nos em Coimbra, em 63, vinha ele expulso de Lisboa com mais um belo grupo (Eurico de Figueiredo, Valentim Alexandre, António Correia de Campos e o Nuno Brederode) de perigosos agitadores. Em troca a universidade de Coimbra tinha exportado outros tantos para Lisboa pelos mesmos motivos.
O Cardia tinha um ar frágil e desprotegido mas era um tipo rijo, corajoso e excelente conversador. Varámos algumas noites, no “Mandarim”, ali à Praça da República em conversas de bica aberta, sobre tudo e sobre nada. Depois ele formou-se e só dava notícias via “Seara Nova”. De vez em quando sabíamos que tinha sido preso pela PIDE. E sabíamos igualmente que ele fazia parte dos “que não falavam”. Só quem viveu esses tempos de susto e resistência é que sabe o que isso significava, a segurança que o Mário transmitia e o respeito que os outros lhe tinham. Era também um stalinista ao que se dizia. E um guardião da fé contra ventos e marés.
Mais tarde, já nos anos setenta aparece subitamente no PS. E depois do 25 de Abril terá com António Barreto a honra de ver o nome pintado por toda a parte com pedidos de demissão e ataques ferozes. O que não quer dizer que ambos não tivessem razão, mas isso agora será chover no molhado. Depois, desapareceu de cena. Foi vagamente candidato a candidato à presidência da república e a partir daí foi o black-out total. Os jornais e a televisão anunciam-lhe a morte. Aos 65 anos! Com ele, e ao mesmo tempo, desaparece toda uma geração de dirigentes políticos do PS. Varridos pela história e pelos congressos unanimistas do partido socialista. Como se a morte de Cardia fosse a metáfora da morte de uma certa ideia de socialismo português.
A terceira morte do dia é de uma jovem modelo brasileira. Alguém (quem?) tê-la-á convencido dos benefícios da extrema magreza. Anorexia, dizem os jornais. Num mundo onde milhares de pessoas morrem de fome cada dia, esta morte no privilegiado mundo das lantejoulas, das fotografias, dos contratos milionários é uma abominação. Morrer por um eco distorcido da elegância fabricado pelos grandes da moda é um crime. Ocultar a morte diária de multidões atrás desta morte auto-provocada ou induzida por obscuros interesses é pelo menos revoltante.
E mais do que isso: esta vai ser a morte das televisões, das revistas, da piedade cor de rosa. Esta é a morte que tem o perfume do escândalo, a rentável, a exemplar.
O mundo passa bem sem um jogador mágico fugido aos tanques de Budapeste ou sem um intelectual rigoroso e marcado por todos os embustes do século. Os sinos, os que se ouvirão, têm outras mortes por que dobrar.

Au Bonheur des Dames 39

d'oliveira, 17.11.06
Variações sobre a culpa

Descansem as leitoras e demais peonagem que, apesar dum meritório, ainda que curto, período de dedicação às ciências jurídicas, não venho aqui definir os limites da culpa mas apenas dedicar duas linhas por via de uma secretariante criatura (ou sub-secretariante, nem sei) que terá dito que a culpa do clamoroso deficit da EDP e das possíveis, eventuais futuras concorrentes, recai nos cidadãos contribuintes. Parece durante uns tempos a lusitana gente pagou menos do que devia pelo fornecimento de energia eléctrica.
Um estrangeiro, ao ouvir uma destas, caída com a necessária ênfase que soi ser a das governamentais figurinhas, poderia pensar que em Portugal subsistiriam restos de um abrilismo temível, revolucionário, que teria conseguido vergar a empresa e governo de tal modo e com tão inaudita violência que ambos, governo e empresa, para salvarem o coiro, teriam aceitado ser esbulhados de uma quantia gorda sob ameaças inomináveis que iriam desde o corte dos postos eléctricos até atentados contra a vida dos pais e mães da pátria.
Portanto, a secretariante ou subsecretariante criatura, uma vez, passado o perigo teria resolvido admoestar os súbditos e, ao mesmo tempo, avisá-los de um pequeno aumento no preço da energia, que eles durante anos se tinham recusado a pagar. Ai vocês cantaram? Pois agora vão dançar.
Todavia, as coisas não se passaram assim: as turbamultas portuguesas pagaram e não bufaram tudo o que lhes foi pedido em matéria de electricidade. Se alguém entendeu não pagar, rapidamente lhe cortaram o pio e a luz. Até no Teatro Rivoli a luz foi cortada para escarmento dos seus ocupantes.
A EDP e os organismos que a tutelam, directa ou indirectamente, definiu os preços dos seus serviços, todos os anos aumentados segundo critérios que noventa e nove virgula noventa e nove por cento dos portugueses desconhecem. A peonagem, nestas coisas, não tuge nem muge: paga, roga pragas, diz mal da sua vida mas paga. Porque sabe que se não pagar vem aí "os da electricidade" e cortam.
No entanto, dado que os aumentos da EDP não cobriam os custos da mesma, é o que eles dizem, há um buraco do tamanho do buraco do ozono mas mais feio, mais próximo e mais ameaçador. E foi por isso que a secretariante criatura (ou sub, tanto faz) veio agora dizer que se tinha acabado o recreio e que havia que pagar o deficit, tanto mais que se espera que venham os privados fornecer electricidade e que esses não se podem condoer com a aflição malévola dos actuais pagantes.
E pouca treta porquanto a culpa dos aumentos era, como não podia deixar de ser dos pagantes, isto é de nós todos. A culpa, reparem bem.
Não podia, uma vez sem exemplo, estar mais de acordo com a robusta e inteligente tese da secretariante (ou qualquer coisa do mesmo jaez) criatura. A culpa é nossa. Não é do capital, da imperícia dos estrategos governamentais, do populismo de que agora, e sempre, se têm revestido os pais e mães da pátria imortal, nobre povo e nação valente. Também não é de quem na EDP faz contas, gere aquilo, e manda as facturas para nossa casa. A culpa é nossa. E não adianta dizer que desconhecíamos estar a pagar menos do que devíamos. A ignorância desta lei não aproveita a ninguém.
Isto fez-me lembrar os índios das pradarias, esses selvagens que não faziam mais senão caçar bisontes, fumar o cachimbo da paz, viver em tipis e passar a vida a atacar caravanas inocentes de pioneiros, ululando como possessos. Agora já há não índios, claro, mas a culpa disso não é das tropas americanas, do 7º de Cavalaria, do John Waine ou do general Custer. Também não é de Manitu, por razões bem simples: Manitu não era Deus, logo não podia proteger aqueles bandos de facínoras que infestavam o Oeste, e destruíam a natureza, sobretudo os pássaros para lhes roubar as penas que punham na cabeça. A culpa foi mesmo deles: não tinham nada que estar ali, feitos parvos, a caçar o bisonte e a pescar os salmões. O agora chamado extermínio dos índios foi culpa deles e só deles. Eram pagãos, tinham uma cor esquisita, falavam uma língua de trapos e andavam semi-nus. Não cultivavam a terra nem a deixavam cultivar. Eram inúteis e a mão de Deus armou a dos homens que os puniram por um tão largo rol de culpas.
Convenhamos que em comparação estamos mais bem servidos. A verdade é que não somos pagãos, nem andamos por aí a matar bisontes.
Objectar-me-ão que os iraquianos, que ao que se sabe morrem por atacado, não caçaram nunca bisontes, andam vestidos (de djelabah é verdade, mas vestidos) calçados e adoram um deus um tanto ou quanto estranho, mas um deus, apesar de tudo. Dado que a culpa deles é menor, morrem mais devagar. Ao todo ainda não chegaram ao milhão de vítimas, o que prova o bem fundado da tese que venho defendendo.
O Dr. Santana Lopes escreveu um livro o que prova à saciedade que é um verdadeiro intelectual e não o punching ball dos críticos culturais que, durante anos, o atacaram por causa de uns violinos de Chopin. O dr. Lopes foi uma espécie de antepassado cultural do dr. Rio e como ele presidiu a um par de câmaras municipais, tarefa que só os invejosos atacam. De facto combateu a desertificação plantando um par de palmeiras na praia da Figueira da Foz e brilhou em Lisboa quando mandou fazer um buraco chamado túnel maior ainda que o buraco financeiro da capital. Também presidiu a um conselho de ministros, curto mas cheio de actividade onde terá ganho as esporas de menino guerreiro. Contra este formidável pai da pátria conjuraram-se todos os malfeitores políticos de que há memória e mesmo alguns que estavam esquecidos. Cavaco Silva e Sampaio encontravam-se já noite cerrada na “tendinha do rossio” e entre duas “amêndoas amargas” sistematicamente pagas pelo primeiro conspiravam fartamente enquanto o dr Portas e o eng. Sócrates faziam o mesmo mas á volta de uma pratada de tripas à portuguesa na “Ideal das avenidas”. No resto do país é o que se sabe: o dr. Simas Santos e o escultor Sousa Pereira rosnavam ameaças tremendas enquanto tomavam chá com torradas na explanada do bar “venha cá” ao foco, que eu bem os vi. Do Marco vinha expressamente o senhor JCP com um primo que tem em Amarante para aliciarem um tal “carteiro” para a cruzada anti-Lopes. E não esqueçamos um trio de senhoras de que nem ouso pronunciar o nome que, num blog detestável que não nomearei, juraram eliminar o dr. Santana pelo expediente horrendo de lhe enviarem pasteis de nata do dia anterior com o fito absoluto de o envenenarem ou, pelo menos, de o tornarem de tal modo obeso que as mulheres portuguesas o começariam a detestar.
Tudo isto, e muito mais, se passou nas caves e sub-caves da república para abater o recente e laureado escritor que anda por aí. O nefando intuito foi conseguido e ainda hoje, num grito de alma comovente, o dr. Lopes pergunta ao mundo rendido ao seu talento oratório, porque é que este gigantesco exército de criaturas maldosas não é votado às gemónias. E a resposta cínica e atroz tem sido sempre a mesma: não temos culpa.
Nota: este texto estava a meio no cestinho virtual dos “projectos” e só vê a duvidosa luz do dia graças ao depoimento televisivo do dr. Santana.
E vai dedicado aos doutores José Barata e João Vasconcelos Costa que tentaram defender o dr. Lopes com o famoso argumento “ele cai sozinho sem ajuda!”. Era verdade mas o dr. Sampaio é consabidamente um invejoso e quis ficar na história.

lido por aí...

ex Kamikaze, 16.11.06

"Zezinha Nogueira Pinto deixou de ser uma pessoa leal e de confiança para o presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues, que decidiu retirar-lhe os pelouros. A militante do CDS-PP, que em recente entrevista ao SOL se autodefiniu com "uma boa meia-dose", parece ter perdido o seu braço-de-ferro com Paula Teixeira da Cruz que, provavelmente, é uma boa dose inteira. Acabou a coligação."


Cortesia do verdadeiro Anónimo


(...) "Sabem por que escrevo isto? Não, é por causa do SIRESP, nem do súbito mediatismo dos pareceres orais de Gomes Dias (sobre isso escrevi oportunamente o que achava que havia para dizer, nomeadamente aqui e aqui, e não consta que os dados se tenham alterado), é por causa do lançamento do livro de memórias do Dr. Lopes. (...)
Alguém disse um dia que a história se repetia sempre, ora farsa ora tragédia. Dito isto, e depois de se ter falado no Cícero, talvez não fosse má ideia ao actual inquilino do Palácio da Palmela reler 'A Campanha da Gália' de um tal de Júlio César (há boas traduções em português, e tudo). Relê-la, e meditar na morte do autor, às mãos de Brutus. Apesar do mau começo, pode ser que ainda vá a tempo. Haja fé. Às vezes é tudo o que resta."

a ler na Loja Grande

IGV: Tribunal Constitucional aprova pergunta do referendo

simassantos, 15.11.06
Cavaco Silva tem 20 dias para decidir se convoca ou não o referendo, que terá de ser agendado para entre 40 e 180 dias depois.

O Tribunal Constitucional aprovou esta tarde a pergunta sobre o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IGV), aprovada em Outubro no Parlamento. Sete juízes votaram a favor e seis contra, a mesma distribuição de votos verificada em 1998, ano da primeira consulta popular sobre a IGV.

O acórdão será enviado sexta-feira ao Presidente da Repúlica e publicado em Diário da República na segunda-feira. Cavaco Silva tem 20 dias para decidir se convoca ou não a consulta popular, que terá de ser agendada para entre 40 e 180 dias depois.

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" é a pergunta prevista na proposta socialista, a mesma que constava no referendo de 1998.

Au Bonheur des Dames 38

d'oliveira, 15.11.06
De favas, de amigos e da Coimbra de lavados ares

Eu, de vez em quando, irrito-me com a Coimbra actual que a ganância construtora tem desfeado irremediavelmente. Convenhamos que não são só os construtores. Ele há muito chico esperto camarário a ajudar nessa missa negra. Há momentos porém em que me arrependo, paro com as imprecações e pergunto aos meus botões se isto não será caturrice de velhadas, antigo estudante que não se revê no mundo novo e diferente que obrigatoriamente a cidade oferece. Educados na velha escola e temendo que eu os arranque num ataque de fúria, os botõezinhos lá me vão acalmando como podem. Que sim, a cidade está feia. Que não, que não estou velho, só um pouco usado. Que, de todo o modo, há mais gente e precisa de casas para viver. Que a morte de um par de cafés na velha baixa (e logo aqueles dois: o Arcádia e A Brasileira! ) foi serena, que já não tinham fregueses, que isto e que aquilo. Aceito entre duas rosnadelas, pouco convencido e lá me volta um pouco de cor às faces ao lembrar que ainda por lá vivem alguns amigos, antigos, antiquíssimos com quem basta um segundo para reatar conversas de há trinta, quarenta anos. Como se fosse hoje!
E foi mesmo isso que sucedeu há bem pouco tempo quando o CITAC e o seu primeiro cinquentenário reuniu uma alegre companha (eu escrevi companha, palavra honrada e que o Houaiss regista. Grupo de pessoas que viajam juntas, equipagem de um barco de pesca. Palavra, esta vai para o João Vasconcelos Costa, muito de Buarcos, terra marinheira e pescadora, meu berço adoptivo) de senhoras e cavalheiros da nossa melhor sociedade que na sua estouvada juventude se deram ao luxo de ser jograis, teatreiros, o que se queira chamar desde que se passe em cima de cinco tábuas, à luz dum projector e diante da respiração contida do público.
E é aqui que entra em funções o Zé Oliveira Barata, perdão o senhor professor doutor, por extenso, J. O. B., companheiro de tertúlias infindáveis, fino espírito que todavia apresenta dois defeitos de fabrico. À uma é do Sporting (coitado! É dos que andam pelo menos uma década à espreita de um título) e depois não come peixe. Beirão da Beira Baixa e interior parece que tem uma teoria: peixe não puxa carroça!
Fora isto, que é bastante, anda agora a escrever uma História do Teatro Universitário em Portugal. E à pala dessa louvável actividade temo-nos encontrado várias vezes. E descobrimos mesmo que além desse interesse comum pelo teatro somos ambos utilizadores de computadores apple. Utilizadores exclusivos! Com isto teremos já o céu meio ganho.
E é por aí que o gato vai às filhoses: o Zé é tu cá tu lá com uma malta óptima da apple em Coimbra, prontos a ensinar a um cafageste informático como eu todos os truques necessários à boa gestão de um computador aristocrático que tem o seu quê de diferente. E foi assim que entendi jornadear pela Coimbra dos lavados ares (sicut Eça) para equipar o meu material das mais modernas aquisições da ciência informática. Não vou maçar as escassas leitoras com o que disse a um espantado e educado técnico, que pelos vistos nunca vira um ignorante do meu jaez. O professor doutor sentado numa cadeira apreciava o espectáculo da minha ignorância informática com a mesma bonomia com que assiste ao contínuo espalhanço dos seus alunos nos apuros de um exame. Sorria embevecido e devia calcular a nota do chumbo que me ferraria se me apanhasse no seu rebanho.
E terá sido por isso, por esse momento de intenso gozo sádico, que depois me levou a casa para me dar de comer. E aqui entram as favas. Ou melhor primeiro entra um gato, provavelmente o verdadeiro dono da casa, que depois de me cheirar convenientemente me permitiu uma pequena carícia. Fui seguidamente apresentado a uma senhora, de seu nome Fernanda que é quem naquela casa se encarrega do chope-chope e demais tarefas domésticas.
A fada do lar, fada sim, mas do lar pouco, chegaria depois uivando de fome, como se fosse ela e não nós quem tivesse pacientemente esperado pela dona da casa para ver se se comia coisa de jeito. Agora sim, entram as favas.
Eu, ex-aluno (melhor diria: vítima) de execrandos colégios internos onde penei todos os pecados de, pelo menos, três vidas, ganhei uma ojeriza tremenda a vários alimentos que nesses locais era habito dar à rapaziada. E nessa lista as favas estavam, até hoje, num dos primeiros cinco lugares. Todavia, convém esclarecer que eu, perguntado sobre favas, disse corajosamente ao Zé que comia tudo. Como estou a tentar perder uns quilos consolei-me pensando que comeria pouquinho arguindo da imperiosa necessidade de perder peso, verdade visível para quem me conhece. Portanto, chegadas que foram as favas, servi-me cerimoniosamente e ofereci o sacrifício em pagamento de uns pecados não especificados (e que calarei convenientemente). Mas, a amizade, a Coimbra menina e moça, as mãos de fada da referida senhora de nome Fernanda, deram cabo desta minha boa intenção. Aquilo era óptimo. Estava de comer e chorar por mais. Por onde andei eu, todos estes anos a fugir das favas com seu ovo, seus enchidos, sua carninha, tudo rescendente, saboroso e bom? E agora? Quem me restitui as favas de trinta anos de abandono? Como é possível que um leitor exagerado de Eça tenha posto em causa, duvidado, abjurado mesmo, do Mestre que celebrou um arroz de favas comido de parceria com o Zé Fernandes?
O resto da jornada não precisa de ser descrito. Quando três amigos se encontram, quando a ternura está de quarto (como no bridge) que história se pode contar? A felicidade não tem história, é como o bom cheiro de alfazema na roupa posta de fresco na cama. Dorme-se melhor, com mais inocência e um bom sonho de permeio.
Vai esta descosida prosa para a Manuela Cruzeiro, fada do dito cujo lar e mãe do gato Simba e de mais três criaturas humanas, demasiado humanas, agradecendo almoço, livro e companhia. De um admirador literário e não só.

O leitor (im)penitente 9

d'oliveira, 15.11.06
O outono está emperrado
Esta série destinava-se a falar de livros mas hoje vem mais com artigos de jornal por duas razões: os livros bons, aquilo que se chama bons de verdade andam escassos pelas lusitanas paragens. Nunca se publicou tanto e tão “mainstream”, ou seja, a malta abre, lê um bocado e, se não está mesmo disposta a um sacrifício tipo quaresmal, larga e manda para o lote. A safra está fraca e, pelas notícias que nos chegam de fora, a crise é geral.
Comecemos pois pela jornalada. Pacheco Pereira, bloguista convicto, vem hoje ao encontro de opiniões aqui já explanadas (alguma vez havíamos de ser os primeiros). Repegando no desastrado ataque ao fenómeno blogue, P.P. explica a quem não sabe, não quer saber ou simplesmente finge que não sabe, que isto de blogues dá para tudo desde o péssimo ao bom e aproveita para brindar os leitores com uma enorme lista de produtos de imprensa que nos fazem pensar que o papel anda barato. Quem me lê sabe que não morro de amores por Pereira (ainda que lhe admire o Cunhal que vem publicando) mas de vez em quando ele acerta.
O senhor director do Público comete hoje um artigo que merecia o Nobel da inocência de espírito. O pobre coitado escreve sobre o cataclismo eleitoral americano e, como de costume, mostra-se capaz de tudo. Não foram os democratas que ganharam, diz ele, mas apenas os republicanos que perderam... Nesta linha sempre inventiva consegue não referir o Iraque entre as causas da derrota republicana (já que ninguém ganhou...) e engendra uma retorcida teoria sobre o poder e os vícios daí decorrentes digna de um membro da Cruzada neo-episcopal. A última descoberta de Fernandes é esta: as bases dos dois partidos eram radicais. Ora, se é verdade que os republicanos se apoiaram nalguns inacreditáveis dinossáurios da política e sobretudo da religião (protestante) os democratas há muito que se recentraram e quanto a radicalismo já nem o radical chic nova iorquino lhes resta. Leiam, recortem e guardem para daqui a seis meses ou dois anos poderem comparar.
E já que se falou da America convém propor aos interessados uma vista de olhos por jornais estrangeiros já que a imprensa nacional se tem mostrado incapaz de noticiar bem o fenómeno ocorrido. É que a ler as pobres notícias a que parece termos direito quase nem se entendem coisas desta envergadura: para ganhar o Senado os democratas precisavam de roubar seis lugares ao republicanos e não perder nenhum. Isto releva quase do milagre mesmo que se saiba que as eleições a meio de um mandato presidencial raramente favorecem o poder estabelecido. Raramente, digo, não sempre. Enfim, minúcias...
Noticiou-se aqui a saída do nº1 de PREC (pensa, rosna, estica, corta), publicação de duvidosa periodicidade, redigida por um repolhudo grupo de pessoas que têm pelo menos o mérito de questionar a boa consciência dominante. E que dizer? Pois que se lê (aliás leram-se de rajada os números 0 e 1) mesmo quando alguns dos temas estejam de há muito mais que tratados. Um certo humor, outro tanto de critica, dão o tom numa publicação que tem dois inapeláveis defeitos. Um formato horroroso e uma mancha difícil e muito compacta. Claro que aquela rapaziada não deve abundar de massa mas que diabo: metem o Rossio na Betesga. Convenhamos que para cinco euros (uma milonga das antigas!) convinha outro formato e mais espaço. Eu, como o nunca assaz chorado compadre Assis, compro tudo que me cheire a escândalo mas esta é uma atitude militante que nem todos têm. Assinalem-se alguns textos de Vítor Silva Tavares ou de Jorge Silva Melo entre outros de igual qualidade. Em relação a este último lamenta-se que num texto onde refere o brutal ataque feito a Mário Dionísio pelos escribas de serviço do PC (Óscar Lopes e António José Saraiva, esse mesmo...) nos anos quarenta cinquenta, JSM esqueça que Dionísio (e Lopes Graça, já agora) tiveram a seu lado a maioria da direcção da Vértice (Joaquim e Egídio Namorado, Luís de Albuquerque e Rui Feijó. Só cito isto porque é aí, nesse tempo e muito nesse espaço, que as águas claramente se separaram.
Para terminar esta nota de leitura, o problema de PREC, ou dos seus leitores, é apenas este: um número por ano acaba por saber a pouco e ser pouco. Mas isso é outro conversar.
E agora uma boa notícia: já está a aquecer motores uma nova editora Sudoeste de seu nome de que brevemente se dará aqui notícia mais larga. O programa de que já tive uns zunzuns é simples como o bom cação de coentrada: poucos livros, literatura a sério, sem lugar a devaneios menopáusicos de estrelas do nosso jet, da têvê ou similares. Por outras palavras: uma pequena editora que aposta na qualidade. Não é, felizmente, caso único no nosso panorama editorial mas mais uma a puxar para o mesmo sítio não faz mal a ninguém, bem antes pelo contrario.
E para terminar, terminantemente: estão a ser reeditados todos os volumes da sumptuosa colecção “L’Univers des Formes” em seu tempo dirigida, se a memória me não falha, por Malraux. Já andam por aí os volumes “pré-histoire”, “sumer” e “le temps des pyramides”. Continuam a ser editados pela Gallimard e custam €25. Já os apalpei, sopesei e abri. Fiquei convencido e vou encomendá-los. O resto é convosco.
A mesma Gallimard, mas já noutro campeonato (Plêiade), anuncia o volume 2º dos “romans” de Raymond Queneau. Aqui há que desembolsar mais uns quantos maravedis: sugere-se pois que o guardem para uma prenda de Natal a vocês mesmos. Se a gente não se tratar bem quem é que nos tratará?
(nota: este leitor mais que impenitente foi imprevidente. Ficou esquecido no tinteiro ou melhor no ibook G4. Sai igual mas já na factura macbook pro. Apesar de tudo as ferroadas que aqui se dão ainda têm sentido e objectivo. E assim o leitor Manuel de Sousa Pereira deixa de me seringar com mails aflitos pela minha falta de notícias. Tá, Manekas? )

O congresso socialista

José Carlos Pereira, 14.11.06
Reuniu no passado fim-de-semana o congresso do PS, que sufragou a liderança de José Sócrates. Este modelo de congresso, em que o líder é eleito por voto directo pelas bases umas semanas antes do próprio conclave, retira emoção e espontaneidade à discussão, o que faz com que estes congressos já há muito tenham perdido o “picante” das reuniões de outros tempos.

O congresso do PS transmitiu sinais de unidade. Houve listas únicas para os órgãos partidários e registou-se uma reduzidíssima oposição às teses de Sócrates e à linha orientadora do seu Governo. Um sinal de convicta união? Em muitas situações sim, mas outras há em que a união é apenas conveniente. Todos sabemos disso e Sócrates melhor do que ninguém o saberá. Ainda assim, Alegre lá se deu ao incómodo de interromper o fim-de-semana e ir a Santarém falar ao país (ou ao partido?) e Helena Roseta cumpriu a sua saga e mais uma vez foi “crítica” (lembram-se quando Helena, ainda no PSD, era “crítica” ao lado de Cavaco Silva, Eurico de Melo e Carlos Macedo, contra o Governo e a liderança de Balsemão?).

Contudo, para quem observa de fora na qualidade de independente, ainda que apoiante deste Governo, a conclusão que se retira é que Sócrates tem todas as condições para continuar com as suas políticas e que os seus ministros, limadas algumas arestas, mais na forma do que no conteúdo, devem prosseguir com a implementação do programa de Governo sufragado pelos portugueses. Certamente, nem todas as medidas são igualmente ponderadas e justas, mas o país estava carenciado, há muito, de uma liderança forte, que traçou um rumo a seguir e que não titubeia perante os primeiros escolhos. As reformas são sempre difíceis, sobretudo para os mais atingidos, mas ainda não perdi a esperança de encontrar em 2009 um Portugal de melhor saúde do que aquela por que passava em 2004/5. E se quiserem recordar o que então se vivia, corram às livrarias em busca da última pérola de PSL!

fumo e fogo

ex Kamikaze, 14.11.06
Em Portugal, no que à criminalidade de colarinho branco respeita, onde não havia nem sombra de fumo, passou a haver constante fumarada. Fogo é que só mesmo nas florestas... mas isso é lá mais para o Verão, por isso calma pessoal, os bombeiros mais especializados e treinados já hão-de estar em campo, pelo que podemos ficar tranquilos - certamente hão-de estar a ser tomadas medidas preventivas e poderemos continuar a gozar da fama de sermos gente de brandos costumes, pese embora estas declarações, proferidas há poucos dias, pelo Director da PJ. Há muito que tarda o incêndio da pradaria... Eu, kamikaze, pirómana por natureza, apesar de tudo não consigo deixar de acalentar uma esperançazinha de que seja desta ...
Vem este relambório a propósito da notícia de capa no DN e no Público de hoje.

copy paste do DN:


Polícia Judiciária faz buscas em consórcio que ganhou o SIRESP

Eduardo Dâmaso, Licínio Lima e Carlos Rodrigues Lima

«O negócio de adjudicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), uma rede de comunicações que irá ligar entre si os principais organismos de socorro do País, está envolto em polémica. A Polícia Judiciária (PJ) procedeu a buscas na semana passada na Sociedade Lusa de Negócios (SLN), a empresa que lidera o consórcio com que, a 3 de Julho passado, o Ministério da Administração Interna (MAI) assinou um contrato de 485 milhões de euros para a instalação daquele sistema. As autoridades suspeitam da prática dos crimes de corrupção e tráfico de influências neste caso.

O DN apurou que as buscas envolveram as restantes empresas do consórcio e que elas foram feitas no âmbito de um inquérito aberto há mais de um ano e dirigido em exclusivo por um magistrado, dos quadros de inspecção do Ministério Público, nomeado pelo ex-procurador-geral Souto Moura.

Esta iniciativa é explicada pelo facto de um dos eventuais arguidos no caso poder vir a ser o homem que viabilizou o concurso, Daniel Sanches, ex-ministro da Administração Interna e magistrado do Ministério Público que chegou a ser director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Esta iniciativa do então ministro foi assumida depois de um parecer jurídico oral positivo do magistrado Mário Gomes Dias, auditor jurídico do MAI e eleito na semana passada para o cargo de vice-procurador-geral da República (PGR).

Ainda no tempo do Governo de Santana Lopes, o então ministro das Finanças, Bagão Félix, e o ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, assinaram o contrato de adjudicação por cerca de 600 milhões de euros. Isto aconteceu três dias após as eleições legislativas de 20 de Fevereiro. Os ministros adjudicaram, por despacho conjunto, o contrato de "concepção, projecto, fornecimento, montagem, construção, gestão e manutenção do sistema integrado de tecnologia trunking digital das redes de emergência e segurança de Portugal ao consórcio composto pelas empresas Motorola, PTVentures, SLN, Datacomp - Sistemas de Informática e Esegur - Empresa de Segurança". É o que consta do despacho 219/2005, assinado a 23 de Fevereiro

Antes de integrar o Governo, Daniel Sanches era administrador da Pleiade, uma sub-holding da SLN - holding que controla o Banco Português de Negócios (BPN). Dias Loureiro , ex-ministro da Administração Interna de Cavaco Silva e actual deputado do PSD, é administrador não executivo da SLN, um grupo presidido por Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva.

Na altura era Gomes Dias auditor jurídico no MAI - magistrado do Ministério Público que em Janeiro vai tomar posse como vice-procurador-geral da República, convidado por Pinto Monteiro, o actual PGR. Gomes Dias deu parecer positivo ao negócio, exarando em despacho que "a presente adjudicação se revela como acto de gestão corrente, em função da sua natureza imprescindível e inadiável, atendendo à imperiosa urgência de implementação, em tempo útil, do SIRESP".

O PS ganhou as eleições e António Costa assumiu a titularidade do MAI desconfiado dos contornos do negócio. Neste sentido, solicitou um parecer ao conselho consultivo da PGR e outros actos que levaram o Governo de José Sócrates a renegociar a adjudicação.

Através do seu parecer n.º 36/ 2005, votado em 28 de Abril de 2005, aquele conselho veio a concluir ser nulo o acto de adjudicação, por considerar que os seus autores, membros de um governo de gestão, em funções após a sua demissão, não seriam competentes para a prática do acto de adjudicação. Perante isto, o MAI declarou o negócio nulo.

A PGR, contudo, ressalvava que, à parte daquele pormenor, todo o negócio havia sido realizado segundo a lei em vigor. Neste sentido, António Costa manteve o acordo com o mesmo consórcio, mas este foi renegociado.

Assim, a 3 de Julho deste ano, foi assinado um novo contrato de adjudicação, desta vez por 485 455 000 euros , acrescido do IVA à taxa em vigor, repartida por 15 anos, com início em 2007.

Mas, para a PJ, nem tudo está ainda claro.
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copy paste (excertos) do Público:

Suspeitas de tráfico de influências


António Arnaldo Mesquita e Mariana Oliveira


«A averiguação preventiva foi desencadeada na sequência da polémica gerada pela adjudicação do negócio, em Fevereiro de 2005, por 538 milhões de euros. Em causa estava o facto de o Executivo se encontrar em gestão corrente, na sequência da demissão de Santana Lopes do cargo de primeiro-ministro (...)

A averiguação preventiva daria, entretanto, origem a um inquérito, que Souto Moura decidiu que fosse investigado fora do DCIAP, nomeando como seu titular um dos mais antigos inspectores do Ministério Público, o procurador-geral adjunto Azevedo Maia. Este magistrado - que agora deverá apresentar os factos apurados ao novo procurador, Pinto Monteiro - ordenou, mais de um ano e meio depois da polémica, a realização de buscas àquelas empresas, para confisco de documentação relacionada com a adjudicação do SIRESP. (...)


A decisão dos, na altura, ministros Daniel Sanches e Bagão Félix apoiou-se num parecer oral do actual vice-procurador-geral da República, Gomes Dias, à data auditor jurídico do Ministério da Administração Interna (MAI).

Segundo um memorando, escrito pelo actual subsecretário de Estado da Administração Interna, Francisco Rocha Andrade, em Março de 2005, a primeira versão do despacho conjunto dos ministérios da Administração Interna e das Finanças não foi assinada por Bagão Félix, por este ter entendido, apoiado numa nota do seu gabinete, "que não estava justificada a urgência que possibilitaria a decisão de um governo de gestão". Um dia após as eleições legislativas, e até à assinatura do contrato, a situação inverteu-se, devido a um parecer "em que foi consultado o auditor jurídico do MAI [Gomes Dias], que verbalmente deu a opinião de que a adjudicação poderia ser feita por um governo de gestão", escreveu Rocha Andrade.

O ministro António Costa acabou, porém, por não anular integralmente o concurso, considerado viciado por alguns dos potenciais candidatos, que, por isso, não chegaram a apresentar propostas alternativas à do consórcio vencedor. E, em Maio, o actual Governo voltou a adjudicar o SIRESP ao único consórcio candidato, retirando algumas funcionalidades ao sistema, que desta vez custou 485,5 milhões de euros. »

Unanimidades (II)

ex Kamikaze, 13.11.06
nem na cultura "engagée" há unanimidades sem prazo de validade...

Kamikaze
Kamikaze



Jardim das Esculturas, Nova Galeria Tretyakov, Moscovo


estátua apeada do escritor Maximo Gorky (responsável, entre outros, pelos meus juvenis desvios esquerdistas), ícone da propaganda soviética que serviu como presidente da União de Escritores. Falecido em 1936, o anterior chefe da NKVD, Genrikh Yagoda, foi acusado e condenado pelo seu assassinato; persistem suspeitas de que a acusação tenha sido fabricada e também de que Gorky foi morto às ordens de Estaline.


(fotos: Kamikaze, Agosto 2006
clicar nas fotos para aumentar)