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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des Dames 53

d'oliveira, 28.02.07
Carlos Baptista cansado da guerra?

Descansem as leitoras gentis que o título é mais uma homenagem aos da minha geração coimbrã e, de passagem, a Jorge Amado, um grande entre os grandes malgrado o rictus desdenhoso de uma critica pelintra e os esquecimentos interessados da Academia Nobel.
Comecemos por esta que aliás não se “esqueceu” apenas do brasileiro (ou de Graciliano Ramos) mas de Proust, de Joyce e de Borges. Os suecos premiantes escrevem torto por linhas direitas e fazem uma gestão assaz curiosa do prémio gordo que dão: os seus eleitos devem fazer o mínimo de ondas possível e com sorte ser politicamente correctos. Depois, antes do reconhecimento do mérito absoluto, esteja ele onde estiver, fazem uma sábia dosagem politico-geográfica do galardão para salvar uma aparência cada vez mais fantasmática da realidade literária.
Alguma leitora mais ousada começará a dizer para os seus botões que nestas linhas anda bicheza política e doméstica e terei de lhe responder à sua muda pergunta com o clássico “morno, morno, quase quente” Como adiante se verá...
Passemos à geração e aos bons ventos que a trazem de novo a estas páginas melancólicas mas incorrigíveis.
E comecemos (arre é a segunda vez que uso o verbo) por uma cândida verdade. Todas a gerações acrescentam o seu grãozinho de sal à marcha humana. Todas ou quase, que algumas em vez de sal juntaram areia ...
Todavia a geração de sessenta teve a sorte de se cruzar com uma série de eventos históricos, muitos dos quais exteriores a ela e à sua acção-reacção, e isso tornou os seus membros primeiro, testemunhas e depois, actores (e algumas vezes vítimas) de um tempo e de um modo (como a revista, como a revista... ) que os marcaram fortemente. Política, estética e eticamente. A flower generation portuguesa marcou a música o cinema a poesia e a política do resto do século.
Teve ajudas evidentemente, juntaram-se a ela outros actores mais velhos e mais novos, sofreu influências e no seu percurso não nasceram apenas rosas. Mas globalmente não vale a pena contestar este facto que é mais do que uma evidência. As coisas correram-nos bem, tivemos sorte, muita sorte mas convenhamos também a soubemos merecer.
E é aí que entra o Carlos Baptista ele próprio e os muitos inúmeros Carlos Baptistas que encheram uma Coimbra buliçosa, entusiástica, indignada e que pintaram o cinzento sujo dos dias com umas fortes pinceladas de fantasia que foram um pouco mais do que o manto diáfano a que aludia um outro estudante de Coimbra cem anos antes. E que com uns escassos centos de amigos deu nome a uma outra geração redentora que mesmo quando se crismou de Vencidos da vida sabia que, de facto, estava a vencer a morte.
Carlos Baptista, portanto. Mas porquê este arganaz cachimbante, que já cachimbava umas fedorencias tabágicas na altura há quarenta anos atrás em reuniões que se prolongavam tumultuosas noite fora? Olhem, por nada e por tudo. Por nada, porque ele se vê o nome impresso, mesmo nesta etérea blogosfera é capaz de se assustar. Por tudo porque nele retrato o Barata, o Zé a João, o Sérgio os irmãos Moutinhos, a malta que comia na Adélia o Pedro (e a mãe Judite, Judite Mendes de Abreu uma agora nonagenária tesa como poucas e poucos que deu a cara, a casa a quem fugia, o dinheiro que não era muito a quem precisava, mulher de todas as ocasiões sobretudo das difíceis, das que exigiam muita mas muita coragem...) os Namorados todos e sei lá mais quantos. Já aqui falei de outros, dão-se por citados que senão a lista não acabava, felizmente éramos bastantes, e com o tempo, a teimosia, a militância política, académica e artística fomos pouco a pouco sendo mais, um rio, uma enchente ou o que, nesses tempos de vinho e rosas, de chumbo e lágrimas, mais se pareceria a isso num país de zombies, de vampiros e de meninos do bairro negro.
E tudo isto vem porquê?
Ora porque ontem, 27, fui de jornada até à Coimbra de lavados ares (bem, lavados ares é que não. Uma terra airosa que era está retalhada por monstros horrendos de cimento, uma enxúndia nova rica e grosseira de prédios feios que nos fazem pensar que ali ou não andou arquitecto ou então andou muito, mas muito, dinheiro, mal lavado tal é o aspecto da ocupação do solo do amontoado. Daqui a uns anos ou aquilo é arrasado por mera medida de saúde pública ou a Vila d’Este dos arredores do Porto ganha o prémio da urbanização por excelência!) para moderar mais um debate sobre os movimentos estudantis do decénio. Moderar, atenção! Falar pouco, dar a palavra aos preopinantes, suscitar alguma questão ou acertar agulhas no caso de... Os paleantes eram três, outros amigos de longa, longuíssima data, a saber o António Taborda, o Pedro Vasconcelos e o António José Remédios, actores respectivamente da crise de 62 e anos imediatamente anteriores (luta contra o decreto 40900, campanha Delgado e ascensão da esquerda coimbrã ao poder associativo) do rescaldo da crise de 69 e implosão do movimento estudantil nas lutas mais claramente políticas, mais radicais, e finalmente no terceiro caso um actor da luta de 69 com a vantagem de poder dar um testemunho de uma escola em mudança, a Faculdade de Letras e do curioso início da pequena mas determinada falange trotstkista. O moderador, este escriba aqui presente tinha a vantagem de unir as duas crises onde felizmente tinha metido o pé, a mão o entusiasmo com as consequências que essa impertinência conleva. Ou seja, dava as deixas e preenchia os espaços mortos. Foi bom? Foi mau? Disseram-se verdades transcendentes? Apareceu uma nova teoria? Francamente!... Foi apenas uma conversa, um lembrar que ainda por aí andamos, como um certo ex-primeiro ministro que ronda por aí (e que felizmente nada tem a ver connosco), um encontro com outros amigos, cabelos brancos que a idade não perdoa, mas com um brilhozinho no olhar (para não deixar o Zeca sozinho...) que é uma maneira também de ser solidário (outra...).
É claro que depois da funçanata propriamente dita, a conversa continuou como se voltássemos todos aos nossos vinte anos. Eu pela minha parte despedi-me do dos Baratas e dos Baptistas às cinco da matina com o pretexto de ter de dormir. A excitação era todavia tanta que não preguei olho: li o resto da biografia do O’Neil de que por aqui já falei e, às oito, reconfortado por um banhinho quente, ala que se faz tarde para o Porto.
Custa-me confessar que contas feitas por alto, e dado que cheguei a Coimbra ainda de manhã estive à conversa com o Zé Barata umas boas sete horas que depois do jantar conversante, da conversa com o povo ex estudantil se renovou por mais três ou quatro. É obra!
Devem andar por aí uns governantes e deputantes com a orelhinha gorda a arder. Estão com sorte porque se os tivéssemos apanhado a jeito, com a azia com que lhes estávamos, tinham tido direito a sermão e missa cantada. Alguma vez será que não perdem pela demora. É que os anos 60 não deram só malta porreira, era o que faltava. Também produziu o seu lote de arrivistas, oportunistas e outros sacristas que só rimam com os Baptistas do título porque foram nossos contemporâneos. Devem pensar que ganharam a guerra.
Estão muito bem enganados pois que a malta ainda não arrumou as botas e, muito menos, se deu por vencida. Ou, por outras palavras, ainda não estamos cansados da guerra, dessa guerra iniciada há quarenta anos em nome de uma indignação e que nos permite ainda hoje olharmos uns para os outros sem corar. E com alegria!

nota: notarão que eu agora estou a meter ilustrações. Burro velho aprende línguas, quand-même! Desta vez tem direito a uma paisagem do Staffelsee. A autora é Gabrielle Munter (Berlin 1877, Murnau 1962). Além de óptima representante de "Der Blaue Reiter" e de colega e amiga de Macke, Marc ou Kandinsky com quem, aliás, viveu, pintou muitas paisagens da zona de Murnau (Baviera, gebiet de Garmish Partenkirchen onde fui muito feliz há exactamente 21 anos. Com uma lembrança fortíssima para Kerstin.

O Mistério das Universidades Privadas

José Carlos Pereira, 27.02.07
De tempos a tempos surgem na praça pública denúncias e acusações sobre má gestão, abuso de poder, branqueamento de capitais, tráficos diversos e crimes vários nas universidades privadas, a maior parte das vezes descobertos no auge de verdadeiras lutas de poder entre clãs rivais. Foi assim, há muitos anos, na Universidade Livre, mais recentemente aconteceu também na Moderna e na Portucalense e, agora, é o mesmo filme que está em exibição na Universidade Independente.

O dinheiro dos (pais dos) alunos abunda, a atracção pelo poder é má conselheira e tramam-se na praça pública professores, gestores, directores e outros oportunistas. Coitados dos alunos que caem nas malhas desta redes e confiam a esta gente o seu futuro!

Depois da fase em que estas universidades se davam a conhecer sobretudo pela promiscuidade dos professores-turbo, que voavam entre as escolas públicas (garantias de carreira) e privadas (dinheiros), sem qualquer pudor, chegou a hora em que já começam a ser vistas como verdadeiras escolas do crime organizado. Não será o momento do Estado olhar para estas instituições e intervir nelas em defesa dos mais desprotegidos, os alunos?

Julgo que seria prudente estabelecer um quadro regulador de acompanhamento e tutela da actividade desenvolvida pelas universidades privadas, incluindo auditorias periódicas à sua gestão. Desse modo, o Estado teria condições para exercer a defesa do interesse público, criando inclusivamente um modelo de acreditação, que eliminaria as instituições que não dessem as garantias exigidas. Mais do que a intromissão do Estado na esfera privada, preocupa-me haver vítimas indefesas de comportamentos criminosos, que vão persistindo no tempo até “rebentar a bolha”.

Diário Político 43

Incursões, 23.02.07
Peregrinatio ad loca infecta*

1. Ingrid Bétancourt: o nome diz pouco a quase toda a gente em quase todo o lado. Além de mulher, é colombiana (onde ficará tal sítio?) e isso bastaria para se passar pelo nome sem sequer o ver. Mas há mais. E pior! Ingrid Bétancourt está sequestrada há cinco anos por uma repugnante organização chamada Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC). Estas FARC são, ou eram, se não erro, dirigidas por um ex-padre conhecido por “Tiro Fijo”. A mão que abençoava com magros resultados parece ter mais êxito quando faz pontaria contra um desgraçado qualquer.
As já referidas FARC são, soit-disant, de esquerda ou, de outro modo, reclamam-se ou reclamavam-se da esquerda. Bem sei que na América Latina dos Chavez e dos Morales ser de esquerda é um artificio para encobrir populismos messiânicos, peronismos vários sem Péron nem Evita (bom par de gatunos que conseguiram deixar um país de rastos e sob a bota de ditaduras militares várias, essas sim de direita pura e dura que agarraram num território doente e deixaram-no morto...) ou outras formas de poder pessoal de que só se pode falar de mão no nariz de tal modo é fétido o caso.
Deixemos para outras núpcias as ditaduras restantes e concentremo-nos nas “heróicas” FARC colombianas, o mais antigo movimento de guerrilha latino-americano. As FARC são uma grosseira e trágica farsa que não tem qualquer espécie de ideologia, um mero agrupamento vagamente político que prolonga a célebre “violência”, uma pústula que não sara nem mata (enfim!... não mata o país mas mata os habitantes, mormente os mais pobres, os mais desprotegidos, os que não podem pagar um resgate; ainda há pouco um professor primário prisioneiro destes beneméritos patriotas conseguiu a liberdade em troca de um ano de salários...). As FARC justificam-se ultimamente com a existência de grupos para-militares de direita, igualmente crápulas, igualmente assassinos e recorrendo eles também ao rendoso comercio da coca e às alianças com os carteis narco-traficantes.
Voltando à senhora de que falávamos: Ingrid era senadora no seu país, conhecida pela sua luta contra a corrupção e candidata à presidência da república. Foi raptada quando, justamente, andava em campanha. Há cinco que está presa. Volta e meia as FARC dão uma vaga notícia dela apesar de neste momento não se saber se está ou não viva.
Eu não acho que o facto de ser mulher lhe dê especiais direitos a tratamento diferenciado. Há na Colômbia cerca de três mil quinhentos e sessenta sequestrados por grupos terroristas para já não falar em milhares de desaparecidos que se presumem assassinados ou mortos dadas as condições de prisão no meio da selva.
E se aproveito o nome de Ingrid é tão só para me servir dela como emblema na exigência de erradicação rápida desta lepra política e moral que se chama FARC- Ejército del Pueblo.
Já agora dava jeito que a esquerda portuguesa se mobilizasse toda na mesma exigência. Sob pena de sermos considerados cúmplices “daquilo”.

2 Um blogger egípcio apanhou quatro misericordiosos anos de prisão por ter escrito que o Egipto tinha uma direcção política ditatorial (Credo! Abrenúncio!) e na passada ter dito que a célebre universidade de Al-Azhar era “a universidade do terrorismo” (oh não!...) e suprimia a liberdade de pensamento.
Arriscava-se a apanhar nove anos, teve um abatimento de grande saldo pelo que não se pode queixar. Tanto mais que a sentença foi dada em cinco minutos o que em boas contas corresponderia pelo menos a cinco anos pelo incómodo dos senhores juízes.
Como o seu blogue vai estar desactivado e parece plausível que mais uns tantos blogues egípcios entendam falar mais baixinho por causac das moscas, deixemos daqui bem repetidas e se possível ampliadas as acusações sacrílegas de Abdel Karim Nabil: o regime egípcio é merdoso, ditatorial corrupto, e a universidade de Al-Azhar é de facto um ninho de terroristas. Acrescentemos de nossa lavra que o Egipto, autoridades civis e religiosas confundidas é um exemplo de cobardia moral face ao que se passa no médio-oriente.
3. Apetecia-me falar do homenzinho da Madeira mas os dois anteriores assuntos deram-me a volta ao intestino e falar da demissionária criatura provoca-me vómitos. Para fossas já dei que chegasse.

O título deste apontamento é directamente retirado de um título de Jorge de Sena, publicado em 1969 (Portugália ed.)
d'Oliveira

mcr dá boleia a d'Oliveira por problemas no computador deste último

adenda ilustrada a "Au Bonheur des Dames 51"

d'oliveira, 22.02.07
As leitoras estupefactas com a habilidade demonstrada por este escriba poderão ver na fotografia que se junta os quatro jogadores que deram azo à crónica publicada mais abaixo.
estão velhos!, dirá alguém. Claro que estão um pouco usados, direi eu, que a média de idades anda pelos sessenta e um ou mesmo dois.
O perigoso cavalheiro que está de frente é o condutor estravagante que andou a fazer o tirocínio para participar num rally pelo Portugal desconhecido.
A fotógrafa que me mandou esta foto e mais algumas, espantou-se por ter sido qualificada de meiga. Se o qualificativo não lhe agradar sempre poderá pensar que falei galego onde meiga quer dizer bruxa!!!
Ora toma!

O quarto de brinquedos

O meu olhar, 22.02.07
Depois da Vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa ter sido constituída arguida, depois do vice-presidente, Fontão de Carvalho, ter sido acusado de peculato pelo Ministério Público, eis que Carmona Rodrigues dá algumas luzes do conteúdo dum relatório, enviado para o Tribunal de Contas e Inspecção-Geral de Finanças, relativamente a graves irregularidades de gestão da Gebalis na altura em que Maria José Nogueira Pinto tinha a tutela dos bairros sociais.

A propósito desse relatório, Maria José Nogueira Pinto referiu que Carmona Rodrigues utilizava a Câmara de Lisboa como “um quarto de brinquedos”. Gostei da expressão. Ao ouvi-la, veio-me de imediato à ideia a figura de Alberto João Jardim e a antecipação das eleições na Madeira. Vi esta região como um grande quarto de brinquedos e AJJ, de bibe, a atirar a nova Lei das Finanças para o chão, a dizer que com aquele brinquedo não brincava.

É, de facto isto parece tudo uma imensa brincadeira. E é por essas e por outras que muitos anseiam por um pai autoritário que ponha ordem na casa. Eu, por mim, prefiro-o democrata, mas também com autoridade e, já agora, com um aspirador na mão para limpar toda a sujidade da casa, incluindo a do quarto de brinquedos.

Parece não vir a propósito mas vem: gostei da entrevista do Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro. Esteve muito bem. Contido, assertivo, transmitindo uma imagem de sinceridade, segurança e responsabilidade. Tomara que seja verdade. Precisamos de pessoas no poder com estas características. Além disso, focou um aspecto que considero essencial: o de cada um dos participantes no sistema assumirem a sua quota parte de responsabilidade no estado actual da Justiça portuguesa.

O poeta dizia que era urgente o amor. Eu acrescento: é urgente uma limpeza profunda e a instalação da confiança e da responsabilização neste país.

Au Bonheur des Dames 52

d'oliveira, 22.02.07
Inês posta em seu desassossego

Anda por aí um autor matreiro que escreveu qualquer coisa como “os almoços nunca são de borla”. Confesso que o título chama a atenção e desperta a curiosidade, mesmo se refere um “mundo cão” (título de um filme de há quase cinquenta anos que terá – se bem me recordo – um assinalável êxito. De todo o modo, há nesse pequeno cinismo literariamente servido uma visão do mundo que está nos antípodas do meu e do dos meus amigos. E é por isso mesmo que resolvi celebrar os almoços de borla. Mesmo os não comidos como se vai ver.
De facto aproveitei estes dias carnavalescos para ir ver a família e tentar encontrar a perigosa Kamikaze, bandeira das malas artes que anda muito arredia destas paragens com a desculpa que está a pôr de pé um centro cultural lá para o Reino dos Algarves. Vai-se a ver e está mas é a preparar a independência desse território além Caldeirão.
E a propósito de independência, antes de entrarmos no assunto que aqui nos traz, que tal darmos já a independência à Madeira, satisfazendo quiçá os apetites do soba local que se demitiu em protesto contra uma lei. Logo ele que nunca respeitou as leis da república e a que, no descoco verbal que pratica chama Cuba ao país que lhe sustenta as bizarrias, vem agora, fulminante, ameaçar com eleições! Que as faça, que diabo, e que vá chatear o indígena para Porto Santo mas que nos deixe em paz.
Algum leitor menos afoito (e reparem que disse leitor, masculino, que se isto fosse com as leitoras, já Alberto João estava há muito posto com dono...) e pouco dado a sangrias na pátria madrasta virá escandalizado dizer que a Madeira é como o Minho ou o Algarve. Falso, leitor, falso, refalso e contra-falso! A Madeira é uma espécie de fenómeno do Entroncamento, dirigida por um cavalheiro que só fala para pedir mais dinheiro, mais regalias, maior diferença. E se não lhe derem ameaça com a independência da “colónia” explorada por Lisboa.
Ora quem já descolonizou forte e feio pode fazer mais um esforço e deixar a “pérola do atlântico” nas mãos da sua ostra. E ala que se faz tarde, arreia-se a bandeira e o senhor ministro da república recolhe a penates. Aviado que está o senhor Jardim voltemos às nossas encomendas.
A minha querida amiga K. tinha-me enviado um mail onde ficávamos de nos encontrar, sic rebus stantibus, durante a minha estadia lisboeta. Sussurrou-se mesmo a ideia sempre fresquinha de um almocinho ainda que com a Kami, os almocinhos são sempre almoços, ágapes, como de resto a senhora poetisa aí de baixo pode confirmar.
O problema, nisto eu tenho um galo incomparável, azar antigo e severo, aquilo que um amigo meu chamava “crespo”, ou seja um galo que além de nítido, culposo e evidente acerta numa criatura e expande-se contra descendentes ou ascendentes (se os primeiros faltarem...) era a data do nosso encontro gastronómico. Claro que, os leitores já adivinharam que a data proposta pela Kami teria de coincidir com a minha completa impossibilidade. E assim foi. Eu a ter de regressar ao Norte na terça pela manhã e a Kami a acenar-me com um almoço nesse exacto dia.
Zás!, contratorpedeiro ao fundo, como se dizia nos saudosos tempos em que a escola era alegre e franca e os meninos, nós todos, ou pelo menos, alguns, jogávamos à Batalha Naval enquanto lá para frente o professor debitava coisas importantíssimas.
Mas isto não pára aqui, e por isso eu ser obrigado a qualificar de “crespo” o tremendo galo que me assolou na manhã de terça feira. Partimos de Lisboa com considerável atraso porque nisto de pontualidade a minha mais que tudo tem uma teoria definitiva: chegar ou partir na hora aprazada é de mau gosto e porventura prova de má educação... E daqui não sai, excepto quanto ao trabalho: aí o terror horário de um largo grupo de amigos e familiares, é definitiva: chega mais cedo mas compensa saindo mais tarde, muito mais tarde. Se isto fosse virtude, ela já era santa ou pelo menos beata. Mesmo antes de esticar! Condoo-me diariamente com a sorte dos seus (dela) subordinados.
Portanto, nós a caminho, já com a certeza absoluta que teríamos de parar durante a viagem para meter uma bucha que nos enchesse a malvada e toca, alvissareiro o telemóvel. Era a Inês ou alguém por ela a cominar-nos para um riquíssimo cozido à portuguesa para a hora do almoço. E nós longe, longíssimo, casa do catorze, cornos da lua, cu de judas!
Que isto de cozidos tem a sua hora certa, não pode esperar. Ora como a convidante, abençoada seja, calculava que estaríamos a menos de meia hora de caminho, telefonava para que déssemos à perna quanto antes para depois já refastelados darmos ao dente. Desta vez, sempre na metáfora da batalha naval, foi o porta aviões que apanhou com um porradão de zaragatoas. Impossível chegar a tempo, mesmo dando ao pedal. Lá se foi um cozido com todos os matadores...
Parámos para almoçar, tarde e a más horas, na Mealhada. Serviram-nos uma coisa a que, por ledo engano de alma (sempre a citar o épico, por via da querida Inês), teimavam em chamar leitão à moda da Bairrada. E às tantas estariam certos. Basta que o actual leitão tenha um vago sabor a sabão amarelo e a consistência de uma pastilha elástica de segunda mão (aliás de segunda boca, para ser mais (neo)realista. Uma ofensa culinária, triste e mesquinha (estão a ver...?) que nós comemos por mera cortesia e muita fome.
Quando finalmente arribámos ao Porto do nosso descontentamento, só parei para descarregar a luz da minha vida e respectiva herdeira, lavar a dentuça e, ala que se faz tarde, para Vilarinho onde, passado que estava o cozido se anunciava um bridge com três parceiros que esperavam ansiosos.
A leitora dirá que depois de um Lisboa Porto sempre a abrir, de um atentado gastronómico a meio caminho, nada justificava ir ao local onde deviam jazer os restos do cozido para jogar cartas. Engano, leitora, engano forte, vê-se bem que não é jogadora de bridge. Entre esta minoria esclarecida do referido jogo, há regras não escritas com o mesmo valor da Magna Carta britânica. Um jogador não deixa em caso algum três outros a olhar para ontem. Só excepcionalmente, em contadíssimos casos (morte de familiar muito próximo, tremor de terra de grau oito, tsunami ou erupção vulcânica de grandeza pompeiana) é que se pode faltar. Hoje em dia, tem-se desenvolvido a ideia que também é justificativo de falta a febre a mais de 38 graus, aneurisma, ataque cardíaco ou membros superiores partidos. Todavia, e como já disse, isto é uma teoria que ainda não obteve o consenso necessário para poder ser considera regra...
Portanto, uma alegre e galhofeira mesa de bridge em Vilarinho. Quatro amigos que andavam por aí um pouco à balda, sem se verem, a bater a bela cartolina durante umas horas. A meiga Inês tirava fotografias a tão insólito encontro. E nós a dar-lhe, usando e abusando de piadas velhas e gastas sobre o mau jogo do parceiro, o desastre dos adversários, enfim o trivial. Já o imortal Terence Reese, grande mestre de bridge, dizia que o melhor de cada partida é no fim podermos insultar copiosamente o parceiro pelas asneiras que cometeu.
O dia acabou como todos os outros. Era já noite cerrada, um de nós tinha de vir para o Porto, a maioria estava abarrotada de cozido, eu enjoado com a coisa que tinha metido para dentro, enfim soou a hora do regresso a quartéis.
Convém dizer que agora com a auto-estrada o percurso é diferente. Saí em último pelo que achei que podia limitar-me a seguir o Luís que ainda por cima tem um Mercedes desses todos desportivos e pequeninos. E de facto, durante os primeiros quilómetros ele ia com tal gana que pensei, descansado, este sabe perfeitamente o caminho do regresso. Oh que fui eu pensar! A viagem que deveria ser curta, dada a proximidade da auto-estrada, converteu-se num circuito por estradas desconhecidas, por entradas e saídas em urbanizações entretanto aparecidas com as últimas chuvas, todas feias, todas tristes, todas uivando de vazio e mau gosto. Um percurso que não deveria ser superior a vinte quilómetros transformou-se numa corrida de obstáculos pior que um safari na Bechuanalândia. Às tantas comecei a temer que estívéssemos perto de Bragança, ou de Chaves, talvez Viseu... Até que subitamente demos de caras com a auto-estrada praticamente às portas do Porto. Que alegria! Que descanso!
Decidi que doravante, não seguirei nenhum médico caçador de perdizes, pescador de trutas e que seja dono de um Mercedes por mais quitado que este seja. Aliás quem é que, no seu perfeito juízo, pode acreditar que um neurologista doutorado é capaz de se entender com as vicissitudes da rede viária nacional?
Pela vossa cara já vejo que a culpa foi toda minha, como a Crazy Grazy me disse quando lhe contei esta peregrinação pelo país desconhecido. Ou por outras palavras não há almoços de borla. Melhor dizendo: não há almoços de qualquer espécie. O mundo está feito para os régulos da Madeira e para quem os deixa continuar assim.

Vai esta para a Inês Amorim, flor das hospedeiras amáveis e rainha dos cozidos à portuguesa e dos patés maison. E para o Zé Portocarrero sugerindo-lhe um bridge para breve.

espero

Sílvia, 21.02.07
dei-te os dias mais preciosos
as mãos e o corpo febris,
o pensamento lúcido,
os olhos lavados de ti.

esperei-te,
só se espera a vida.
as tuas palavras costuradas a mim
falavam-me do teu amor

escuto os dias
desde que me deixaste,
rumo a um deserto,
no silêncio do tempo.

o tempo, meu amor,
é um universo a dançar nos corpos
atravessados de angústia .

espero, ao olhar
a distância de um oceano,
que venhas.
a felicidade é um dia possível,
se estás.


silvia chueire

Estes dias que passam 49

d'oliveira, 16.02.07
Um sentimentalão abençoado ouve blues

Já me chamaram muita coisas, algumas bem desagradáveis e nisso o prémio vai para uma inspector da pide que me apodou de “mentiroso incorrigível”, “alma danada da subversão académica” -!!!- e, pasme-se, “individuo com grossa actividade leninista-marxista (sic!). Matutei no silencio da minha cela com vista para o mar da Palha, sobre o que seria, no vocabulário policial “leninista-marxista”, expressão de que nenhum grupúsculo da extrema sinistra se lembrou só para se diferenciar dos outros trinta que se alimentavam de revolução, exaltação e anti-revisionismo. Perguntará alguma leitorinha amável sobre a “grossa actividade” mas juro que não a poderei informar condignamente. Eu e os meus amigos fazíamos o que podíamos mas podíamos pouco. Éramos mais para o artesanal, policopiar umas proclamações, organizar umas passagens pela fronteira, editar livros via Centelha (“uma centelha pode incendiar toda a pradaria”, estão a ver?, Centelha essa, claro, que era a tradução directa, ao que sei, da palavrinha russa “iskra”, nome de um dos jornais do finado camarada Vladimir Illitch). –quem quiser saber mais, bata à porta do temível Rui Namorado, tenebroso fundador da editora e maligno e operoso esquerdista coimbrão. Ele tem uma memória de elefante, eu que o diga, que cada vez que escrevo algo sobre os anos sessenta, olho metaforicamente por cima do ombro para ver se o Rui não está de sobrolho franzido a murmurar que, se calhar, não era de todo em todo errada a acusação de mentiroso incorrigível...-
Mas basta de empatar e vamos ao que interessa: agora, uma amiga chama-me “sentimentalão abençoado”. Se calhar tem razão, eu sou, ou gostava de ser, um tipo que se indigna diariamente, que se revolta idem, que chora (ai isso sou uma fonte: comovo-me por tudo e por nada e, zás!, bica aberta!) e que é caninamente fiel aos amigos. Será isto ser um sentimentalão? E abençoado? Eu, um incréu dos de antigamente, sem deus nem mestre? Às tantas, tem razão. E mais, adorei este “abençoado”. Eu sou demasiado europeu para expulsar do meu léxico pessoal certas palavras e frases que são do nosso comum domínio comum (assim mesmo!) E nisso estão “que Deus tenha” “ao lado direito de Deus” e “abençoado seja” para não dizer mais.
E agora passemos ao blues. “Azuis!” dizia, e diz, o Chico Guedes, esse mesmo, organizador das “Correntes de Escrita” da Póvoa e do novel festival literário de Matosinhos (literatura em viagem). Azul é uma palavra boa, como laranja, mar, verão, ternura... E a tudo isso poderíamos juntar blues (am I blues? Everiday I have the blues!, etc...). Pois a verdade é que me apareceu na Bertrand, um sumptuoso álbum de fotografias de cantores de blues, feitas por Giuseppe Pino, com o título de Black & Blues (ear books ed). Ai, minhas irmãs sob essas avelaneiras frolidas: Aquilo é lindo de morrer! E traz quatro discos, quatro! Do melhor blues que se pode ouvir, gravado ao vivo no festival de Montreux se não me engano. Ou seja por 30 euros há um belo álbum e quatro discos!
E quem diz blues porque não há de dizer jazz? Não é a mesma coisa, já sei, ò protestantes! Mas vem do mesmo ventre fecundo, abençoado ventre, Deus o mantenha, vivo e a respirar!
Pois na mesma Bertrand estava posta em sossego “The Virgin Encyclopedia of Jazz”, um tijolão enorme de capa azul (estão a ver?....) coisa para 40 euros mais cêntimo, menos cêntimo. Ala, que se faz tarde! Ora raspe aí o magro cartão de crédito menina!
E agora esta quase novidade: as livrarias Bertrand concedem 10% de desconto aos sócios do Automóvel Club de Portugal. Comecei já a amortizar as quotas. Mas há mais. A mesma Bertrand tem agora um cartão de leitor que, ao fim de uma determinada quantidade de pontos por cada euro, oferece um voucher de 20 euros. Não é muito mas antes isso que nada que a vida está difícil para quem não é dono da sonae ou do bcp ou de outras coisas do mesmo género. O cartãozinho da Bertrand é acumulável com o desconto para os associados do ACP de modo que nem tudo é para perder.

Finalizemos esta viagem sentimental, azul, com duas boas novas: O Eduardo já é detentor de um fígado novo, ou quase, digamos que em segunda mão, melhor do que o desastre que tinha, já saiu dos cuidados intensivos, uiva de fome, coisa altamente positiva para qualquer ocidental (isto não é a Etiópia ou o Darfur, que diabo!) e tudo indica que se vai safar. Deus me ouça e a Senhora da Encarnação também, que é santa muito milagreira e muito da nossa casa buarquense. Nossa, da Maria Manuel, do Nélito Pinguel, do Octávio, minha.
A segunda, igualmente alviçareira é sobre o nosso JAB, José António Barreiros, esse mesmo, o dos livros sobre espiões, o do “O 13º Passageiro”, banda desenhada sumptuosa, editada pelo “Mundo em Gavetas”. Pois bem, o JAB andou também afligido por males vários, doente mesmo, uma chatice! Pois também ele arriba, diz-me a minha querida Kami, refinada faltosa neste blog, vamos lá a ver Madame K. se mete coisa mais substancial aqui na barca incursionista.
E o JAB não só arriba mas vai em breve apresentar o “13º Passageiro” na Cinemateca, com luxuosa apresentação pelo João Bénard, velho compincha do MES e de outros carnavais. E a sessão será completada com um filme do Leslie Howard, outro luxo para cinéfilos do gabarito do M.S.P. leitor de Proust e de mcr, um abraço.
Os pormenores da sessão serão atempadamente postados aqui no blog por Kamikaze que eu já estou farto de dar ao dedo.


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