Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 56

d'oliveira, 31.03.07

Olhando para longe, melancolicamente

É uma quase do citação do Osborne, este título, ponhamos uma cópia indecente mas, como dizia o Manuel Sousa Pereira quando um professor das Belas Artes achava que ele modelava muito á Brancusi, copiar por copiar antes os grandes mestres, não acha professor?
O título é, pois, tomado de empréstimo mas a melancolia essa é mesmo minha, própria, antiga, recidivante (ou recidivista, sei lá como é que isto se diz, sente-se e já é suficientemente difícil, portanto não vale a pena começar a ver se a palavra existe) que aparece mansamente, de quando em quando, sem data certa.
Hoje foi assim: o João Vasconcelos Costa anda a pôr em dia os velhos discos revolucionários e manda a um grupo de amigos alguns dos resultados em curtas gravações. Eu propus-me mandar-lhe umas coisas italianas “ci ragiono, ci canto”, um espectáculo cantado sob a batuta do Dário Fo e, na passada, uma cópia de uns “canti rivoluzionari italiani” que me pus a passar de LP para CD, uma aventura! E foram estes os culpados deste meu estado de alma ou de desalma.
O dia até tinha corrido bem. Fui ler os jornais para o molhe, quase deserto, pude escolher a mesa, não havia ninguém em frente a tapar-me o mar e a rebentação, o dia tinha sol suficiente e entre mim e as ondas havia uma poalha finíssima, talvez as últimas lágrimas da chuva da noite a evaporar-se, ou espuma trazida por uma brisa amável, sei lá, uma perfeição. Depois, a CG mandou a Ana telefonar prevenindo que estava numa orgiástica sessão de cabeleireiro que ameaçava demorar. Almocei sozinho numa casa de pasto simpática onde caímos quase todos os sábados. E comi as primeiras sardinhas do ano. Sardinhas em Março! E estavam boas, ó lá se estavam, claro que não são as do fim do Verão mas comiam-se muito bem. E eu sou de uma terra sardinheira, fui desmamado a sardinhas, linguados, robalos e outras maravilhas de Deus, não me deixo enganar sem mais nem menos, pelo que, acreditem, estas sardinhas de 31 de Março, Março marçagão, de manhã sol de verão, de tarde cara de cão, estavam excelentes.
E a meio da tarde munido de uma chaleira de chá meti-me na árdua tarefa de gravar. E de repente, ao som de La Lega a melancolia entrou sem pedir licença. Foi, tenho a certeza, quando li na capa do disco “Verão de 75, Milão”...
E vieram ao de cima, as imagens de um curso de direito do trabalho comparado, em Ljubljana e Trieste e mais uns dias de empréstimo em Arezzo em casa da Carlotta que eu conhecera anos antes em Berlin, no Goethe Institut. Uma italiana bonita e cheia de genica, muito do “pottere operaio”. A Carlotta e eu tínhamos trocado direcções nesse longínquo 71 mas nenhum de nós se lembrara do outro até Março de 75, quando recebo, via tia Néné, uma carta a perguntar o que é que se passava. Respondi num italiano mascavado com a ajuda de uma amiga do Instituto italiano que ao telefone me soletrava as palavras de que precisava, e a verdade é que lá fomos mantendo uma correspondência periclitante até à minha ida para Itália. Quando desembarquei em Milão, a caminho de Trieste, a Carlotta lá estava com um par de amigos e almoçámos numa trattoria que ainda hoje recordo. Foi a primeira vez que comi um risotto milanês e isso fez com que passasse a respeitar e a gostar da cidade dos Sforza.
No regresso, parei em Arezzo e demos umas voltas pelas pequenas cidades toscanas antes de rumar a Milão. Quando me dispunha a embarcar, a rapaziada da Alititalia entrou em greve e à conta disso estive mais três dias em Milão com a Carlotta que foi uma guia excepcional e me apresentou a uma fornada de tranquilos revolucionários italianos ligados ao pottere operaio. Naquele tempo, este grupo, antes radical, já tinha sido ultrapassado pelas Brigate rosse, Prima Línea, Stella rossa e não sei quantos mais. Com eles segui consternado boa parte do verão violento em Portugal: os jornais italianos traziam títulos deste género: “Portogallo colonnello falce e martello”. A Itália começava a parecer-me um excelente sítio para ficar mais uns tempos, que eu, das tontices de 75 já estava mais que farto. E trinta e tal anos depois o dr Salazar ganha uma votação merdosa na televisão ao dr Cunhal subitamente travestido em nº 2 do seu inimigo mais tenaz. (E note-se que já aqui, neste blog escrevi que do século XX português passavam à história Salazar, Cunhal, Soares e... Afonso Costa se entretanto se desfizesse a nuvem histórica que paira e amaldiçoa a aventura da 1ª Republica). Portanto, estávamos em 75, na Itália, em Milão, à custa da greve.
E foi isso tudo que me desabou em cima á segunda xícara de chá. Um rosto oval, uns olhos claros, pensativos, a loja dos discos, as explanadas generosas de Milão, as trattorie baratas, um concerto inolvidável e eu a decidir regressar à pátria madrasta malgrado as notícias dos jornais de esquerda italianos que falavam em pré guerra civil. Que se lixe, terei dito ou pensado, vou ver o que se passa e se as coisas estiverem mesmo beras, ala que se faz tarde, fronteira de Melgaço e pernas para que te quero. É claro que este “discorso” foi amplamente debatido com a Carlotta e o resto dos compagni italianos em noitadas monumentais em casa de A e de B, muito cigarro, bastante vinho e eu meio apaixonado. O dever chama-me, pensei ou disse, um tipo em estado de graça diz burrices infames, ou nem isso. Claro, ter-me-ão apoiado, de resto já sabes, tens cá uma casa e amigos.
Mas isto, leitora gentil que até aqui chegaste, isto, é chuva de Verão, mesmo que seja Março ainda, e a verdade é que a terra natal tem visgo, e eu regressei com um disco debaixo do braço, perdendo aliás dois voos, um de Barcelona a Madrid e outro de Madrid a Lisboa. Duas semanas depois estava a caminho de Madrid para mais um curso, desta vez sobre instituições europeias, outro longo mês e meio fora, e novamente a ideia que, depois de anos a aturar um regime cadaveroso, valia a pena ver como a ele se regressava por excessos revolucionários. Ficaram assim para trás Arezzo e a Carlotta, ficou mais um bocado de mim perdido entre a Toscânia e a Úmbria, e ficou também esta visita ao som do “ si ben che siamo donne/ paura non abbiamo...” que resiste a tudo, mesmo ao exorcismo de um litro de chá bebido devagar, sentado no chão com uma “furtiva lágrima” a correr por uma face que já viu melhores dias, madame nostalgie, “madame nostalgie... avec vos yeux de brume ...tes douceatres litanies” ...pourquoi me parlez vous de l’Italie?
E é com esta modificação à bela canção de Reggiani que vos deixam

mcr e a sua solitude.

na gravura "Melancolia" de Chirico

Notas soltas

José Carlos Pereira, 31.03.07
1. Num dos últimos dias de exibição, fui a Serralves visitar a exposição “Anos 80: uma topologia”. Confesso alguma desilusão com a mostra, sobretudo por acreditar que os anos 80, afinal os anos da minha maioridade, deram ao mundo e à arte muito mais do que aquilo que a exposição de Serralves nos mostrava.

2. Comemorámos os 50 anos do Tratado de Roma, génese da União Europeia que hoje temos e a que já não podemos, nós portugueses, nós europeus, renunciar. Homenageando o passado, há que olhar para esta Europa com uma visão de futuro, integradora de todas as suas realidades e valências. É essa Europa multicultural que vale a pena construir, sobretudo se pensarmos a uma escala global.

3. Nas comemorações dos 50 anos, o “Expresso” publicou duas entrevistas com Durão Barroso e Jacques Delors, personalidades de dimensão desigual. Na sua entrevista, Durão Barroso resguarda-se nas citações de Umberto Eco, Averróis, Maimónides, Sloterdijk, Denis de Rougemont, Nilkas Luhmann, Ortega y Gasset e Paul-Henri Spaak. Ufa! Tanto conhecimento esmaga o comum dos europeus…

4. Parece que terminou um concurso na RTP e que vai por aí grande alarido sobre o desfecho final. Acho que vou ali ao quiosque comprar uma dessas inúmeras revistas da TV ou do social para saber mais sobre o vencedor. Será que foi outro Zé Maria?

Expediente 3

d'oliveira, 30.03.07



"amigos em revista"*
Hoje vou falar um pouco dos outros, ou de outros, para ser mais preciso. De leitores e colegas bloguistas, de acontecidos por este mundo fora que bem preciso de tratar de coisas interessantes para me lavar a alma e os olhos e não ter de me azoar com labruscos e fulustrecos numa laruça sem fim nem remédio. Antes de prosseguir convém dizer que estou a usar palavras portuguesíssimas da costa, que andam por aí esquecidas de todos nós, cada vez mais dados a uma fala básica, insípida inodora e incolor. Então é assim azoar quer dizer enfadar-se, labrusco significa tolo, fulustreco, pessoa insignificante e laruça discussão, briga de palavras.
E isto vai como homenagem à minha querida Sílvia (alô, alô, Sílvia, um beijao!) e ao Forjaz de Sampaio, portuga emigrado na Bélgica, depois de ter corrido meia Europa e, ao que sei, um regimento de mulheres bonitas e estrangeiras a quem o parlapié daquele pássaro bisnau endoidou. Ora o FS (assim mesmo em sigla) parece que anima um curso de português para estrangeiros ou algo semelhante. E vai daí dá-lhes como leitura os meus textos (coitados dos estranjas!) e depois vê-se e deseja-se para lhes explicar o significado de algumas palavras que uso. E eu, com a idade, com uma vaga sandice que me vem de longe, com o toque anarquista que foi o que de melhor me ficou de algumas leituras extravagantes e/ou bizarras (e já iremos a esta palavra...) e com a absoluta falta de disciplina que a minha parca experiência de “mocidade portuguesa” me deixou (nunca passei de chefe de quina e isso mesmo só durou uns parcos meses...), sirvo-me da língua pátria como quem vai à lota de Buarcos (que já não há, raios partam a sorte macaca!). Ou seja, uso, abuso, torço, invento, enfim dou tratos de polé à língua de Camões. Os pobres leitores e as fosforecentes leitoras é que têm de se aguentar no balanço. Toma lá que amanhã há mais!
Portanto FS amigo, quando não souberes apita que “este outeiro é mais fácil de descer do que subir”. E a propósito "como vai essa bizarria? (ah, ah, ah: bizarria também quer dizer garbo, boa postura, viste?)
Púnhamos em 3º lugar, nesta saudação a amigos, a Maria João, minha ex-mulher que, surpresa das surpresas, e agradável!, consegue ler-me. Manda-me um mail a falar na Helma Sanders-Brahms, cineasta e realizadora do “Alemanha, mãe pálida”. ‘brigadinhos!, Joanica Puff, mas eu referia mais os livros (suponho que dela) qe correm com este título na internet. É que fui por uma referência ao Brecht e nada! Raspas de raspas! Que diabo a expressão foi inventada por ele! Mas a internet é mesmo assim.
A propósito: vai sair um livrinho chamado “Histórias do Senhor Keuner”. O autor é, outra vez, arre!, o Brecht. Compem-me esse livro, pelas alminhas! Comprem que é leitura da melhor. Ai, Berlin nos idos de 70 e as histórias do Keuner em alemão e a malta do Grundstuffe 1 a traduzir aquilo dificultosamente. Mas depois que sensação! Comprem, pois o livro e ofereçam-no a vocês mesmos como amêndoas de Páscoa.
Em quarto lugar perfila-se a sombra de um fantasma felizmente vivo, o António Horta Pinto, meu velho amigo do Mandarim, da Brasileira e ocasionalmente da Faculdade de Direito. Leitor atentíssimo muitos livros que hoje me são de cabeceira foram por ele sugeridos. Estou a vê-lo, numa mesa da Brasileira, sempre do lado esquerdo (o nosso lado) meão de estatura, enxuto de carnes, uns óculos enormes e se mal não recordo, uma barba à passa piolho. De repente deixámos de o ver: o “hortinha” tinha-se pirado para as franças e araganças cumprindo galhardamente o seu serviço militar em terras menos propensas a matar pretinhos. Cavou, sem dizer água vai, com a discrição que o caracterizava e que se espelhava num sorriso, melhor num meio sorriso entre o irónico e o melancólico. Que bom ter novas dele!
E já agora, se o apanharem, comprem “Um homem sorri à morte com meia cara”, um belo livro de José Rodrigues Miguéis, outro autor que os subscritores da carta à Seara Nova aí de baixo, terão começado a ler por essa época ( o belo Leah e outras histórias revelou-me este açoriano emigrado, porra de destino!, escritor tão esquecido e tão bom). Ora aqui está como o Horta dá passagem a um autor de grande talento.
Finalmente salte para o tablado o João Vasconcelos Costa, um tipo das arábias, cientista do melhor que se produziu em terras lusitanas, colega de curso do meu irmão e dele testemunha abonatória num vergonhoso e infame julgamento político. O João agora bloga que bloga furiosamente. Tem dois blogs em grande actividade:
meubloconotas.blogspot.com e gosto-comer.blogspot.com. Lê-los é, além de uma delícia, um dever cívico. No primeiro o João arreia no que vai vendo de esguelha neste pais que precisa de ir ao endireita. No segundo, os leitores que não estão a fazer dieta aprenderão coisas de pasmar, comer e chorar por mais. O raio do homem sabe de gastronomia que se farta. Ler uma receita de cozido à portuguesa dele é um desespero para quem, como eu, tinha a mania de saber fazer um verdadeiro cozido. De capitão passei a soldado raso e a cumprir serviço em Penamacor se aquilo ainda é castigo como dantes.
O João nestes últimos dias meteu-se amável e alegremente comigo mas a verdade é que agora, e só para um círculo de fieis, anda a enviar velhos cantos revolucionários. Agorinha mesmo chegaram por mail, mais quatro raridades a começar pelo canto a Thaelmann até ao hino da sexta division, guerra de Espanha, creio que ainda os não ouvi. Ele devia era pô-los no blog para toda a comunidade os poder apreciar. Quem não gostar, assobia para o lado, canta o Hino da Mocidade ou o Angola é nossa e que lhe preste.
Este texto chegou até aqui e aqui se fica. É que não me apetece falar no concurso da rtp que os pariu a todos sobre o português mais ilustre e muito menos da chatinagem à volta das empresas municipais. De facto o barulho à volta da funçanata pública parece feito de propósito para esconder esta vergonha escandalosa em que o favorecimento de amigos e camaradas (para não falar no próprio) assume foros escabrosos.
Chatim: o que faz comércio pouco honesto. Era insulto noutros tempos...
Este é 3º número da minha série “expediente”, dedicada a gente que respeito e prezo. Em querendo é só carregar no marcador ou etiqueta e logo aparecem os anteriores.
A gravura é uma homenagem ao Horta Pinto e à sua “tropa” em França ou lá onde esteve exilado.

* o título deste texto é obviamente uma citação de Alexandre O'Neil

missanga a pataco 8

d'oliveira, 29.03.07



As coincidências...(42 anos depois!)

O Público dava a conhecer há dias a miserável espionagem de que Torga foi alvo. Alguma vez contarei outras mas para já vai esta que é fresquíssima.
Manda-me o António Horta Pinto, advogado em Coimbra e velho, velhíssimo amigo e companheiro, a fotocópia de um documento constante no seu processo político que retrata bem como uma alegre brincadeira de um grupo de estudantes não escapou aos olhos vigilantes dos amigalhaços do "maior português de sempre". E de como o discurso sério de um deputado da União Nacional não mereceu honras de publicação na "Seara Nova".Ei-lo:

-6 Ind.
Coimbra, 27/3/965
Exmos Senhores
Vimos, cordialmente, chamar a v/ atenção , tendente à publicação na secção “Factos e documentos” deste saboroso e carnudo naco de prosa parlamentar, constante do Jornal de Notícias de 26/3/965, que junto enviamos.
Agradecendo a publicação (para gáudio dos leitores) no próximo número, somos, respeitosamente, grupo de estudantes universitários, e assinantes
José de Sousa Quitério
José Mendes Gomes
António Horta Pinto
José Guilherme Stuart d’Almeida Coutinho
Marcelo Correia Ribeiro
À redacção da revista Seara Nova
.................
De
Café Mandarim
Praça da República
Coimbra

Trata-se do texto do discurso proferido na assembleia Nacional pelo Deputado Dr António Marques Fernandes, em Março de 1965, através do qual enaltece as qualidades dos comunistas.

No verso
PIDE/DGS
Proc CLI (2) 18565
NT 7818

Notas: dois dos subscritores já cá não andam. José Gomes foi um talentoso actor de teatro e de televisão. José Coutinho (monárquico e democrata) morreu faz muitos anos mas deixou nos amigos uma recordação terna de um homem angustiado, bom leitor, bon vivant e bom bebedor. Ao Zé Quitério e ao Horta dois abraços do tamanho do mundo.


A negrito:os comentários da pide e os números de ordem do processo.

Na Cozinha dos Artistas

ex Kamikaze, 29.03.07



(autor: Saskia Bremer)


Um LIVRO e uma EXPOSIÇÃO
inaugura no dia 30 de Março
(Almancil, Algarve)


“Na Cozinha dos Artistas”, 40 artistas, portugueses e estrangeiros, todos dotados de uma personalidade artística distinta e de uma linguagem singular, responderam ao convite do Centro Cultural revelando a sua receita preferida.
Para ilustrar esta receita aceitaram realizar uma obra de arte fora do seu contexto de trabalho habitual, uma obra que seria relacionada à arte culinária, destinada a ser reproduzida no livro e exposta nas salas do Centro.
O resultado é uma compilação heterogénia de receitas e obras. Daí o seu interesse e a sua originalidade. Além de divulgar uma receita e uma obra de cada artista, o livro permite um olhar discreto-indiscreto na cozinha destes, mostrando-os a trabalhar com a panela e a colher em vez do pincel e do lápis.
O livro, repleto de cores e de imagens, é editado em três línguas: Português, Inglês e Alemão. Tem um prefácio de Gigi, homem conhecido nos meios gastronómicos Algarvios e sobretudo, amigo dos artistas e do Centro.»

Pode ver algumas das obras em exposição (algumas de autores consagrados, nacionais e estrangeiros) aqui.


«Sobre cães e donos realmente perigosos»

ex Kamikaze, 29.03.07

Lido no blawg InDex

(faço copy paste do post mas não deixem de visitar o blog, um opinar diferente e uma POESIA que merece divulgação)

«A recente morte de uma mulher, provocada por quatro cães (de raça supostamente perigosa), vem renovar a justificada polémica sobre a responsabilidade dos seus donos.

A previsão de uma tal responsabilidade - pelos danos causados por animais - encontra-se estabelecida, desde há muito, no âmbito da teoria juscivilística.
É, no entanto, rara - se não mesmo inexistente -, a efectivação de uma tal responsabilidade no plano criminal.
A nossa jurisprudência, que se acomodou a esquemas mentais de funcionamento pré-estabelecidos, tem uma insuperável dificuldade em admitir que a flagrante violação de normas regulamentares de cuidado e protecção de interesses supra-individuais (como as consagradas no Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro) possa integrar, ao menos, a figura da actuação por negligência.
Ao menos, que a dorida morte imprevista de uma mulher, à mercê de quatro cães, tenha tido a virtualidade de fazer inflectir uma tal atitude.

É que, ao lado de um animal potencialmente perigoso, está quase sempre um dono realmente perigoso.»

Estes dias que passam 52

d'oliveira, 28.03.07


Deutschland bleiche Mutter


Desculpem lá o título em arrevesado alemão, quer apenas dizer “Alemanha mãe pálida” e é obviamente de Brecht. Ou melhor não tão obviamente porque um leitor amigo perguntou-me se isto não era de um poema (É, claro que é... e de Brecht) porque, dizia, numa consulta á internet só lhe saía uma senhora que fez um filme com este nome. E que até havia livros com este nome. É provável mas se os há, não conheço, espero que expliquem, muito explicadinho que é uma “citação”.
Aproveito pois a boleia desse leitor suspicaz (adoro esta palavra, sobretudo porque o dicionário do computador a repele por errada. Errado estás tu ó dicionário de meia tigela!) e "pranto" um título à crónica, que isto de arranjar título que se veja não é coisa de somenos (desta vez o computador não estranhou; está a civilizar-se!) Eu suo as estopinhas para arranjar um título se, acaso, ao começar a dedilhar o teclado ainda o não tenho. É que um título é como um muro em volta da crónica, não a deixa arrebitar cachimbo nem fugir à ordem do dia. Quando ainda não há título é uma desbunda: a prosa vai e vem como as ondas do mar de Vigo onde eu já não tenho velidas e muito menos veleidades. Quando lá vou é por livros e por marisco e tapas! Ai a velhice é uma chatice das antigas!
Bem, vamos ao que importa e que é a libertação de Brigitte Mohnhaupt, ao fim de 25 anos de cadeia. Cadeia mais que justa convém dizer que a rapariga não tinha frio nos olhos quando se tratava de assassinar um inimigo de classe. A graça disto tudo, se isto pode ter graça!, é que a Rote Armée Fraktion (fracção do Exército Vermelho, grupo Baader-Meinhof...) foi constituída fundamentalmente por jovens vindos da burguesia alemã, e da burguesia acomodada. Nunca conseguiram penetrar nos meios operários da antiga República Federal e não creio que os de Leste os tivessem por revolucionários. Mesmo se, em algum momento, lhes deram guarida. A RAF produziu uma literatura confusa e nunca foi perceptível um programa político para a Alemanha de que eles não gostavam. Sei que não é bonito dizer coisas destas de gente da minha geração mas faço já aqui a minha “declaração de interesses”, como parece ser moda: a RAF, a Action Directe (em França), os GRAPO (Espanha), a ETA e as Brigadas italianas (e similares que nisto a Itália exagera sempre) nunca foram da minha simpatia. Nunca lhes compreendi a acção, a falta de perspectiva, a arrogância intelectual de quem dá lições ao proletariado, como se já não tivessem bastado o finado e mumificado Vladimir Illitch e réplicas múltiplas que criaram a famosa teoria do “partido revolucionário de quadros profissionalizados”. E digo isto sem amargura. A época era outra e eles não tinham antecedentes nessa entrada numa vida monástica e rarefeita à base de revolução, linha justa, cisão, expulsão e critica destemperada a todo o bicho careta que tivesse um pelo fora do sítio. É claro que deram com os burrinhos na água e agora vai-se por ela, pela Revolução, e sai-nos um regime que criou igualdade por baixo, enxovias (outra de que o computador não gosta!) aos milhares, atraso económico e reacção generalizada. Não é em vão que na Polónia governa quem governa e que nos “Länder” do antigo leste alemão haja tanta receptividade ao nacionalismo mais torpe.
Mas voltemos à libertação da quase sexagenária Birgitte. Parece que causou muita celeuma a sua libertação. Que ela não tinha pedido desculpa; que ela ia voltar à mesma vida gangsterizada; que era uma vergonha libertar a criatura condenada a cinco prisões perpétuas (é obra: cinco perpétuas! O melhor é ser gato que assim ainda pode permitir-se pensar que lhe sobram duas vidas!). Tudo isto me faz sentir nojo, desculpem lá... É que eu venho de um país de brandos costumes, e como tal penso que vinte cinco anos é suficiente. A prisão perpétua não tem mais sentido do que a pena de morte. Sobretudo se a lei depois diz que perpétuo é apenas 25 anos. É que das duas, uma: ou a prisão é apenas um castigo e um castigo que deve ser adequado ao crime ou também tem uma função de recuperação social (os meus colegas penalistas vão dar urros... mas eu nisto sou assim, pouco dado a grandes especulações sobre essa coisa tremenda e temível que é estar encerrado entre quatro paredes 23 horas por dia). Se a segunda hipótese é boa então deixem a Birgitte em paz, a paz que ela não respeitou nem concedeu, mas a paz apesar disso. O resto chama-se vingança. E, em querendo, adoptamos outros valores, olhem os que presidem à charia (agora são os islamistas que me vêm chatear...) ou ao celebre “olho por olho” tão judaico e tão praticado. E se ela pedisse desculpa não viria logo alguém dizer que era para poder sair da cadeia?
Eu, desculpem lá, esta agora das desculpas parece-me uma burrada em três actos. Há uns tempos, o dr Mário Soares, pessoa que muito estimo e respeito, entendeu pedir desculpa em nome de Portugal, pelas maldades feitas aos judeus! O dr Soares pensou muito generosamente que isso era bonito e importante. Só que sem qualquer espécie de eficácia retroactiva! Ninguém saiu da fogueira, do auto de fé e de mais um par de canalhadas das inquisição. Ninguém! Os séculos XVI, XVII e XVIII não se apagam nem se modificam. O importante é o que hoje pensamos e fazemos. A história nunca se pode reescrever mesmo que com bons sentimentos. E mais: os judeus de há quatrocentos ou trezentos anos não eram como os de agora, melhores ou piores isso pouco importa. Nem os portugueses eram como somos...
Acabemos esta anarqueirada cronicante com uma referência a esse enorme poeta chamado Wolf Biermann. A cidade de Berlin entendeu conceder a este homem vindo do leste nos anos sessenta, a cidadania honorária. Nada mal para uma cidade onde os poetas nela nados e criados não são multidão. Pois logo se elevaram vozes discordantes: Biermann foi contra a guerra do Iraque, escreveu e escreve coisas pouco correctas politicamente, é uma espécie de comunista contra os comunistas do leste, alguém finalmente pouco fiável e recomendável. Depois espantam-se que apareçam as Birgitte, as Gudrun, as Ulrike...
Ai, Alemanha pálida mãe...
a gravura(eu acho-a um achado!) é de um cartaz alemão contemporâneo ou quase do poema de Brecht já citado. Cartaz nazi, claro, mas era isso mesmo que B.B. criticava...

missanga a pataco 7

d'oliveira, 26.03.07



Küß die Hand gnädige Frau!

Acredite, excelente Senhora no título desta prosa e perdoe o que vem a seguir. É que eu tinha de Si uma impressão, digamos para ser simpático, extremamente moderada.
A Senhora era, para mim, um mal menor, mas mal, um acidente de percurso na história recente da recente democracia alemã. Sou, não me custa dizê-lo, um “berliner” de adopção, e por isso mesmo um “rot”. Berliner porque amo essa cidade tanto quanto Paris ou Buarcos ou, noutro registo, Lourenço Marques, Amsterdam ou Roma. Berliner ainda porque estudei durante uns meses num Berlin dividido e inesquecível em que até o berliner Luft soava e cheirava bem. Nem eu, na altura sabia, que imitava os passos do meu trisavô Ernst Richard Heinzelmann, estudante que foi na Wilhelm Universität (hoje Humboldt Un.) nado e criado em Havelberg a uns escassos setenta quilómetros e que se banha no mesmo rio que Berlin. Berliner , finalmente, porque me aqueço ao sol da mesma liberdade que permitiu o milagre de uma cidade esquerdista cercada por um muro odioso.
Tudo isto, excelente Senhora, tem pouco a ver com o seu partido, a CDU, e menos ainda com os aliados incómodos da CSU bávara. Todavia, ao ler extractos do seu discurso de ontem, dia da Europa, ao perceber nas entrelinhas o cuidado com que conseguiu que tantos e tão diferentes europeus assinassem uma declaração que nem por ser mínima deixa de ser importante para o nosso futuro de habitantes neste velho continente. Comovi-me, não há que recear dizê-lo com a sua alusão aos tempos difíceis em que um muro dividia a cidade, os rios, a floresta, as famílias e os afectos. Percebo, talvez, melhor essa sua dedicação a uma causa a que tanto democrata que se proclama de esquerda não quer ver. Que uma Europa de nações foi, e poderia voltar a sê-lo, uma Europa de guerras incessantes, paz frágil, desconfianças brutais e diferenças de toda a espécie. Esses falsos arautos do socialismo esquecem depressa a letra imortal das velhas canções (por todas a Internacional) de combate pela igualdade e pela liberdade. Já as não cantam há muito ou esqueceram-se depressa. E foi preciso aparecer uma mulher conservadora para relembrar que o combate de cinquenta anos por uma Europa pacífica, próspera, livre e democrática é ainda um combate actual.
Não vale a pena alargar-me muito mas pelo que acima digo fácil é de perceber porque é que o autor, como seu adversário político, lhe beija a mão respeitável Senhora.


fotografia do restaurante Paris Bar de que tenho as melhores recordações quer do ano de 1971 quer de 1982. ainda por cima come-se bem! Fica na Kantstrasse em Charlotenburg o mesmo é dizer no centro.
A expressão que serve de título e que está traduzida na última linha do texto é, de facto ,mais vienense do que alemã. Mas eu quero crer que na cidade do Spree e do Havel estas cortesias também têm sentido. Berliner Luft (ar de Berlin) é uma conhecida peça musical que se toca impreterivelmente no fim de cada concerto popular e refere também uma velha blague sobre o ar pouco respirável de um Berlin de há 30 ou 40 anos.

Diário Político 45

mcr, 25.03.07



Regressado do limbo computacional

E aqui estou de novo, renovado se é possível dizê-lo, ou melhor escrevê-lo. Os computadores são umas máquinas diabólicas, endiabradas, endemoninhadas e nem sei que mais adjectivos pôr.
Disse adjectivo? Desculpe lá Senhora Ministra da Educação, escapou-me.
Disse "da educação"? Bem, escapou-me também esta. É que a"educação" passa por ser uma coisa séria, alfobre de virtudes cidadãs, de conhecimentos úteis, e de mais um par de coisas que por ora não recordo.
E a Educação Nacional, a nossa, ou melhor a de quem manda e desmanda, parece-me andar com uns tiritos na asa. Muitos, mesmo. Tantos que se calhar nem vale a pena contar. Passa-se-lhe a certidão de óbito e já está.
É que todos os dias há novidades. Bem, novidades, o que se diz novidades, é talvez um exagero. Também não vou dizer que se passam tropelias. Credo! Era o que faltava! Uma Ministra não está aí para estragar o retrato da virtuosa governação que nos rege. Uma Ministra despacha, põe, dispõe mas não descompõe.
Ora o que me vai chegando ao ouvido e ao olho leitor é suficiente para pedir na botica um emplastro para o "pavilhão auditivo" e uma venda bem preta para um olho. Assim, a modos de pirata, se é que me percebem...
Mas deixemos este tema da Educação que é pouco sumarento e vamos ao que importa: regresso ao convívio dos leitores e colegas depois de resolvido um extraordinário caso de incompatibilidade computacional. De facto o computador não me deixava assinar o que escrevia com o meu nome. Foi mister pedir a um companheiro generoso uma boleia para me publicar.
Todavia a ilustre (e bonita, olarilolé) administradora do blog, a guerreira Kamikaze, lá se condoeu deste desinfeliz e por fas e por nefas voltei a ser eu, propriamente dito, d'Oliveira com apóstrofe que é mais fino.
Isto só acontece neste computador em que estou a dar ao dedo. No do lado, da mesma empresa e marca, o d'Oliveira não tem direito a usar o brouser Firefox mas apenas o Safari! Porquê? Raio de pergunta, porque sim! E com uma agravante: o Safari não tem, ou se tem não me diz, a função compose. E isso faz com que as linhas saiam tortas, torna-se impossível pôr itálicos, negritos, cores, enfim fica-se reduzido a uma apagada e vil tristeza. À portuguesa! À Ministra da Educação, com certeza. E sem surpresa...

surripiei a um excelente fotógrafo chamado Rui Cunha a fotografia acima posta. Pior, recortei-a. Um abraço Rui Cunha e não me leve a mal. O raio da fotografia é mesmo boa.

d'Oliveira fecit

Pág. 1/4