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Incursões

Instância de Retemperação.

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Expediente 3

d'oliveira, 30.03.07



"amigos em revista"*
Hoje vou falar um pouco dos outros, ou de outros, para ser mais preciso. De leitores e colegas bloguistas, de acontecidos por este mundo fora que bem preciso de tratar de coisas interessantes para me lavar a alma e os olhos e não ter de me azoar com labruscos e fulustrecos numa laruça sem fim nem remédio. Antes de prosseguir convém dizer que estou a usar palavras portuguesíssimas da costa, que andam por aí esquecidas de todos nós, cada vez mais dados a uma fala básica, insípida inodora e incolor. Então é assim azoar quer dizer enfadar-se, labrusco significa tolo, fulustreco, pessoa insignificante e laruça discussão, briga de palavras.
E isto vai como homenagem à minha querida Sílvia (alô, alô, Sílvia, um beijao!) e ao Forjaz de Sampaio, portuga emigrado na Bélgica, depois de ter corrido meia Europa e, ao que sei, um regimento de mulheres bonitas e estrangeiras a quem o parlapié daquele pássaro bisnau endoidou. Ora o FS (assim mesmo em sigla) parece que anima um curso de português para estrangeiros ou algo semelhante. E vai daí dá-lhes como leitura os meus textos (coitados dos estranjas!) e depois vê-se e deseja-se para lhes explicar o significado de algumas palavras que uso. E eu, com a idade, com uma vaga sandice que me vem de longe, com o toque anarquista que foi o que de melhor me ficou de algumas leituras extravagantes e/ou bizarras (e já iremos a esta palavra...) e com a absoluta falta de disciplina que a minha parca experiência de “mocidade portuguesa” me deixou (nunca passei de chefe de quina e isso mesmo só durou uns parcos meses...), sirvo-me da língua pátria como quem vai à lota de Buarcos (que já não há, raios partam a sorte macaca!). Ou seja, uso, abuso, torço, invento, enfim dou tratos de polé à língua de Camões. Os pobres leitores e as fosforecentes leitoras é que têm de se aguentar no balanço. Toma lá que amanhã há mais!
Portanto FS amigo, quando não souberes apita que “este outeiro é mais fácil de descer do que subir”. E a propósito "como vai essa bizarria? (ah, ah, ah: bizarria também quer dizer garbo, boa postura, viste?)
Púnhamos em 3º lugar, nesta saudação a amigos, a Maria João, minha ex-mulher que, surpresa das surpresas, e agradável!, consegue ler-me. Manda-me um mail a falar na Helma Sanders-Brahms, cineasta e realizadora do “Alemanha, mãe pálida”. ‘brigadinhos!, Joanica Puff, mas eu referia mais os livros (suponho que dela) qe correm com este título na internet. É que fui por uma referência ao Brecht e nada! Raspas de raspas! Que diabo a expressão foi inventada por ele! Mas a internet é mesmo assim.
A propósito: vai sair um livrinho chamado “Histórias do Senhor Keuner”. O autor é, outra vez, arre!, o Brecht. Compem-me esse livro, pelas alminhas! Comprem que é leitura da melhor. Ai, Berlin nos idos de 70 e as histórias do Keuner em alemão e a malta do Grundstuffe 1 a traduzir aquilo dificultosamente. Mas depois que sensação! Comprem, pois o livro e ofereçam-no a vocês mesmos como amêndoas de Páscoa.
Em quarto lugar perfila-se a sombra de um fantasma felizmente vivo, o António Horta Pinto, meu velho amigo do Mandarim, da Brasileira e ocasionalmente da Faculdade de Direito. Leitor atentíssimo muitos livros que hoje me são de cabeceira foram por ele sugeridos. Estou a vê-lo, numa mesa da Brasileira, sempre do lado esquerdo (o nosso lado) meão de estatura, enxuto de carnes, uns óculos enormes e se mal não recordo, uma barba à passa piolho. De repente deixámos de o ver: o “hortinha” tinha-se pirado para as franças e araganças cumprindo galhardamente o seu serviço militar em terras menos propensas a matar pretinhos. Cavou, sem dizer água vai, com a discrição que o caracterizava e que se espelhava num sorriso, melhor num meio sorriso entre o irónico e o melancólico. Que bom ter novas dele!
E já agora, se o apanharem, comprem “Um homem sorri à morte com meia cara”, um belo livro de José Rodrigues Miguéis, outro autor que os subscritores da carta à Seara Nova aí de baixo, terão começado a ler por essa época ( o belo Leah e outras histórias revelou-me este açoriano emigrado, porra de destino!, escritor tão esquecido e tão bom). Ora aqui está como o Horta dá passagem a um autor de grande talento.
Finalmente salte para o tablado o João Vasconcelos Costa, um tipo das arábias, cientista do melhor que se produziu em terras lusitanas, colega de curso do meu irmão e dele testemunha abonatória num vergonhoso e infame julgamento político. O João agora bloga que bloga furiosamente. Tem dois blogs em grande actividade:
meubloconotas.blogspot.com e gosto-comer.blogspot.com. Lê-los é, além de uma delícia, um dever cívico. No primeiro o João arreia no que vai vendo de esguelha neste pais que precisa de ir ao endireita. No segundo, os leitores que não estão a fazer dieta aprenderão coisas de pasmar, comer e chorar por mais. O raio do homem sabe de gastronomia que se farta. Ler uma receita de cozido à portuguesa dele é um desespero para quem, como eu, tinha a mania de saber fazer um verdadeiro cozido. De capitão passei a soldado raso e a cumprir serviço em Penamacor se aquilo ainda é castigo como dantes.
O João nestes últimos dias meteu-se amável e alegremente comigo mas a verdade é que agora, e só para um círculo de fieis, anda a enviar velhos cantos revolucionários. Agorinha mesmo chegaram por mail, mais quatro raridades a começar pelo canto a Thaelmann até ao hino da sexta division, guerra de Espanha, creio que ainda os não ouvi. Ele devia era pô-los no blog para toda a comunidade os poder apreciar. Quem não gostar, assobia para o lado, canta o Hino da Mocidade ou o Angola é nossa e que lhe preste.
Este texto chegou até aqui e aqui se fica. É que não me apetece falar no concurso da rtp que os pariu a todos sobre o português mais ilustre e muito menos da chatinagem à volta das empresas municipais. De facto o barulho à volta da funçanata pública parece feito de propósito para esconder esta vergonha escandalosa em que o favorecimento de amigos e camaradas (para não falar no próprio) assume foros escabrosos.
Chatim: o que faz comércio pouco honesto. Era insulto noutros tempos...
Este é 3º número da minha série “expediente”, dedicada a gente que respeito e prezo. Em querendo é só carregar no marcador ou etiqueta e logo aparecem os anteriores.
A gravura é uma homenagem ao Horta Pinto e à sua “tropa” em França ou lá onde esteve exilado.

* o título deste texto é obviamente uma citação de Alexandre O'Neil