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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 62

d'oliveira, 23.04.07

Matosinhos, once again...

E o sonotone? Onde é que está o sonotone do gajo?, perguntou uma leitora, mais uma, ai que bom!, apontando-me a figura majestosa e cachimbante do escultor MSP que fumegava que nem uma locomotiva da linha do oeste (do oeste pois claro, mas do oeste pátrio, ocidental e lusitano, vocês é que são todos uns ignorantes, a escola é uma miséria, parece que já não se ensinam as linhas de caminho de ferro, com todas as suas estações e apeadeiros, isto agora é tudo auto-estrada, ou então alta velocidade -no papel, claro, no papel -, tem graça escrevi primeiro alta estrada e auto-velocidade, devia ser o que o Manuel António Pina chama erro criativo,) bem vamos lá ao que interessa, então não é que uma leitora me pespegou um beijo na face veneranda e perguntou desenvoltamente onde é que o Pereira trazia o aparelho auditivo, vai daí eu disse-lhe que ele tinha uma corneta daquelas antigas de encostar à orelha e ela ficou alucinada, mas isso é uma antiguidade, diz-me, também o MSP retorqui, se isto funcionasse como as antigas caixas de previdência, o escultor tonitruante já só andaria de cadeirinha, ao lombo de quatro escravos malabares e mais dois, um à frente com aquelas coisas que pareciam espanadores gigantescos feitas de plumas e outro atrás com a “saca dos precisos” (cachimbos, tabaco, canetas rotring, papel de desenho, um livro) que a senectude tem direitos, ora essa!
E a história da linha do oeste?, pergunta daí alguém, novo demais para saber destas coisas graves e pertinentes. Pois a linha do oeste é uma honrada via férrea que liga a Figueira da Foz a Lisboa, passando por irrelevâncias urbanas como Leiria e Caldas da Rainha, ora tomem lá que isto é para vingar a desfeita feita à Naval 1º de Maio pelo Sporting. Quatro a zero é demais, há-de ter sido o árbitro que deu uma ajuda...
Bem, tudo isto era para ser um fiel relato do segundo dia das jornadas “literatura em viagem”. Quem não veio que viesse e quem quiser saber coisas de mais apuro que vá aos jornais, eu fico-me por pequenas impressões, que ninguém me paga para ser o fiel cronista dos eventos. Matosinhos a todo o vapor: mais livros apresentados, mais duas mesas redondas, uma delas sob a minha isenta moderação, que foi aliás a única coisa em que fui isento (fora o serviço militar há quarenta e tal anos quando aquilo de ir às sortes era a sério e dava dois anos de degredo militar. Felizmente o médico que me inspeccionou era uma velho amigo que mentiu com mais aprumo que um hospital privado inteiro, aumentou-me a altura para uns garbosos metro e setenta e cinco, roubou dois quilos ao meu peso pluma – sim, que eu, nessa época, andava aí pelos 58 quilos mal pesados, não era o banhuças de agora, enfim o cavalheiro cheiinho que vocês eventualmente conhecem – roubou-me igualmente na escassa medida de peito de modo que tudo contado, pesado, dividido, dava um índice miserável, impróprio para a tropa garbosa e ainda mais para oficial, mesmo miliciano. Foi Deus, ou alguém por ele, que mandou esse amigo à minha inspecção militar, porque meses depois rebentava Angola e foi o que se viu. Nunca um imposto, a taxa militar, sessenta mil reis por ano, foi pago com tanta alegria e fervor. A tropa deu-me por inapto e eu mesmo sinto-me desde sempre vagamente inapto para uma série enorme de coisas, entre elas a de fazer carreira de qualquer espécie sobretudo política, não tenho jeito nem espinha flexível para aquilo, o erro é obviamente meu, mas pronto sou inapto, incorrigível e “não recuperável” como dizia o Sartre na última fala de “as mãos sujas”, eu, um dia destes conto-vos como o conheci, aliás conheci de uma penada e à mesma mesa de um restaurante bom, barato e abundante, o Sartre, o Eduardo Lourenço e um temível ex-dirigente da extrema esquerda maoísta francesa que dava por “Victor”. Comemos bem, bebemos melhor e depois andámos dois dias por aí a visitar a revolução. Fica para um destes dias...
Matosinhos dizia, e a minha mesa redonda. Então não querem saber que no exacto momento de apresentar os restantes mesários me dá uma “branca”, dessas que aterrorizam qualquer bom actor de teatro e nem dos nomes dos desinfelizes me lembrava? O pobre do Gonçalo Cadilhe, ai que inveja me faz, apareceu crismado como Fernando, da Dulce Maria Cardoso (de quem hoje mesmo vou comprar os livros que o JAB e a Kami dizem ser do melhor, que querem um tipo não pode ter lido tudo e eu, a Dulce, raspas de raspas, azar dos Cabrais, não sabia que ela me tocava na rifa e não me preveni, lendo-a, não tem mal, agora vai a eito, leio-a e depois digo. Vai daí pensei que ela tinha plasmado no primeiro livro, “uma escrita abissal” sussurrou-me a Kami, a sua experiência de desenraizamento de África mas ela, desenganou-me, nada disso, e eu fiquei atrapalhado, olá se fiquei. Felizmente o resto correu bem, o público falou que se fartou, aliás só se calaram quando o Xico Guedes me fez o décimo quinto sinal para fechar a loja e levantar a tenda (isto é uma repetição mas é tão bonita...) senão ainda lá estaríamos a discorrer sobre tudo e nada que é para isso que leitores, escrevinhadores e outros adeptos destes dois vícios solitários (é, eu também sei que há ainda outro mas a elegância estilística impõe citar apenas a leitura e a escrita...) se juntam.
A jornada terminou com um belo concerto do Rao Kiao, o raio do homem só melhora com a idade, e depois cada qual foi à vida que amanhã, hoje é dia de trabalho.
Mas não resisto a contar que Matosinhos foi durante uma breve tarde, local de encontro de vários bloggers (ou bloggueurs, Manuel António Pina?) porque apareceu o fugidio Coutinho Ribeiro, de filho (João) a tiracolo, o miúdo também já tem um blog, vejam lá, também é verdade que filho de peixe.... E o leitor Ferreira anunciou que também se estabeleceu por conta própria na blogoesfera, mas continue a visitar-nos, Ferreirinha, e mande a direcção do blog, homem! E o Fernando Venâncio, do “vitamina” também cá estava, ou seja, para o ano fazemos um congresso, em Matosinhos talvez a Câmara, tão porreirinha, nos ofereça um almocinho, pelo menos tão bom quanto o de ontem, na Boa Nova. Fica o recado, que de certeza, haverá quem o entregue... Nem falo da Kami, nossa venerada administradora nem do José António Barreiros que tem vários blogs, todos bons ainda por cima, que inveja. Ou seja estávamos bem representados mesmo se o incursões registasse uma ligeira maioria de participantes.
E pronto, chega de reportagem, que ninguém me paga o desgaste de material. Hoje é dia do Livro. Força, leiam um livrinho e que vos saiba! E que vos alegre a alma ou lá o que temos, um livro mesmo pequenino, tem muita serventia nem que seja para amparar o pé manco de uma mesa.

Na gravura: Três cachimbos de Carelman (Catalogo dos objectos impossíveis), a saber e de cima para baixo: cachimbo com fornilho posterior para fumadores que se incomodam com o fumo; cachimbo de fornilho alto para efeitos semelhantes; cachimbo duplo para apreciadores de misturas, basta pôr tabacos diferentes em cada fornilho e dar ao pulmão.Esta gravura é obviamente um sinal de preito e menagem ao Manuel.

...

Sílvia, 22.04.07
woman thinking - ômer adil- turkey
lembrar

lembro-me do teu rosto
antes de morreres
para o amor.

lembro-me das chamas
crescendo nas tuas palavras,
do teu olhar a dizê-las.

os dias a serem vida,
não tempo.

lembro-me de ti,
impecável nos atos,
distante da sombra
- pura azáfama –
que agora és.

silvia chueire

Au Bonheur des Dames 61

d'oliveira, 21.04.07

Days of wine ande roses

As leitoras dirão que o escriba deu em anglófilo, o leitor MSP protestará (mas ele gosta de protestar, agora que já não tem alunos a quem massacrar com a geometria descritiva, sim, porque nós sabemos que aqueles resultados fabulosos, anos e anos a seguir, só torturando as criancinhas, senão o homem era um génio e isso seria demais, no nosso círculo de amigos há desde há muito um princípio, génios façam o favor de se evaporar, que isto aqui é só rapaziada normal ou quase...) mas o facto é que eu mantenho: dias de vinho e rosas! E provo.
À uma, a Frau Kamikaze veio até Matosinhos com o impagável JAB, o advogado com mais humor a leste do rio Pecos. E gostaram ou melhor estão a gostar desta alegre feira à volta da Literatura em Viagem. Ainda por cima conheceram a Dulce Cardoso, de que ambos são fãs e a Maria do Rosário Pedreira idem, fui eu, claro quem os apresentei. A coisa vai mesmo mais longe. A Kami disse-me que eu tinha uns amigos muito simpáticos, mas que é que ela esperava, o diabo da criatura? Que eu frequentasse um grupo de ogros avinagrados que só pensam em estraçalhar gente de bem?
Depois, para penitência, apresentei-lhes o escultor MSP que anda como um cuco, também o caso não é para menos, ontem abriu uma pequena exposição dele e, em meia hora, estava tudo vendido, tudo não, que ainda falta uma peça, bem boa, por acaso, mas cara, carota, esta artistagem agora quer ficar rica á custa da marabunta, que é que é feito do mito do artista pobre e romântico que vendia as peças por tuta e meia?
Em terceiro lugar, mas isto não vai por ordem de importância, eu é que sou assim, vou escrevendo e quem vier atrás que feche a porta, reencontrei a leitora bonita número 1, que as minhas leitoras são todas bonitas, homessa, com esta idade bem que posso ter até a Naomi Campbell como leitora, que elas olham para mim como um amável fóssil, uma espécie ligeiramente mais moderna que o homo habilis, e se calhar até estou a ser generoso comigo próprio, enfim reencontrei a dita cuja leitorinha, sempre bem, olho azul e fundo, simpatia a rodos, vê-se que deve ter sido escuteira para me receber assim, com folares e cavalhadas, ah que bom, what a glorious day (e ele a dar-lhe resmunga o escultor bargante (aguenta-te lá com esta ó ignorante do léxico pátrio!).
Depois, o Eduardo Lourenço, fundador da Vértice, revista onde escrevinhei alguns despropósitos, felizmente a Censura estava atenta, e zás!, traço azul e grosso, e a minha prosa saía mais esburacada que uma renda de bilros, isto sem desdouro da dita renda que eu até nem sei como é, mas a palavra bilro é tão bonita que não resisto a usá-la, o Eduardo Lourenço dizia eu, um mito vivo do melhor que em Portugal se fez, esgalhou uma conversa sem papeis, uma coisa estilo ao canto da lareira, um espectáculo. Chiça! O homem tem oitenta e quatro anos mas parece ter trinta, que cabecinha de oiro, que humor, que verve! E dizia ele, a páginas tantas, que não quereria ser tomado por um ortodoxo da heterodoxia! Querido professor, não se preocupe V. nunca será vulgar, rotineiro, pronto a vestir ou pronto a consumir. O Senhor é um dos poucos príncipes que nos restam, um dos poucos que tivemos e isso, essa chama incerta mas visível é um sinal de que nem tudo está como no reino da Dinamarca, digo Portugal que anda um tanto ou quanto de monco caído, raio de país que não sai da cepa torta, que é um vício, um lento veneno, viagem sem regresso, caravela naufragada ao peso das especiarias...
Matosinhos está que arde! Uma festa! O Chico Guedes bem que pode retorcer o bigode. O raio do homem sabe organizar eventos destes, não é por acaso que se termina este texto mandando-lhe um abraço desses de partir a costela a um urso, porque isto, esta facilidade de contactos, esta conversa de bica aberta entre escritores e leitores, esta pequena viagem pela inteligência das coisas só acontece porque um fulano gordo, bem humorado e de bigode resolveu dar-se ao trabalho de organizar esta festa, sem jet-set nem políticos a jacto de parca amplitude, mas apenas com os leitores e os autores ou seja uma festa entre pessoas de bem que se encontram no mais informal dos desencontros.
Amanhã há mais... Depois não digam que não vos avisei...

Do vosso enviado especial à 2ª edição de “Literatura em viagem” em Matosinhos, claro.

A gravura "pessoa à janela" é de Dali. Vai toda para o Presidente da Câmara de Matosinhos e participante no encontro, que comparou a sua terra a uma janela aberta sobre o mar.

Au Bonheur des Dames 60

d'oliveira, 19.04.07

2ª CARTA AO MEU AMIGO E CAMARADA DE BLOG JCP

Descansem as leitoras que isto não é cena de varapau, sequer troca grossa de opiniões mas tão um pretexto para homenagear a generosidade do meu confrade e, a talho de foice, explicar melhor algumas coisas. Para quem o não conhece senão de escrita, o JCP é um sólido cavalheiro, portista ferrenho “andrade” mesmo, licenciado em História (pela Universidade – pública – do Porto e não pela “de Kabul on the rocks”) pai babado de um filho varão, bom garfo e fumador de enormes charutos cubanos. É também presidente da Assembleia Municipal do Marco de Canavezes, terra em que, durante anos, manteve bem acesa a chama da resistência contra um prepotente (sendo nisso acompanhado por dois nossos amigos e ex-bloguistas do Inc: o Carteiro e o compadre Esteves (no civil respectivamente Coutinho Ribeiro e João Magalhães). Esta reduzida trindade bateu-se, e de que maneira, pela democracia em terreno hostil e muitas vezes ameaçador. Só por isso mereciam a coroa de louros dos antigos atenienses). E agora a cartinha:
Meu caro JCP
Faça-me o favor de ler esta descosida prosa. Acenda esse magnífico Cohibas, sente-se neste maple aqui do canto, velho e coçado mas muito confortável, não me interrompa, e oiça.
A um texto aí em baixo, sobre a crise de 69 em Coimbra, V. sempre generoso comentou que se sentia na obrigação de agradecer a quem nessa época enfrentou a polícia e o resto para defender uma vaga ideia de liberdade e democracia.
Ora, mesmo agradecendo essa simpatia, V. –sem querer – põe-me numa posição delicada. É que a malta desse tempo e eu próprio não se julga credora de agradecimento sobretudo vindo de quem, na altura, ou não era nascido ou andaria aí pelo jardim escola. O seu caso, digamos. A menos que, num ímpeto de solidariedade, a pequenada do infantário, de bibe e chupeta entendesse lançar-se como um só homem (ou uma só mulher) sobre a desinfeliz monitora, símbolo da autoridade lá do sítio e a obrigasse a comer as papas todas e a fazer sozinha, e num canto, o cocó das seis da tarde. Eu sei, presumo saber, que um grupo de galfarrinhos do tamanho do seu filho, ou mais pequenos ainda, é pior que uma inteira tribu de sioux em pé de guerra. Mas mesmo tendo em conta as vantagens tácticas do uso indiscriminado duma tropa de palmo e meio julgo que não se devem mobilizar seja para que causa for essas criaturinhas. O dever delas é, para já, brincar, brincar muito, aprender a brincar com os outros meninos. Isso é (era) um dos direitos que reivindicávamos em 69 para os filhos dos que não podiam andar na universidade.
De facto, caríssimo confrade, a malta preocupava-se pouco, naquela altura, com o lugar que viria a ter na história. Moviam-nos outras comoções, mais ingénuas sem dúvida mas seguramente mais nobres. Defendíamos a parca autonomia da Universidade, as poucas liberdades, a custo mantidas, das Associações de Estudantes, o direito a pensar pela própria cabecinha, a vontade cidadã de influir ligeiramente na vida do Estado e da sociedade. É pouco? Claro que é pouco mas, na época, era muito. Demais até na óptica do poder político. Demais mesmo, na óptica de boa parte da população que, por medo, por desinteresse, por ignorância ou por inconfessado interesse em conservar privilégios exorbitantes, não nos olhava com olhos ternos.
Depois havia um segundo e importante factor: a guerra, a guerra longínqua, mas temivelmente próxima, nas colónias. Guerra que era um destino garantido para qualquer um, durante ou no final do curso. Guerra com mais mortos do que os confessados e muito menos do que os propagandeados, evidentemente. Uma guerra estúpida porque de contra-guerrilha (e veja-se agora o Iraque onde, todos os dias morrem civis e, todas as semanas, militares da mais poderosa potência militar mundial), sem fronteiras nem frentes de combate, insidiosa, desgastante, sem perspectivas políticas algumas.
Finalmente, e porque não, sobretudo quando se tem vinte anos e não se quer acreditar que essa é a pior idade possível, um vago desejo de mudar o mundo, de mudar a vida, ou de mudar um pouco o sufoco em que se vivia.
E tudo isto, creia-me, JCP, sem olhar para eventuais prebendas, futuros privilégios, reconhecimento público e tudo o resto. Claro que, hoje em dia, há muito rapaz ou rapariga desse tempo ingénuo e solto, que vive à custa do capital então adquirido, da notoriedade conquistada por um gesto, um discurso, uma prisão. Mas também há outros, e quero acreditar que são uma maioria, que deram o passo decisivo apenas por solidariedade, amizade, desejo de liberdade, de viver, por aventura, porque não?, porque estavam fartos de ver a gandulagem agir impudente e impunemente. Essa é a maior riqueza que amealhámos nesses meses de vinho e rosas, de musica e fraternidade.
Aqui chegados, vejamos: tivesse V. vinte anos em 69 onde é que estaria? Com quem estaria? Como agiria? Que sentiria?
Conhecendo-o o pouco que conheço, meu caro JCP, não tenho qualquer receio de o ver a pintar cartazes, a colá-los, a conspirar em longuíssimas reuniões nocturnas de onde se saía quase a nadar por cima de uma nuvem de fumo (de cigarros, JCP, de cigarros, às vezes até de beatas por já não haver sequer um paivante inteiro para acender) em ruidosas assembleias, em piquetes a fugir da polícia, a negar-se malgrado os protestos familiares a ir a exame numa carrinha da polícia, a apanhar nesse lombo, e desculpe lá, V tem lombo que chegue para um largo par de bastonadas, a fugir por ruas e becos, a refugiar-se numa miraculosa porta aberta por um(a) qualquer cidadã(o) que a solidariedade dos habitantes de Coimbra, os “futricas” não foi palavra vã, bem pelo contrario.
Resumindo e acabando, ao agradecer, v está a agradecer a si mesmo o que é um redobrado e inútil trabalho. Vamos mas é pensar seriamente num jantarinho a preceito com os nossos amigos incursionistas, em sítio decente e já agora com algum leitor que ainda não esteja farto de nos aturar e nos queira ver ao vivo. Vale?
Um abraço deste seu
mcr

na ilustração: 17 de Abril de 1969, 1o horas da manhã: forças militares desfilam perante o Chefe de Estado, Américo Tomás. Atrás encostados ao "hospital velho" numerosos grupos de estudantes com cartazes reivindicativos. Serão eles os protagonistas (ou o protagonista colectivo e único) deste dia. Mas isso será para daqui a uma hora e pouco...

Au Bonheur des Dames 59

d'oliveira, 17.04.07

It's a Beautiful Day!

Já vos estou a ver, leitorinhas gentis mailos prezados cavalheiros que me aturam (continuem, que eu gosto de leitores, eu mesmo sou um leitor inveterado, isto vem-me de pequeno, e dos familiares todos eles leitores esforçados, lá em casa os livros tinham mais utilidade do que equilibrar o pé de uma mesa desfalecente e perni-curta.) a dizerem para os vossos botões: o homem nunca foi certo mas desta ver passou-se.
Passei nada, queridas amigas, passei nada.
É que hoje celebram-se os anos da Tia Néné, outra leitora do catorze, e mais um aniversário do 17 de Abril de 69, em Coimbra, menina e moça. Quase quarenta anos! Arrium porrium catanorum qunque! Trinta e oito anos, já!
Mas vamos ás nossas devoções. O 17 A, que é assim que o conhecem os milhentos intervenientes. Estamos vivos malta (esta é para eles, hoje o telefone tocou umas quantas vezes, e do outro lado era uma voz jovial: Marcelo, um abraço! E eu: outro para ti velho/a compincha. Bem nos divertimos!
Logo pela manhã, fui tomar um café com o Manuel Simas. Hoje, é o 17, pá! - Bem me lembro, retorquiu. E durante uns breves minutos ficámos calados a olhar para ontem, para os amigos e companheiros que já cá não estão, para os nossos vinte anos, a nossa esperança, as nossas batalhas numa primavera inesquecível que se prolongou muito além do que o calendário lhe permitia e o bom senso aconselhava.
É que esta greve de 69 bateu todos os recordes. Primeiro o da adesão. Maciça! E quando digo maciça quero dizer isso mesmo. Os fura greves foram uma pálida minoria, amedrontada, que ia a exame dentro de carrinhas da polícia e nem dentro da sala se livravam dos olhares de desprezo de muito jovem assistente, já não falando nos archeiros e bedéis que os olhavam com aquele ar de quem está com vontade de ir à retrete...
Em segundo lugar, a longa crise de 69 foi a crise das mulheres. Elas inundaram as ruas em piquetes, animosas, desculpem lá aquilo parecia um quadro de Delacroix, a Liberdade guiando o povo. Que coragem! Que determinação. Com que segurança as raparigas de Coimbra entraram na greve, como que dizendo Este é nosso lugar! A polícia cevou-se nelas prendendo um bom magote. Eu estava lá e vi! E ainda vejo! Saravah Isabel Pinto, Joana, Fernanda da Bernarda, Teresa Feijó, Guida Lucas, Maria João Delgado!
Em terceiro lugar, espanto dos espantos, a greve de 69 foi vitoriosa. Caiu um reitor, caiu um ministro (esse Saraiva que agora fala tão democrata da nossa história numa especial e redutora versão dele mesmo). Uma vez ate nos pagou um café, à Isabel, ao Redondo Lopes –esse mesmo presidente da “tranquilidade” e a mim. Não serviu de nada porque nós de papo cheio continuámos a azucrinar-lhe a cabeça...
E além dessas quedas, outro milagre, os estudantes que tinham sido compulsivamente enviados para Mafra, regressaram a Coimbra para continuar os estudos. E a Universidade deu-nos mais uma época especial de exames. E o novo reitor, da confiança dos estudantes, Professor Doutor Gouveia Monteiro, foi a uma Assembleia Magna, solicitar o nosso apoio.
Só quem conheceu Coimbra é que consegue perceber o que isto teve de revolucionário.
A “insurreição estudantil” que grassava na Europa, nos Estados Unidos e no México, chegou a Coimbra com alguns meses de atraso mas isso só nos atiçou mais a vontade de, ao entrar nessa luta geral e generalizada, o fazer pela porta grande, escancarada.
Volta e meia encontro amigos, companheiros e colegas desse tempo e no primeiro momento, o dos abraços, do examinar as respectivas barrigas, os cabelos brancos, as rugas, há sempre um brilhosinho no olhar, uma senha e contra-senha, vinda desses dias longínquos de luta, de entusiasmo, de abnegação e camaradagem.
Eu estou a escrever isto com muito mais coração que cabeça, mas que querem, o 17 de Abril é o nosso “Crispin’s day” (Shakespeare, Henrique V), um momento grave e mágico na nossa formação de cidadãos. E como no discurso de Henrique, poderemos, agora que tantos anos passaram, contar a filhos e netos (eu aos sobrinhos e à enteada...) como nesse dia honrámos uma academia, uma universidade e uma cidade que nos acompanhou festiva e solidariamente.


* O título é inspirado numa banda dos anos sessenta em S Francisco "It's a bautiful day" (David Laflamme, Linda Laflamme, Patty Santos, Hal Wagonet, Mitchell holan e ValFuentes) cujo primeiro LP tem este título que é tambem o nome do grupo.
ilustração: "A liberdade guiando o povo", Eugene Delacroix

voltando

d'oliveira, 17.04.07
Acabei de ver uma boa parte de um programa sobre o valor das universidades privadas. Afinal são todas boas, excelentes, óptimas... O Estado é que não dá aos alunos delas o que dá aos das públicas... Logo vi que a culpa era do Estado.
O camera-man da sessão merece porém um aplauso: é que, de vez em quando, filmava os senhores reitores & assimilados de algumas universidades privadas. E apanhou-os bem.
Quem tenha visto o famoso "Ivan o Terrível" de Eisenstein recordará que logo no início durante os preparativos para a coroação o jovem Ivan está rodeado de boiardos que não querem um czar forte mas um mero joguete nas suas (deles) mãos. Há um longo travelling sobre esses boiardos que revela exorbitantemente o que eles no íntimo querem.
Foi isso o que vi quando a camara apanhou alguns desses "magnificos reitores". Não tão majestosos quanto os boiardos mas o mesmo olhar, a mesma cara fechada.
O segundo ponto (isto vai telegráfico porque é tarde) foi a espantosa actuação do ex-ministro Durão agora reitor de uma privada. Com defensores daqueles a causa das privadas não precisa de inimigos.
Terceiro ponto: não sou um fã do ex-reitor da universidade do Porto, Alberto Amaral. Tenho porém que reconhecer que ele conseguiu desfazer o que parecia ser um acordo total: somos todos bons, todos bonitos, todos pelo bem comum. A.A. disse alto e bom som que não poria um filho numa universidade privada. Jesus, Maria, José, o que ele foi dizer...
O quarto ponto é o seguinte: alguns dos senhores dirigentes das universidades privadas tiveram o desplante de chamar à colação as grandes universidades americanas (MIT, Harvard, Yale etc...) Parece que ninguém lhes disse que a tradição anglo-saxónica foi sempre a de criar universidades desse tipo. E que essas universidades gastam em laboratórios somas que nem mesmo o maior ganancioso português é capaz de imaginar.
Finalmente, já que falaram em universidades privadas versus públicas seria bom que soubessem que na lista das 500 melhores universidades do mundo Portugal tem três: Coimbra, Nova de Lisboa e Católica. Nesta exacta ordem. E já agora: Coimbra está no lugar duzentos e cinquenta ou algo semelhante, a Nova vai atrás cerca de 30 pontos e a Católica está bem no meio da terceira centena.
A listagem é obviamente feita por um instituto americano e apresenta nos primeiros lugares Harvard, Yale, Cambridge, Oxford como seria previsível.

Adeus Princesa

José Carlos Pereira, 17.04.07
A preclara Professora Doutora Clara Pinto Correia, sempre com opinião pronta na ponta da língua, integra o júri do concurso A Bela e o Mestre, uma alarvidade que passa na TVI, ao pior estilo reallity show. Diz a senhora, em entrevista ao JN, que apenas aceitou integrar o júri para conhecer melhor aquela gente do submundo, com um vocabulário reduzidíssimo, enfim, um Portugal que ignorava.

A senhora, que também circulou por equipas reitorais, como agora se diz, dessas misteriosas universidades privadas, e é especialista afamada em copy/paste, procura justificar com motivos “elevados” a sua presença no programa. Não seria mais honesto dizer que a TVI paga bem, tem muita audiência, chega a públicos muitos populares e tudo isto faz jeito para quem gosta de escrever a metro, seja livros ou crónicas? Pois é, a vida custa a todos e não havia necessidade…