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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Farmácia de Serviço 40

d'oliveira, 30.11.07

Ai os livros... (mais do mesmo!)

Eu tinha jurado a mim próprio que este ano ia ser de vacas magras. Pouca compra que o que por cá o que mais há é livros em lista de espera.
Mas o vício espreita a cada canto e as oportunidades saltam-nos ao caminho descaradamente.
Desta feita foi uma coisa que provavelmente vos despertará alguma reminiscência: A “Residência de Estudiantes” essa extraordinária instituição madrilena onde nos anos trinta se encontraram Lorca, Dali, Buñuel, Cernuda, Altolaguirre e Bergamín. Para não falar noutros frequentadores, Alberti à cabeça.
Agora a “Residência” é uma fundação muito embora ainda hospede por curtos espaços de tempo escritores e artistas. E é também uma editora! E que editora! Tenho aqui, acabadinhos de chegar, fresquíssimos portanto, cinco títulos de encher o olho e esvaziar a algibeira: “Luís Buñuel, el ojo de la libertad”, “Alberti, sobre los angeles”, “Ruedo Ibérico, un desafio intelectual”, “Luís Cernuda, álbum” e “Pablo Neruda, álbum”. Estes dois últimos são foto-biografias, muito ilustradas, capa dura, uma delicia. O Alberti é um catálogo lindísimo (como o Buñuel...) mas traz incluído o famoso livro que lhe dá título em fac-simile. Finalmente o catálogo do Ruedo ( e deve haver por aí alguém que lhe tenha frequentado a livraria em Paris, na R. de Latran) resume uma aventura a que nós portugueses deveríamos também estar gratos pois aquela casa e aquela editora também dedicaram alguma atenção às nossas desgraças. A Residência tem um belo site (www.residencia.csic.es) mas quem quiser encomendar fará melhor em telefonar. As pessoas de lá são atenciosas, entusiastas e percebem portunhol.
Sempre de Espanha, três novidades dignas de atenção: “sagas islandesas de los tiempos antiguos” (recolha de quatro sagas que à vista desarmada, não constavam de nenhuma recolha que eu conhecesse (e juro que conheço uma boa dúzia...). A responsabilidade da tradução é de Santiago Ibañez Lluch e a editora é a Miraguano. Sai a 15€. Um pouco mais caro deverá ser o último Reverte: “Un dia de cólera” (Alfaguara): o dois de Maio revisitado por um prosador ágil e competente. Finalmente é de chamar a atenção para o prodigioso Javier Marias de que se publicou há dias “Veneno y sombra y adios” terceira e ultima parte de “Tu rostro mañana”.
Passados os Pirinéus, suponho que já aqui referi uma revista chamada Telerama, muito orientada para as notícias do mundo dos espectáculos nomeadamente a televisão. Saindo dessa trivialidade a Telerama apresenta um copioso número de “hors-serie” de altíssima qualidade. Dei por eles graças a um admirável “René Char” e descobri depois que, de Brassens a Chagall, de Tati a Cézanne, de Verne aos Renoir pai e filho, há ainda disponíveis mais sessenta títulos. (www.telerama.fr) Com sorte e choradinho eles fazem 6€ por exemplar.
Na farmácia anterior referia a editora musical “brilliant classics”, um fenómeno de preços baixos e alta qualidade. Então não é que eles publicaram mais um caixote com as integrais sinfónicas de 12 conspícuos cavalheiros (Mozart, Beethoven, Haydn, Schubert, Mendelsohn, Schumann, Brahms, Mahler, Nielsen, Chostakovitch, Borodine, Dvorak e Muzio Clementi (1732-1832, de que nunca ouvi falar! )) São cem discos por 85€... Esperemos que a Fnac de cá se lembre de mandar vir. Senão já sabem: abeillemusique.com.

Farmácia de Serviço 39

d'oliveira, 29.11.07
Consumismo natalício

O Natal ronda-nos a porta e boa parte das pessoas esfrega as meninges à procura de uma ideia para sair da monotonia dos presentes sempre iguais. E, já agora, presentes não muito caros que o forno, como dizem os vizinhos do lado, não está para bolos.
Esta botica não tem grande variedade de artigos. Isto é artesanal pelo que não procurem demasiadas coisas. Para isso há os chineses, a FNAC e outras catedrais do consumo. De todo o modo não creiam que arrenego da FNAC. Era o que faltava. Volta e meia há lá belas surpresas e será por aí que começaremos.
A livralhada na FNAC é o trivial. Aquela malta arrisca pouco e não está para aturar as pequenas edições, mormente de poesia. Mas na música a coisa fia mais fino. Com sorte poder-se-ão encontrar alguns mimos e dentre eles, sempre se recomendarão algumas antologias da Callas, a inimitável. Há para todos os preços desde um duplo chamado “una voca poca fa” (Black Box BB229) até a edições completas ou quase.
Anda também por lá uma colecção “Quadromania” que, por parcos maravedis, oferece duas óperas diferentes em versão integral. Alguém me disse que ouviu o volume que traz “A sonâmbula” de Bellini e a “Lucia de Lammermoor” de Donizetti e que ficou muito agradado. Eu segui-lhe o conselho e já aprontei um presente com estes dois conjuntos.
Por menos de 50€ anda pelas mesmas paragens o caixote dos “50 ANOS da Harmonia Mundi”: soberbo!
Para voos um pouco mais altos mas ainda acessíveis (?) aí está em todo o seu esplendor a caixa com a “Integral” de Beethoven, uma produção da Brilliant Classics.
Finalizemos com a colecção “Les trésors du Jazz” (Le Chant du Monde”). O 1º “coffret” é de grande qualidade, garanto-o porque o ouvi. Aliás, tenho por hábito só recomendar o que conheço.
Abandonemos a FNAC e passemos à importação: quem resolver explorar a abeillemusique.com encontrará excelentes surpresas sobretudo nas edições “Opera Rara”. A “Opera Rara” é como o porco: aproveita-se tudo: saiu agora na colecção “Il salotto” o volume 11º : La Serenatta. Pela parte que me toca já o mandei vir.
Ando há muitos anos atrás de “kwelas”, essa música suburbana da África do Sul. Recomendo três autores de grande gabarito: Spokes Mashiyane, Hugh Masekela e Donald Kachamba. Do primeiro há um título glorioso: “King Kwela”. No mercado de 2ª mão anda pelos 90€ (!!!). Quem quiser uma introdução a esta música vigorosa procure “A long way to freedom”. Está na Amazon.fr
E agora a livralhada. Para além do imperdível “Ir para o Maneta”, um exercício de inteligência, só uma dica: “Kalevala”. Eu sei que isto parece difícil. Não é. Leiam duas páginas ao calhas e depois digam-me o que pensam. Para quem não sabe, o “Kalevala” é uma espécie de rapsódia, ou um poema constituído por centos de poemas de raiz popular. Ah, esquecia-me, é finlandês. Mas em tradução portuguesa: um doido chamado Orlando Moreira leu aquilo, espantou-se, e vai daí traduziu a coisa a partir de várias traduções em línguas menos estranhas. Eu não sei finlandês, nem o vou aprender, era o que faltava nesta idade mas há muitos anos, quase 30, caiu-me na unha uma edição deste longo poema. Em francês na edição absolutamente louvável de Jean-Louis Perret (Stock Plus, Paris 1978). E fui lendo devagar devagarinho. Acabei a leitura oito anos depois, em Murnau, entre bávaros bebedores de cerveja e malta estudante do Goethe-Institut. Conheci aí uma finlandesa (honny soit...) que primeiro espantada e depois interessada me forneceu um par de explicações sobre o autor, Elias Lönnrot. Este cavalheiro percorreu a Finlândia de lés a lés recolhendo centenas ou milhares de canções populares que depois com espírito de cerzideira uniu. O resultado é prodigioso. A editora chama-se Ministério dos Livros e começa bem, muito bem. Com estrondo. Leitores e Amigos: folheiem o livro, leiam uma ou duas páginas e façam um favor a vocês mesmos: comprem aquilo que não se arrependerão. É para ler devagar, ao sabor do acaso, com a idade esta poção só melhora. A edição é bonita, o livro vem encadernado, a letra é gorda e na tradução sente-se muito amor pela literatura. Mesmo quando (e acontece) se discorda de um ou outro termo...

Au Bonheur des Dames 101

d'oliveira, 28.11.07

100!!!

Pois é leitorinhas gentis. A série “Au Bonheur des Dames” atingiu, entre trancos e solavancos, o bonito número 100. Ora toma lá que já bebeste! Então eu já vos incomodei cem vezes? Cem vezes é um modo de dizer que andam por aí outras escrituras que mesmo descontando alguma fantasia no seu cômputo (e só Deus, a Madame Kami e o leitor Manuel Sousa Pereira é que lhe conhecem todos os desvios, desatinos e confusões) já devem perfazer um numero bem redondo.
Não sei bem como tudo isto começou. Ou melhor, esgaravatando a memória exausta fico com a ideia de que tudo se deve a um desafio do caríssimo Lemos Costa, patriarca in partibus deste blog, neste momento em parte incerta, e do Manuel Simas Santos que, fosse eu Pinóquio ele seria o grilo da consciência. O raio do homem só me arranja sarilhos. A ideia dele é que eu sou preguiçoso (alguma razão terá) e que por isso devo fazer muita ginástica sueca, ler livros de Direito (chiça!) e vender a minha força de trabalho (tal e qual, o homem tem as suas leituras sinistras) a quem for suficientemente ingénuo para me contratar.
Eu, claro, faço-me de parvo (e se alguém daí disser que não me será difícil, que se acautele...) e deixo correr o marfim, tentando ver se ele se esquece. Mas não. Aquilo é um elefante teimoso e, só para me livrar dele, vezes há em que acabo por fazer o que me pede. E foi assim que comecei a colaborar nesta barca. De todo o modo, fintei-o: quando aqui cheguei imperava (mas não exclusivamente) a colaboração de carácter jurídico. Ora eu, para esse peditório, já tinha dado mais do que suficiente. Ainda por cima estava desde há muito desligado dos mundos jurídicos de modo que por muito que espremesse a moleirinha nunca sairia nada de interessante. Quem não tem cão caça com furão, e eu à falta de matéria substanciosa dediquei-me às croniquetas.
Para dar alguma unidade a tais escritos, lembrei-me de um nome que, por mais voltas que desse ao miolo, não recordava a origem. Alguma vez nos longínquos anos 60/70 vira um cartaz ou algo no género com este título “Au Bonheur des Dames”. Onde e quando é que era mais complicado. Todavia, por várias vezes ao subir o Chiado tentei ver se seria dali que me vinha essa memória precária. Nada! No Chiado, que eu percorrera vezes sem conta com uma alegre comandita onde se destacavam os irmãos Salomé (Vitorino, Janita, Manel) o Cabeça de Vaca (já lá descança) o Hipólito Clemente (idem, aspas, aspas) o Fernando Assis Pacheco e sei lá mais quantos, não sobrava nenhuma placa com esse nome tão franciú e tão de outra época.
Tenho felizmente um par de leitores amigos e entre eles, o escultor Manuel Sousa Pereira, ocasional peripatético lisboeta, fotógrafo de longe em longe e marceneiro de estimação cá de casa (neste momento anda a fazer-me uma pequena estante e seria bom que quando lesse isto já a tivesse pronta...). Mais abrangente do que eu na pesquisa, deu-lhe para subir a Rua do Carmo sempre a olhar para o alto dos prédios com risco da própria vida pois consta que chocou com o carro dos fados, ali a meio da citada rua. Atropelou-o, valha a verdade, mas a carripana magnânima não se queixou. Ora ao passar por uma coisa em forma de assim (ou melhor: uma coisa assim de informe) com um nome ridículo e pouco condizente com o minimalismo do que dentro ostenta, reparou no antigo nome do estabelecimento, uivou um eureka que se ouviu na Brasileira e, zás!, tirou uma fotografia, esta, que ora ilustra a crónica.
Leitoras que aqui chegaram: digam-me lá se o antigo nome da loja (e eventualmente a antiga loja...) não tem muito mais graça do que aquele anódino “empório”?
Por mim até agradeço: ninguém me vem disputar o uso do título destas crónicas que adquiri, não direi por usucapião mas por estar simplesmente ao abandono. Já o Dr Marcello Caetano, quando se viu cercado ali perto, chamou o general Spínola para “o poder não cair na rua” (onde aliás estava e se manteve um bom ano e meio). Eu também Marcelo, mas só com um “l”, fiz o mesmo que o general. Apanhei do chão como salvados de um incêndio as quatro palavrinhas francesas “au bonheur des dames” limpei-lhes o sarro, a fuligem e as manchas do tempo e das chuvas ácidas, e aqui lhes vou dando uso. Se com muito, pouco ou nenhum êxito não sei. Espero todavia que, uma que outra vez, alguma leitora me premeie com um sorriso. O cronista contenta-se com esse pouco que para ele é muito.

Aviso avulso (mais um)

d'oliveira, 27.11.07
As boas causas exigem meios adequados e, já agora, educados. Não sei bem porquê mas, volta e meia, nos meus "posts" aparecem coisas extraordinárias a título de comentário. Não, não se trata de insultos, chammadas de atenção, recriminações... Nada disso. Trata-se, tão só, de manifestos, comunicados diversos que nada têm a ver com o que disse ou escrevi mas com interesses de quem aproveita esta porta aberta e franca para publicitar o que lhe interessa.
Desta feita é uma senhora que pretende apresentar uma petição na assembleia da república sobre o dever do Estado proteger as crianças vítimas de abusos sexuais.
Para cúmulo assina com pseudónimo! Ou seja: eu aqui a dar a cara e esta senhora que não conheço de lado nenhum entra pelo meu texto como quem entra no moínho da Joana e autonomeia-se "curiosa".
Eu mesmo sobrescreveria a petição se percebesse exactamente o que se pretende o que não é o caso. Tal como vem parece algo sem definição, a menos que por isso se aceite apenas o tom geral e generoso. O que é pouco, muito pouco. Se queremos amarrar o Estado e/ou o Parlamento a uma obrigação o melhor é defini-la logo, indicar o seu alcance, todos os seus fins e todos os seus sujeitos.
Isto no caso vertente. Mas já fui alvo, ou involuntária boleia, de publicidades mais directas: vá ler o blog X ou Y. Leiam o artigo Z ou W.
Ora bem: eu não me importo nada de conversar com quem aqui vem e parece-me que já dei sobradas provas disso. Sou sensível a apelos desde que os perceba. Não seria melhor, mais útil, eficaz, mandarem-me um mail para mim ou para o blog (como aliás é possível e já aconteceu inúmeras vezes)? E aí exporem o que pretendem, pedindo, se for caso disso, publicação aqui. Eu até tenho uma secção chamada "voz alheia" perfeitamente adequada para tais solicitações.
Claro que isto não significa nem pode significar que se publique tudo o que cá chega: há um limite e esse é, obviamente, o meu acordo específico e a consciência de que os meus companheiros de viagem também não estarão contra. Mas dentro destes larguíssimos limites cabe muita coisa, mais de certeza do que o que chegar.
Agora, aproveitar a franqueza de um comentário, sobre o qual não há qualquer controlo da minha parte (ao contrário de quase todos os blogs que conheço e para onde envio de quando em quando uma contribuição sob a forma de comentário) para vender a mercadoria parece-me uma falta de educação (desculpem mas não há outro termo) e um abuso. Mesmo que os motivos sejam os melhores e os mais evangélicos.
Continuarei a não entravar o direito ao comentário do que aqui publico. Não me apetece fazer censura prévia que bastante sofri com ela no tempo da outra senhora. Mas provavelmente e se as coisas continuarem assim terei que aprender a apagar textos intrusivos e absolutamente estranhos à mercadoria que aqui vou expondo. O que além do mais me vai dar trabalho. Poupem-me, criaturas de Deus!

Au Bonheur des Dames 100

d'oliveira, 27.11.07

De pequenino se torce o pepino
ou o revolucionário no jardim-escola


Convenhamos: escreve-se por aí muita asneira pelo que convém ler com um pé atrás ou mesmo com os dois se é que tal posição permite ler seja o que for. Todavia esta confirmei-a: a etérea criaturinha que chefia a juventude do CDS entendeu, sabe-se lá por que razões, arremeter contra um par de figurões da esquerda e com a notória falta de imaginação que anima a hoste nacionalista acusou as vítimas da sua diatribe de terem andado no rebuliço revolucionário de 75. Parece que, para o ousado dirigente daquele partido em vias de extinção, a prescrição é letra morta. Ou então não tem assunto mais moderno e vai daí recorre aos tempos da Maria Caxuxa para fazer a cama aos adversários. Dentre os acusados dos tumultos de 75 teve o cuidado de citar Bernardino Soares, actual deputado do PCP.
Não sei qual foi a reacção de Bernardino mas o “Público” relembra perfidamente que este teria quatro anos nessa recuada época em que terá andado a pregar a sedição e a ameaçar os pais fundadores do CDS (que pelos vistos ou já lá não estão ou emudeceram de vez para não terem que se pronunciar sobre os dislates que por lá se ouvirão) e os cidadãos comuns do país, este.
Convenhamos que para um “revolucionário profissional” (se é que no PC ainda se usa esta velha e leninista terminologia...) é uma honra ter “debutado” com a tenra idade de quatro anos. Imagino o jovem Bernardino no infantário a ameaçar a reacção (as educadoras, presumo) a reclamar um bibe vermelho e a recusar-se a cantar o “Ah, ah, ah minha machadinha/ quem te pôs no meio/sabendo que és minha...” etc. Quero a gaivota que voava voava vociferava o infante do bibe vermelho. Não sabem?, então quero o “Grândola...” seus reaccionários! E para já não vou comer a sopa de legumes. Eu sou um proletário e só como açorda!
O quadro é enternecedor mas desculparão se me mostro reticente. Eu já dei para muitos peditórios mas este parece-me forçado. Aceito que Outubro tenha sido uma revolução apesar do mês ser Novembro e do Palácio de Inverno não ter três guardas à porta. Aceito que o Komintern tenha tido sempre razão quer quando advogava o Klasse gegen Klasse como quando propunha frentes populares. Aceito que o Dr Álvaro Cunhal é um misto de Marx e Engels com um pó de Lenin mas para melhor. Mas contemplar a silhueta opaca de Bernardino Soares e ver nele um líder de massas aos quatro anos parece-me demais. O senhor Pedro Moutinho que me desculpe.
E já agora? Que é que Moutinho fazia nesses anos terríveis, fora o facto de ver “claramente visto” Soares em permanente arruaça?
Eu, confesso, nunca tive particular estima, sequer consideração pelo CDS. Mesmo quando ele contava nas suas fileiras com Amaro da Costa ou Lucas Pires pessoas que me parecem estar a milhas do actual staff dirigente desse mini-partido que só a farronca do dr Portas tenta fazer parecer grande. Baldado esforço: enquanto espadeira o bloco central, vem por trás Moutinho e pimba: arreia a giga com a conspiratória tese de Soares (Bernardino) disfarçado de SUV a ameaçar o Estado, a Igreja e a Sociedade em geral. A menos que Moutinho confunda este Soares (Bernardino) com Soares (Mário), o chavista. Só que também este em 75 andava de humores menos vermelhuscos numa roda viva a incendiar as fontes luminosas do país para barrar o caminho à populaça gonçalvista. Vistas assim as coisas não me parece que fosse Soares (Mário) o alvo de Moutinho.
Em desespero de causa lembrei-me de Bernardo Soares o nefando autor do “Livro do Desassossego” que alguém injustamente atribuiu a Fernando Pessoa. Oh lá lá terá dito no mais puro francês de Le Pen o nosso Moutinho. Livro do Desassossego? Que é isso? Um manual de malfeitorias, de atentados à independência nacional, à religião dos nossos maiores, à segurança do comércio jurídico, aos bens dos privados...
Um gajo desses não é de confiar. Querem ver que tem um heterónimo chamado Bernardino? Ai o grande sacana...

na gravura Bernardo ou Bernardino a plantar uma bandeira nas ruínas do infantário. O Moutinho está lá em baixo disfarçado de carro mesmo debaixo da bandeira.

Estes dias que passam 85

d'oliveira, 25.11.07

Momentos...

Estou diante da televisão a ver um “in memoriam de Maurice Bejart” (mezzo): uma biografia filmada de alguém que, em matéria de dança, marcou a segunda metade do século XX. Houve outros, evidentemente. Felizmente. Americanos sobretudo, justiça seja feita. Enquanto vejo o documentário, admirável, aliás, recordo uma burrice escrita num jornal “de referência”: para a luminária repentina que dizia algo sobre dança, Bejart era ultimamente kitsch. Lamento não vos poder dar o nome deste abencerragem mas a coisa era tão extravagante e tão fora do contexto que li, inspirei fundo, disse “burro” (coisa que ofende a nobre raça dos asnos a quem peço desculpa), e passei adiante. O jornal está no lixo á espera de ser reciclado. O autor (ou a autora, não recordo o sexo) não deve ter reciclagem possível. E ainda bem.

2 hoje de manhã, fria manhã, quem é que ainda se lembra de “Orfeu negro”, deixa para lá mcr, não peças aos jovens memórias impossíveis, um grupo discutia o texto de VPV sobre o livro de MST. A discussão nem o era, de facto. Aquela meia dúzia de pessoas, dois médicos, duas professoras secundárias, uma engenheira e um historiador e universitário, estava de acordo: o tiro de misericórdia de VPV afundara o presunçoso batel de MST. Admirei-me: regra geral as pessoas acham Tavares um génio. E um escritor, o que é ainda pior. Tentei ler o seu primeiro e indigesto romance. Desisti rapidamente. Não tenho tempo para mediocridades mesmo com fundo tropical. Sobretudo com fundo tropical. A minha família materna teve bastante a ver com S Tomé, ouvi muitas histórias pelo que a toada de Tavares me soube a pouco e mal. Depois o livro estava mal escrito, enfim era pesado, revelava cruelmente as fraquezas do estilo e da história. Troquei-o por uma releitura breve do Francisco José Tenreiro. Esse sabia do que falava. e falava bem.

3 Não li, nem sequer tenho intenção, o novo livro de Tavares. À uma não me interessava e depois da necrologia que VPV preparou sobre ele ainda menos. Também não faço falta. O livro vai ter uma venda superlativa. E ao fim e ao cabo isso é que conta. Se vai ser lido ou não é uma questão menor. Autores bem melhores, merecedores de uma leitura, mesmo distraída, são comprados por uma turba ignorante e endinheirada que rapidamente os mete numa estante ou numa mesa ao lado dos laliques. Encadernados se possível.

4 estão na moda os romances “históricos”. Históricos é um modo de dizer. Romances com uma borradela de “história” as mais das vezes sem “h”. Uma pá de cal três de areia. Uma vagas tolices, uns pozinhos de mistério, uma elucubração difícil e histérica, e zás!, salta romance. Figuras sem peso, sem substância, sem aventura, recurso ao mistério, ao irracional, é todo um “ar do tempo” tristonho e pobre que se respira. No meio disto, de vez em quando uma pepita: Fernando Campos, por exemplo: um honrado trabalhador da palavra, autor digno, bem informado, escrita escorreita. Vende pouco, ou pelo menos não vende muito. Mas vende mercadoria legível e honrada. À volta dele a mediocridade vistosa e gritante e vazia dos bestselerizados. Arre!

5 Parece que a Senhora Ministra da Cultura chamou provincianos aos que não apreciaram a exposição do Hermitage. A Senhora Ministra não deve saber o significado de provinciano. Também não sabe de Arte mas isso é outro contar. O Hermitage tem excelentes colecções. O que não é o caso do que veio a Lisboa. Aquilo é medíocre, dejá vu, e caro. Se querem exposição digna de ser vista e revista acudam a Serralves para ver o Rauschenberg. De caminho tragam a Senhora Ministra. E expliquem-lhe a diferença entre uma grande exposição e aquela coisa do Hermitage. Talvez ela perceba. E talvez perceba que quando o dinheiro é pouco é preferível gastá-lo bem. Que diabo sempre são os nossos impostos!...

na gravura: Júlio Pomar. À cautela sempre se informa a Srª Ministra que JP está vivo, continua a pintar, é um grande pintor, português mesmo, veja bem, e vale duas exposições hermitagescas inteiras. E provavelmente é provinciano.

Diário Político 68

mcr, 24.11.07

O Dr Meneses, nova estrela d’alva do sempre renascente PSD (renascente e surpreendente, diga-se já) desistiu de reduzir o número de deputados para em troca conseguir um acordo com o PS quanto a mais alguns pormenores das futuras leis eleitorais.
É provável que na cabecinha pensadora do Dr Meneses este golpe de rins tenha parecido um exercício deslumbrante de inteligência política. E também não será descabido supor que o líder do PSD ache que o povo se renderá incondicionalmente a este robusto raciocínio político.
Eu não tenho nada a ver com o PSD e muito pouco com o actual PS. Digamos que votei neste último por mero descargo de consciência e porque o iluminado Dr Santana ameaçava reduzir o pais a uma espécie pouco interessante de capoeira de galinhas pedrês. Um sobressalto patriótico venceu o nulo entusiasmo que o presumível engenheiro Sócrates me despertava. Entre dois males, o menor.
Dito isto, que podem tomar como declaração de interesses, convém esclarecer que o golpe de rins do Dr Meneses me parece excessivo e totalmente ineficaz. À uma desiste da redução da deputadagem coisa que no país ilustrado (e também no outro, aliás) despertava alguma simpatia. A ideia geral é que cortando a eito naquele areópago cacafónico talvez se conseguisse, por eliminação dos mais incapazes, uma pequena melhoria do pessoal político. Isto se, com um número menor de eleitos, os partidos abdicassem daquelas múmias paralíticas que mais não fazem durante os quatro anos de mandato do que levantar e sentar as partes pudendas. O que não está provado. A meia dúzia de palradores de serviço prefere ter uns yes-men e umas yes-women nas filas de trás do que alguém capaz de pensar pela própria cabecinha. Mas enfim, sempre era uma tentativa. E ficava mais barato aos cofres públicos.
Abandonando isto, o Dr Meneses rende-se mesmo antes de começar a refrega. Por mim tudo bem, não tenho nada a perder com uma nova e cada vez mais previsível derrota do PSD nas próximas legislativas.
Mas há por trás deste anúncio uma suspeita. Será que o Dr Meneses não foi obrigado pela clientela deputante a largar este osso? Ou seja, uma redução dos lugarzinhos em S Bento prejudica todos e sobretudo os dois partidos rotativos que, qual Dupont e Dupond, se tem sucedido na (des)governação da pátria mal amada. Funil mais estreito, menos oportunidades. Aliás, numa ocasião, tive oportunidade de ouvir em confidência duas sumidades políticas de médio alcance. Ambas consideravam horrível esta ideia de cortar nos lugares à mesa do orçamento. Mas o parlamento nem sequer paga assim tanto, argumentava eu. Mas paga, responderam-me. E a tempo e horas e não só não é grande canseira mas ainda abre hipóteses para umas assessorias camarárias, uns lugarzitos mimosos em empresas mais ou menos públicas, enfim, a coisa dá. Dá prestígio (!!!), dá cacau, dá reforma boa e rápida e dá entrada noutros negócios. Fiquei assim ciente desta nova corrente ideológica a que por simpatia chamarei nacional-dadivosismo, prevenindo desde já que quem a usar sem licença pagará direitos.
Objectar-me-ão que na Assembleia se usam indiscriminadamente duas expressões: surrealismo e tremendismo sem que os seus usuários sejam chamados à pedra. Sempre respondo que no primeiro caso faz parte da prática surrealista deixar qualquer energúmeno usar o termo surrealismo sobretudo fora de tom. E no segundo, informo que embora Camilo José Cela tenha usado o tremendismo com outra conotação, nada pode fazer porque está morto e enterrado. Como o tremendismo, aliás. Mas isso são outras contas.
Sobra-nos então esta novidade política que deve fazer rir a bandeiras despregadas os deputados receosos e a direcção do PS. Convenhamos que uma oposição assim permite tudo ao actual Primeiro Ministro. A menos que com tanta cedência ele acabe por ganhar demasiada confiança nas suas possibilidades e se estatele um dia destes. A ser assim, o Dr Meneses ainda conseguirá ficar na história. Como aquela poltrona do finado Dr Salazar.

d'Oliveira fecit

missanga a pataco 35

d'oliveira, 24.11.07
Notícia do comboio descendente

No Expresso vem uma entrevista com um cavalheiro dos comboios, ou melhor, de uma coisa chamada alta velocidade (AV propõe-se lá). A entrevista não é carne nem peixe mas de todo o modo permite perceber que, pelo menos cá dentro, a dita AV é uma patetice gorda e uma despesa dispensável mesmo se boa parte dos fundos vierem, como me pareceu, da “ Europa”. Isto de inventar obras para gastar o cacau que não ganhámos e muito menos merecemos é uma velha pecha lusitana que tem servido para que gente absolutamente duvidosa encha o bolso sem transpirar demasiadamente.
Respigo dessa entrevista uma pequena pérola: a AV em relação ao que já há dará no percurso Porto Lisboa um ganho de 15 minutos. Ou seja o suficiente para um intervalo numa reunião para um café e uma mijinha. Por isto, vamos pagar um pancadão de milhões. Sim porque por muito que chegue de fora há algum a ser pedido cá dentro.
Num país civilizado os propositores da tal AV seriam despedidos com justa causa. Se a civilização fosse um pouco superior ainda apanhariam um pontapé no dito cujo para saírem mais depressa. Cá o tal projecto parece imparável. E mais ainda por via de Vigo. Vigo vai ser uma nova Fátima para a glória do indústria e do comércio nacionais. Com Vigo cinco minutos mais perto do Porto vai ser um vê se te avias de êxitos financeiros. O país com Vigo ao fundo do túnel é já outro.
O pior é se o túnel se confunde com um buraco e a luz com um pirilampo lascivo à procura de fêmea.

Estes dias que passam, 84

d'oliveira, 23.11.07


um grande senhor do Direito,
um cidadão
e um homem culto

Este é o retrato de Figueiredo Dias, perdão, Professor Doutor Jorge Figueiredo Dias, um dos professores que foi obrigado a aturar-me e, milagre das rosas nova versão, me deu uma boa nota.
Jorge Figueiredo Dias distinguiu-se mesmo antes de ser catedrático como um daqueles mestres de Direito que não se limitava às frias paredes dos “Gerais” mas que intervinha onde quer que uma voz clara e corajosa fosse necessária. E sabe Deus, sabemos nós todos, os desses anos de chumbo, quanto ela foi precisa. E como ele nunca a regateou. É evidente que não foi o único professor daquela antiquíssima faculdade, entrincheirada na parte mais antiga e venerável do velho Paço das Escolas, que soube estar com o seu tempo, com a cultura, com a liberdade. E com os anseios dos seus alunos... Todavia hoje não venho falar desse pequeno mas admirável grupo de professores mas apenas deste homem, franzino, vivíssimo, entusiástico que fazia as aulas parecerem relativamente curtas e os exames uma honrada troca de argumentos. Não se pense que facilitava, nada disso. Naqueles anos sessenta e naquela escola, a simples ideia de facilitar fosse o que fosse era inconcebível para professores e estudantes. Simplesmente, Figueiredo Dias perguntava o que tinha ensinado, não armava ratoeiras, não tratava o candidato com sobranceria mas antes, até, com uma cortesia invulgar e tentava, sobretudo, procurar perceber o que o aluno sabia. Via-se que tinha perfeita consciência do facto de, dada a fama da faculdade, até os bons alunos irem para uma oral nervosos.
E depois era encontrado em cafés, em espectáculos de teatro, no cineclube, numa tertúlia bem humorada. E isso, nesse tempo de negrume e ainda visitado pelos fantasmas dos velhos lentes que se isolavam nas suas torres de cristal, era uma novidade, ou ainda era uma novidade.
(Não) deu agora a sua última aula. Aula a que por ignorância absoluta faltei. Coisa de que me penalizo: eu, que fiz o possível e o impossível por me escapulir dessa provação de assistir a aulas, lamento agora ter falhado esta. Pronto, vai ter de ser daqui que mando um abraço, desses antigos, de partir costelas, para lhe dizer que quase quarenta anos passados o recordo com admiração e amizade. E que sinto uma grande honra em ter sido seu aluno. Nas poucas vezes em que nos cruzámos já tive oportunidade de lho dizer mas coisas destas podem, julgo eu, repetir-se constantemente.
Doutor* Figueiredo Dias foi uma honra tê-lo tido como professor!
Um abraço
Marcelo Correia Ribeiro

* no meu tempo, os nossos professores gostavam de ser tratados assim: doutor. Por extenso naturalmente, mas em conversa isso não se notava.

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